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Migrantes infantis são uma veia aberta na América Central

Setores da sociedade civil pediram, ao fim da Conferência Internacional sobre Migração, Infância e Família, que os migrantes sejam vistos como seres humanos e não como simples estatísticas para os arquivos oficiais. Foto: Casa Presidencial de Honduras
Setores da sociedade civil pediram, ao fim da Conferência Internacional sobre Migração, Infância e Família, que os migrantes sejam vistos como seres humanos e não como simples estatísticas para os arquivos oficiais. Foto: Casa Presidencial de Honduras

 

Tegucigalpa, Honduras, 18/7/2014 – A crise migratória, desatada pelos milhares de meninos e meninas da América Central detidos na fronteira dos Estados Unidos, representa uma perda maciça de gerações que fogem da pobreza, da violência e da insegurança em Honduras, Guatemala e El Salvador, os três países mais violentos do chamado Triângulo Norte do istmo.

Aproximadamente 200 especialistas e funcionários de países e organismos envolvidos se reuniram em Tegucigalpa para promover soluções para a emergência humanitária, nos dias 16 e 17 deste mês, em uma Conferência Internacional sobre Migração, Infância e Família, convocada pelo governo hondurenho e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). O encontro terminou com um chamado pelo estabelecimento de vias para os países envolvidos implantarem um programa com recursos suficientes para o controle efetivo de fronteiras e a eliminação de “pontos cegos” usados na rota do migrante.

Também pediram que se concretize rapidamente uma iniciativa regional que permita abordar essa crise humanitária de forma conjunta e definitiva, em reconhecimento de uma responsabilidade compartilhada para alcançar a paz, a segurança, o bem-estar e a justiça nas populações centro-americanas. São conclusões gerais e sem compromissos específicos diante das dimensões da crise.

O governo dos Estados Unidos afirma que as patrulhas fronteiriças capturaram este ano cerca de 47 mil menores de idade, que permanecem detidos em abrigos lotados, enquanto correm os trâmites para sua deportação.

José Miguel Insulza, secretário-geral da Organização de Estados Americanos (OEA), disse durante a conferência que os menores migrantes não acompanhados da América Central que tentavam entrar nos Estados Unidos chegavam a 4.059 em 2011. Mas esse número subiu para 21.537 em 2013, e neste ano já está em 47.017.

“Essa grande quantidade de crianças vem de México, Guatemala, Honduras e El Salvador. Identificou-se que 29% desse número é de crianças de Honduras, 23% do México, 24% da Guatemala e El Salvador”, detalhou Insulza, antes de pedir que a onda migratória não seja criminalizada.

As imagens de centenas de menores, subindo sozinhos ou acompanhados de familiares ou estranhos nos vagões do trem mexicano conhecido como La Bestia, com destino à fronteira com os Estados Unidos, finalmente despertou a preocupação dos governos da área pela situação. Nisso influiu o anúncio do governo norte-americano de que começará a realizar deportações em massa de crianças interceptadas nos últimos meses, o que começou a ser realidade para os menores hondurenhos no dia 14.

A reunião de Tegucigalpa reuniu funcionários e especialistas de países onde chegam e de onde saem os imigrantes. Durante o debate, os participantes analisaram que, no caso da Guatemala, a migração é dominada pela situação de pobreza, enquanto em El Salvador e Honduras as pessoas fogem mais da insegurança pública e da violência criminosa.

O presidente hondurenho, Juan Orlando Hernández, inclusive os chamou de “refugiados de guerra” e afirmou que se está diante de uma emergência “que hoje explode entre nós”. De nove menores migrantes não acompanhados que cruzam a fronteira dos Estados Unidos, sete são hondurenhos que procedem de localidades denominadas “territórios quentes” da insegurança e da violência, explicou o mandatário.

Ricardo Puerta, especialista em temas migratórios, afirmou à IPS que a região centro-americana está perdendo suas gerações, “isso está golpeando duramente, especialmente em países como Honduras, onde as pessoas fogem da violência e a idade dos que emigram oscila entre 12 e 30 anos”. Ele acrescentou que “estamos perdendo muitos novos e bons braços e cérebros, que em regra geral não regressam e, se o fazem, é como turistas, não de forma permanente”.

Laura García trabalha como faxineira. Cobra, em média, US$ 12 por casa ou escritório que limpa, mas sua situação está difícil. Ela quer emigrar, sem importar os riscos nem o que ouve sobre o endurecimento das políticas migratórias dos Estados Unidos, cujos funcionários repetem sem cessar que os migrantes centro-americanos não são “bem-vindos”.

“Escuto tudo isso, mas aqui não tem trabalho. Há dias que limpo duas casas, em outro apenas uma e, às vezes, nenhuma. E, como sou mulher que passou dos 35 anos, ninguém quer me dar emprego. Luto e luto, mas quero tentar lá no Norte, dizem que pagam melhor para cuidar de pessoas”, disse García à IPS, chorando. Além disso, Laura vive em um conflituoso e pobre bairro, San Cristóbal, no norte de Tegucigalpa, que as gangues controlam e onde a partir das 18 horas impõem sua própria lei: ninguém sai e ninguém entra sem autorização dos criminosos.

“Dizem que no caminho (da rota migratória) acontecem muitas coisas, que assaltam, sequestram, violam… Dizem muitas coisas, mas tal como está a situação aqui, dá no mesmo morrer no caminho ou aqui, assediada pelas gangues, à espera de que um dia atirem em você”, acrescentou García.

Ao falar na Conferência Episcopal dos Estados Unidos, no dia 7 deste mês, o cardeal hondurenho Óscar Andrés Rodríguez, alertou em Washington sobre a desesperança que se vive em Honduras e no resto da América Central. “É como se alguém cortasse uma veia em Honduras e outros países centro-americanos. O medo, a pobreza humilhante e sem futuro… significa que estamos perdendo nossa alma, nossos jovens. Se isso continuar acontecendo, os corações de nossa região deixarão de bater”, afirmou em uma intervenção que ainda não foi divulgada em Honduras.

Rodríguez também fustigou as deportações em massa de menores hondurenhos que começaram a chegar procedentes do México aos Estados Unidos. “Imaginem se você começa sua vida adulta sendo tratado como um criminoso? Para onde ir?”, perguntou. A Igreja Católica hondurenha insiste que o medo e a pobreza sufocante, junto com desemprego e violência, induzem os pais à desesperada medida de encaminhar seus filhos ao perigoso caminho da migração para salvar suas vidas, ao mesmo tempo em que exige políticas públicas inclusivas que evitem essa fuga de geração.

Guatemala, Honduras e El Salvador são considerados países onde a violência cresceu, impulsionada pelo deslocamento dos cartéis do tráfico de drogas do México e da Colômbia, devido à guerra antidrogas que travam os governos desses países. Em 2013, em El Salvador, a taxa de homicídios foi de 69,2 em cada cem mil habitantes, na Guatemala de 30 e em Honduras de 79,7, segundo dados oficiais.

Atualmente, estima-se que mais de um milhão de hondurenhos residem nos Estados Unidos, de uma população total de 8,4 milhões de pessoas. No ano passado, esses migrantes enviaram ao seu país US$ 3,1 bilhões, segundo a Associação Hondurenha de Instituições Bancárias. Envolverde/IPS