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A luta para salvar o asno selvagem na Mongólia

Restos de um julan caçado ilegalmente. Fotio: Cortesia de Goviin Khulan
Restos de um julan caçado ilegalmente. Fotio: Cortesia de Goviin Khulan

 

Região de Gobi do Sul, Mongólia, 30/10/2013 – Décadas de colaboração internacional e local conseguiram resgatar o tahki, ou cavalo selvagem asiático, da extinção, reintroduzindo suas manadas no deserto de Gobi e nas pradarias da Mongólia. Porém, o asno selvagem mongol, ou julan, está desaparecendo rapidamente. A União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN) o incluiu em sua Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas em 2008.

“O julan (Equus hemionus) atrai menos atenção do que o tahki, que é apreciado nacionalmente”, explicou a etologista (estudiosa do comportamento animal) francesa Anne-Camille Souris, radicada na Mongólia e que desde 2003 trabalha em projetos sobre equinos selvagens, com o International Tahki Group. Há pesquisas, mas pouca ação”, disse à IPS. Segundo Souris, em todo o mundo há dois mil exemplares de tahki e 14 mil de julan. Contudo, enquanto a população do primeiro aumenta, a desta subespécie do asno selvagem asiático segue em queda livre.

Em 2007, Souris cofundou a organização sem fins lucrativos Goviin Khulan. “Cooperamos com cientistas e especialistas locais, com autoridades, guardas florestais, governadores de cada subdivisão administrativa, escolas, monastérios budistas e a população local em nossa área de estudo”, afirmou. A zona de pesquisa da organização fica na Região de Gobi do Sul, onde vive a maior população de julan. Duas populações menores e mais isoladas existem mais para o ocidente, nas áreas Dzungariana e Transaltai do Gobi, mas estão afastadas da de Gobi do Sul. A maior parte da mineração do país acontece nessa última, uma região rica em recursos extrativos.

Embora o governo mongol tenha designado áreas protegidas especiais nas províncias de Dornogovi e Omnigobi, ao sul, o habitat do julan se estende muito além delas. Além disso, o julan também enfrenta a competição dos animais domésticos, que estão esgotando os recursos forrageiros e hídricos. Nas últimas décadas a mudança climática afetou significativamente o ecossistema do país.

O estudo Mongólia: Informe de Avaliação Sobre a Mudança Climática 2009 mostrou uma perda de águas superficiais de 19%, bem como 7% de perda de pastagens e 26% de perda florestal. Além disso, as terras desertas triplicaram, passando de 52 mil para 149 mil quilômetros quadrados. Dos 1.800 poços cavados na província de Dornogovi, apenas cerca de mil ainda têm água. Assim, agora os pastores veem o julan como uma ameaça e com frequência ajudam os caçadores ilegais a vender sua carne. Segundo um estudo nacional, a economia de mercado atiçou a atividade desses últimos, que passaram de 25 mil durante a era socialista para 245 mil em 2008.

Entretanto, Souris disse que o julan não é uma ameaça, mas benéfico para os animais domésticos, pois podem fazer poços subterrâneos para encontrar água. Sua organização documentou que animais domésticos saciam sua sede em poços de água criados pelo julan. A população pecuária na região aumentou consideravelmente após o colapso do socialismo, em 1990, de 762 mil para mais de cinco milhões atualmente.

Gobi é o centro da indústria da Caxemira, que resultou em uma benção após a virada para a economia de mercado. Em desvantagem com a Caxemira subsidiada da China, os pastores mongóis aumentaram a quantidade de cabras a fim de amortizar as perdas. Um informe do Banco Mundial de 2010 inclui estes fatores entre os que contribuíram para a alarmante redução dos exemplares de julan. Na década de 1990, havia 40 mil e em 2009 eram 14 mil. Dados mais atuais sugerem que anualmente ocorre uma redução de 10%.

Outro informe, este do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), da Convenção sobre as Espécies Migratórias e do Escritório de programas do Fundo Mundial para a Natureza (WWF) na Mongólia, estudou o impacto das estradas e ferrovias sobre o julan e outras espécies migratórias no país. O relatório Barreiras às Migrações: Estudo de Caso na Mongólia, divulgado em 2011, explica como as ferrovias que vão de norte a sul, desde a fronteira russa até a China, dividem Gobi em dois, reduzindo, assim, o habitat do julan.

As manadas da parte oriental desapareceram depois de construídas as estradas de ferro. Além disso, como na região há oito grandes minas que produzem e transportam carvão, uma única rodovia que leva à fronteira registrou um tráfego diário de 50 caminhões carregados desse produto. Segundo o informe, o julan precisaria de passagens inferiores para se movimentar de maneira segura.

A mina de cobre de Oyu Tolgoi, um dos maiores projetos extrativistas do país, que é administrada conjuntamente pelo governo e por interesses privados, pretende construir algumas dessas passagens inferiores. Contudo, seu principal assessor para assuntos hídricos, Mark Newby, afirmou que seu impacto atual é pequeno em comparação com o transporte de carvão. Já o transporte de concentrado de cobre, disse Newby à IPS, “é feito em comboios de 16 caminhões, e atualmente há até três comboios que chegam diariamente à fronteira”. Isso representa cerca de 50 caminhões, com aumento de “até seis comboios” no futuro.

Newbi também disse que a pavimentação do que costumava ser uma estrada suja não só melhorou a situação das famílias dos pastores que viviam perto dela, como também permitiu que houvesse passagens de julanes. Em 20 exemplares desse equino foram colocados colares para que o projeto pudesse rastrear seus movimentos. A Oyu Tolgoi também realizou um levantamento aéreo entre maio e julho.

“Em 2008, acadêmicos, pesquisadores e especialistas mundiais sobre espécies unguladas sugeriram” fazê-lo, disse à IPS Dennis Hosack, principal assessor sobre compensações em matéria de biodiversidade na gigante mineira anglo-australiano Rio Tinto. Atualmente em fase de análise de dados, seu avanço pode ser acompanhado no blog http://southgobi2013.countingstuff.org/census-zone/. Por outro lado, a mina de carvão de Tavan Tolgoi, que em grande parte é propriedade do governo, ainda não colabora com a preservação do junal, embora Souris afirme que espera que o faça.

Para conscientizar sobre as vulnerabilidades do julan, a associação Goviin Khulan trabalha desde 2008 com os monges de Ulgii Hiid na província de Dornovobi, bem como com os de Jamariin Jiid, perto da capital provincial, Sainshand, e o Fundo Tributário e a Aliança de Religiões e Conservação, usando princípios budistas para preservar os recursos naturais. Além disso, dedicou o dia 18 de setembro para convocar artistas do país “e a atuar como ponte para a cultura mongol e a proteção natural”, ressaltou Souris. Envolverde/IPS