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Miami quer ser amiga de Havana

“No caminho para a mudança”. Barack Obama, quando era candidato à Presidência dos Estados Unidos. Foto: Bankole Thompson/IPS
“No caminho para a mudança”. Barack Obama, quando era candidato à Presidência dos Estados Unidos. Foto: Bankole Thompson/IPS

Washington, Estados Unidos, 13/2/2014 – Se o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, quiser ser mais rápido e reiniciar as relações com Cuba, conta com espaço político para fazê-lo, segundo a análise de uma pesquisa de opinião divulgada em Washington no dia 11. A pesquisa, realizada em janeiro, mostra apoio, de 56% de adultos norte-americanos em todo o país, à normalização dos vínculos diplomáticos ou a uma aproximação mais clara com Havana, com uma oposição de apenas um terço (35%).

Mas o resultado político mais importante é que uma maioria mais ampla dos entrevistados (63%) no Estado da Flórida apoia o reatamento de relações e um compromisso maior. Apenas 30% dos residentes nesse Estado foram contra. Na Flórida vive a mais numerosa comunidade de cubanos-norte-americanos, incluindo vários dos mais ferozes inimigos do governo de Raúl Castro no Congresso. Além disso, 62% dos entrevistados de origem latino-americana em todo o país estão de acordo com a normalização, e apenas 30% contra.

“As mudanças profundas na política para Cuba seriam bem recebidas pelo povo norte-americano e mais ainda pelos habitantes da Flórida e pelos latinos”, diz uma análise dos resultados feita por Peter Schechter e Jason Marczak, diretor e subdiretor, respectivamente, do Centro Adrienne Arsht para a América Latina do Atlantic Council, um centro de pensamento criado em 1961.

“Durante décadas, a política da Flórida prevaleceu sobre a política de Estado. Mas isso mudou. Embora os que se opõem à normalização tenham ao seu lado a emoção e a determinação, é claro que a demografia e a imigração mudaram a equação política na Flórida”, acrescentam os analistas.

A pesquisa, feita por consultores experimentados dos dois grandes partidos do país, o governante Democrata e o opositor Republicano, aparece quando um conjunto de personalidades da Flórida faz um chamado público para mudanças em relação à Cuba, destacou o especialista em Cuba, Marc Hanson, do Escritório em Washington para Assuntos Latino-Americanos (Wola).

Dois candidatos democratas ao governo da Flórida – incluindo o ex-republicano Charlie Crist, que governou esse Estado entre 2007 e 2011 – também se manifestaram contra o embargo econômico imposto a Cuba há quase 54 anos. Na semana passada, Alfonso Fanjul, um dos ricos irmãos cubano-norte-americanos que controlam a indústria do açúcar na Flórida, falou de suas recentes visitas ao seu país de origem e sobre seu interesse em fazer negócios ali.

Outro destacado empresário de origem cubana, Jorge Pérez, pediu que se estreite o intercâmbio entre os dois países e expressou seu desejo de expor obras de artistas cubanos – inclusive vinculados ao governo de Castro – em seu novo museu de arte em Miami. “Até há pouco tempo, expressar oposição ao embargo era suicídio político na Flórida”, recordou Hanson. Mas os recentes anúncios públicos mostram até que ponto “mudaram os cálculos que manifestar apoio à normalização das relações já não é absolutamente um passivo”.

Obama, que adotou uma postura mais liberal sobre Cuba do que seu adversário republicano John McCain na campanha eleitoral de 2008, ganhou na Flórida, talvez o mais notório dos Estados “oscilantes” após os resultados das eleições de 2000. Após revogar, no início de seu primeiro mandato, várias medidas que foram adotadas por George W. Bush (2001-2009) para restringir as viagens e o envio de dinheiro dos cubanos-norte-americanos para a ilha, Obama voltou a ganhar na Flórida em 2012, em boa parte porque conseguiu atrair 10% mais de votos da comunidade de origem cubana.

Muitos observadores explicaram esse fenômeno como uma mudança de geração na comunidade cubana da Flórida. Contudo, depois dessas medidas iniciais, Obama se tornou muito cauteloso, em grande parte pela prisão em Havana de Alan Gross, um empreiteiro da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional, condenado em 2011 a 15 anos de prisão por distribuir sem permissão equipamentos de informática e comunicações à comunidade judia em Cuba.

A maioria dos analistas acredita que Havana busca trocar Gross pelos “cinco”, como são conhecidos os agentes de inteligência cubanos condenados nos Estados Unidos por espionagem e outros crimes no final dos anos 1990. Um deles obteve sua liberdade em 2011 e outro será libertado este mês. Porém, o governo Obama deu alguns modestos passos nos últimos anos, como facilitar as viagens a Cuba por motivos educacionais e culturais e autorizar conversações bilaterais de nível técnico sobre uma variedade de assuntos, como as migrações, que estavam suspensas desde a época de Bush.

“Atua-se na margem da política, mas não no fundamental”, opinou Michael Shifter, presidente do Diálogo Interamericano, um centro de estudos que cobra de Washington posturas mais abertas em relação a Havana como via para melhorar as relações com o resto da América Latina.

Para a pesquisa foram ouvidas duas mil pessoas. Além de mais de mil adultos selecionados de forma aleatória, o estudo incluiu subamostras de 671 residentes na Flórida e de 525 latino-americanos.

* Os homens são mais favoráveis à normalização (61%) do que as mulheres (51%).

* 52% dos que se identificaram com republicanos querem uma mudança nas relações com Cuba.

* 62% estão a favor de as empresas norte-americanas fazerem negócios em Cuba.

* 61% estão a favor do fim de todas as restrições de viagens.

* Quase 80% são favoráveis a diálogos com Havana sobre temas como contrabando e tráfico de drogas.

Contudo, poucos acreditam que uma proposta de aliviar o embargo seja aprovada neste ano eleitoral e no clima polarizado do Congresso. Porém, dizem alguns, os resultados da pesquisa deveriam incentivar Obama a exercer sua autoridade executiva para retirar Cuba da lista do Departamento de Estado de países que patrocinam o terrorismo e para facilitar os trâmites para as viagens à ilha.

“A importância da pesquisa é que alimentará a discussão política no próximo ano”, disse à IPS o vice-presidente do influente fórum empresarial National Foreign Trade Council, Jake Colvin. “Me surpreende realmente que os habitantes da Flórida estejam mais a favor de mudar a política do que o resto do país”, destacou.

Miami dá o tom

Uma surpresa particular foram os resultados no condado de Miami-Dade, tradicional reduto dos setores anticastristas recalcitrantes e pró-bloqueio, cujos representantes no Congresso são os republicanos Ileana Ros-Lehtinen e Mario Diaz-Balart: 64% dos entrevistados ali disseram apoiar o reinício das relações com Cuba ou uma aproximação mais direta.

Em resposta, Ros-Lehtinen denunciou que a pesquisa “foi feita com uma agenda política: ajudar a justificar as desastrosas políticas para Cuba do presidente Obama”. A legisladora acusou seu correligionário, senador Jeff Flake, que participou da apresentação do estudo, de ser “o porrista (integrante da Porra, grupo de segurança que em Cuba, na década de 1930, usava métodos violentos para intimidar a população) de Castro no Senado, que obsessivamente faz lobby para levantar as sanções contra essa ditadura”. Envolverde/IPS