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Juventude “apolítica” reinventa a política

A estudante Stephany Gonçalves dos Santos escreve seu politizado cartaz. Foto: Fabiana Frayssinet/IPS
A estudante Stephany Gonçalves dos Santos escreve seu politizado cartaz. Foto: Fabiana Frayssinet/IPS

Rio de Janeiro, Brasil, 2/7/2013 – Com palavras de ordem contra os partidos políticos, as manifestações juvenis no Brasil trazem consigo o paradoxo de uma nova e efetiva forma de fazer política, que consegue respostas concretas dos poderes do Estado. A palavra de ordem nas ruas é “partidos políticos, não”, e a maioria dos manifestantes se declara, com orgulho “apolítica”. “Não tenho nenhum partido”, diz à IPS a estudante Stephany Gonçalves dos Santos.

Como centenas de milhares de estudantes que protestam, convocados por meio das redes sociais, como o Facebook, ela escreve um cartaz para um protesto no Rio de Janeiro, com lápis de cor em uma simples cartolina. E escolhe a frase “Um filho teu não foge à luta”, do hino nacional brasileiro. “Estou aqui por um ideal de país. quero que meu país seja democrático. Mas onde há repressão não há democracia”, argumentou Stephany, referindo-se à dura resposta policial que, longe de aplacar os protestos, estimulou muitos a aderirem a eles.

“O governo quer alienar o povo com o futebol”, acrescentou, ao abordar outro tema de descontentamento: os gastos milionários em instalações para competições esportivas como a Copa das Confederações, a Copa do Mundo em 2014 e as Olimpíadas em 2016. Stephany vive em um país onde diariamente se respira futebol e este é parte de uma cultura popular tão arraigada quanto o carnaval. Mas reclama, indignada, do dinheiro que se deixou de investir em educação e saúde para construir grandes instalações esportivas. “Construíram estádios de primeiro mundo, mas ao redor deles não temos nada. É uma falta de respeito com o povo”, afirmou.

A revolta nasceu de um tema específico: o aumento das passagens de ônibus, serviço já caro e ineficiente. Porém, se estendeu a outras áreas: saúde, educação e a suposta corrupção de muitos dirigentes políticos. “A maioria dos que participam do movimento constitui uma massa de jovens que se sentem muito desgostosos com a atual vida política”, apontou à IPS o especialista político William Gonçalves, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro. “Eles repudiam a corrupção e a cumplicidade de forças que se apresentam como progressistas com as que são símbolo do atraso”, afirmou, referindo-se a alianças parlamentares forjadas pelos partidos para governarem.

Pelas dimensões e pela diversidade territorial do Brasil e da sua população, nenhum partido pode assegurar a Presidência e a maioria das cadeiras no Congresso. “Desta forma, temos um parlamentarismo disfarçado, já que todos os partidos que chegam à Presidência só podem governar aliando-se a outros que têm a única ambição de obter cargos em troca de apoio parlamentar”, explicou Gonçalves. “Até o Partido dos Trabalhadores é prisioneiro dessa aliança. A saída seria uma reforma política”, acrescentou.

Tal reforma, largamente reclamada, não saía das gavetas oficiais. E, curiosamente, foi o susto diante da “apolítica” ebulição das ruas que conseguiu em poucos dias que esse assunto entrasse na agenda oficial. Os manifestantes também conseguiram reduzir o preço do transporte público, a aprovação em tempo recorde de uma lei que declara a corrupção crime “hediondo” e a votação de outra lei para destinar royalties do petróleo para a saúde e educação.

Isto é ser apolítico? O dirigente do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, João Pedro Stédile, acredita que não. “A juventude não é apolítica, pelo contrário. Tanto não é, que levou a política às ruas, mesmo sem ter consciência de seu significado”, afirmou em uma entrevista ao jornal Brasil de Fato. “A juventude está cansada dessa forma de fazer política, burguesa e mercantilista. O mais grave é que os partidos da esquerda institucional, todos eles, se amoldaram a esses métodos. E, portanto, gerou-se na juventude uma repulsa à forma de atuar dos partidos”, ressaltou.

Para o historiador Marcelo Carreiro, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, “este é um novo dado da história nacional, cujo contexto já era claramente observável no esvaziamento dessas instituições”. Carreiro disse à IPS que “as manifestações confirmam essa caducidade das instituições e mostram, apesar de tudo, que a população pode estar mais politicamente ativa que nunca”.

Os três poderes do Estado tomaram nota e já começam a propor e discutir formas alternativas de incluir a cidadania em mecanismos mais dinâmicos e participativos. A presidente Dilma Rousseff deu um passo nessa direção ao admitir que “estas vozes têm de ser ouvidas” porque “deixaram evidente que superam os mecanismos tradicionais das instituições, dos partidos, das entidades de classe e da própria imprensa”. Uma proposta em debate é estabelecer a consulta popular como instrumento permanente de democracia direta.

Algumas organizações não governamentais propõem, por outro lado, a participação efetiva de diferentes grupos sociais, comunidades e bairros, em decisões sobre onde e como aplicar orçamentos de saúde, educação, infraestrutura, transporte e saneamento. “Tudo o que está acontecendo com estas novas expressões da sociedade em rede – no Brasil e em outros países – aponta para uma reinvenção da política para reinventar a democracia”, opinou Augusto de Franco, diretor da organização Escola de Redes. Os jovens manifestantes atiraram a primeira pedra, e não somente contra a repressão policial. Envolverde/IPS