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Manguezais cubanos gritam de sede

Mangues moribundos em Cayo Jutía, província de Pínar del Rio. Foto: Jorge Luis Baños/IPS
Mangues moribundos em Cayo Jutía, província de Pínar del Rio. Foto: Jorge Luis Baños/IPS

 

Surgidero de Batabanó, Cuba, 23/10/2013 – Na década de 1960 o governo de Cuba considerou que o armazenamento de água doce para enfrentar secas e furacões era um assunto de segurança nacional, e começou a represar rios. Essa política tem hoje uma vítima impensada: os manguezais, que já não conseguem barrar o avanço das ondas. O mar engoliu o velho caminho que ligava as praias de Batabanó e Mayabaque, no sudoeste de Cuba. Nos últimos 50 anos, foram perdidos mais de cem metros de terra. O debilitado mangue, que recebe água doce a conta-gotas, não conseguiu evitar essa perda.

“Os mangues se deterioraram tanto que, em 2008, o furacão Ike empurrou o mar um metro e meio costa adentro, que não retrocedeu. Continuou avançando”, disse à IPS Flora Yau, moradora de Surgidero de Batabanó. Esse povoado do município de Batabanó, na província de Mayabeque, cerca 70 quilômetros ao sul de Havana, está cansado de ser alagado com cada vento que sopra do sul. O mais brutal aqui é a perda de terreno pela erosão. Em alguns lugares o retrocesso é de quase dois metros por ano, e há locais já submersos, como Punta Bujamey.

A debilidade dos mangues se deve, em primeiro lugar, ao fato de não receberem como antes a água doce, represada terra adentro, explicou à IPS a pesquisadora e bióloga Leda Menéndez. “As represas cortam a circulação natural da água”. O mangue, que representa 20% das florestas dessa ilha caribenha, precisa da união e do movimento constante de água doce e salgada para se desenvolver, destacou.

A maioria dos rios cubanos está represada. No total há 969 represas, segundo o Instituto Nacional de Recursos Hídricos. Essa vasta armazenagem de água doce se deve a uma política dos anos 1960, quando o governo considerou que se tratava de um assunto de segurança nacional que permitiria enfrentar secas e furacões. “Em alguns locais, se queremos que o mangue prospere é preciso lhe dar um pouco de água das represas”, afirmou Menéndez.

É um passo inquestionável para fortalecer as florestas costeiras, que funcionam como escudo protetor da vida na terra firme diante de desastres naturais e outros fenômenos meteorológicos vinculados à mudança climática, acrescentou a bióloga. Além da falta de água doce, esses ecossistemas, que são 4,8% do território cubano, estão se transformando por causa da construção de canais e diques, pelo desmatamento, pelo solo salgado e pela contaminação industrial.

Quatro espécies, o mangue-vermelho (Rhizophora mangle), o sereíba (Avicennia germinans), o mangue-branco (Laguncularia racemosa) e o pseudomangue yana (Conocarpus erectus) são exploradas em Cuba para fazer carvão, dormentes para ferrovias ou tanino para curtir couro. Em todas as zonas tropicais da América, os mangues são cruciais. As 11 espécies existentes nessa região estão ameaçadas pelo turismo e pela indústria do camarão.

Em Cuba, o Ministério da Agricultura proibiu, em dezembro de 2012, a exploração dos mangues, como medida de adaptação ao aquecimento global. “A mudança climática foi o disparador do interesse em conservar os mangues”, pontuou Menéndez. “Os seres humanos necessitam deles para salvaguardar os lugares onde se desenvolve a vida e a economia”, quando aumentam o nível do mar, a salinidade e a ocorrência de eventos extremos.

No contexto do aquecimento, os serviços ambientais do mangue se tornam cruciais: evitam a erosão das costas, permitem o desenvolvimento da fauna marinha e, portanto, da pesca, impedem a entrada de água salgada em terrenos agrícolas e fontes de água, detêm o avanço das inundações e conserva a biodiversidade. “Se desmatarmos os mangues, o mar avançará com maior intensidade”, explica aos seus alunos de Batabanó o professor de geografia Miguel Díaz. Esse problema é tema de ensino nas aulas da região, onde comunidades como Surgidero de Batabanó sofrem suas consequências.

Além da perda de terras, os solos agrícolas próximos da costa estão cada vez mais salinos, e as inundações se transformam no pão de cada dia. “Quando vamos recolher lixo, vemos que a areia está afetada porque é retirada para construir, há árvores cortadas e mais coisas danificadas”, lamenta a aluna Roxana Vitres, uma dos 32 estudantes da escola Bac-Ly de Surgidero, integrados a um programa de formação escolar em deveres e direitos ambientais. “Nós fazemos inspeções e alertamos as autoridades dos problemas”, explicou Daniel Cruz, de 15 anos.

Essas crianças e adolescentes aprendem ecologia, controlam e fazem saneamento ambiental da região mediante o programa SOS Manguezais, coordenado pelo Museu de História de Batabanó, o centro local da organização não governamental Pronatureza e autoridades da educação. Efraín Arrazcaeta, coordenador do programa e ativista da Pronatureza, afirmou à IPS que “precisamos de uma equipe forte de guardas florestais para reduzir as incidências e que sejam mantidos limpos os canais do Dique Sul”.

Essa obra, iniciada nos anos 1980, provocou a morte das florestas maiores e produtivas da faixa costeira de 129 quilômetros ao sul de Havana, que inclui Surgidero, segundo um estudo do estatal Instituto de Ecologia e Sistemática. Desde o ano passado, boa parte dos mangues dessa localidade está protegida porque faz parte da Área de Refúgio Animal Sul Batabanó. Porém, continua havendo violações, porque em toda Cuba os sistemas de vigilância ambiental são frágeis e o valor das multas para esses crimes muito baixos. Envolverde/IPS