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Multimilionário passivo causado pelo tabaco

Rio de Janeiro, Brasil, 8/6/2012 – O Brasil gasta aproximadamente US$ 10 bilhões por ano em cuidados sanitários com fumantes, mais do que o triplo do que o setor aporta em impostos no país, que é o primeiro exportador e o segundo produtor mundial de tabaco. A magnitude dos efeitos do consumo de tabaco no Brasil está expressa em seu impacto econômico, destaca um estudo da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), dedicada a apoiar a saúde pública, e da não governamental Aliança de Controle do Tabagismo (ACT).

O informe Peso das doenças relacionadas com o tabaco no Brasil, divulgado este mês, mostra que os gastos para tratar problemas como câncer; males cardíacos e pulmonares e derrames cerebrais decorrentes do tabagismo equivalem a 0,5% do produto interno bruto. A diretora-executiva da ACT, Paula Johns, disse à IPS que o estudo inicialmente calculou os gastos associados ao tratamento das 15 principais doenças causadas pelo tabagismo, mas que no total o consumo de cigarros incide no desenvolvimento de 50 enfermidades.

“A indústria do setor não se responsabiliza pelo custo e argumenta que paga muitos impostos. O peso de tratar das enfermidades recai sobre o poder público”, explicou Paula. No ano passado, os impostos totais da indústria brasileira do tabaco somaram US$ 3 bilhões, menos de um terço do que o Estado gastou para tratar suas vítimas. Segundo ela, a carga tributária para o setor deveria, no mínimo, triplicar, para pagar os custos que serão gerados por fumantes ativos e passivos após duas ou três décadas de consumo.

“Além disso, é preciso levar em conta custos indiretos, como aposentadoria precoce”, advertiu Paula. No Brasil, com quase 200 milhões de habitantes, há cerca de 25 milhões de fumantes, dos quais 15 milhões são homens. No entanto, a diretora da ACT destacou como dado negativo que mulheres, meninos e meninas estão começando a fumar cada vez mais cedo.

O objetivo dos responsáveis pelo estudo é demonstrar a necessidade de se aprofundar a regulamentação da indústria do tabaco e de investir em medidas de prevenção, para limitar o vício de fumar. “Prevenir não é apenas fazer campanhas educativas, é preciso dificultar o acesso, encarecer os preços e reduzir os pontos de venda”, indicou Paula. Atualmente, no Brasil o maço de cigarro é vendido por cerca de R$ 5.

O Brasil é o segundo produtor mundial de tabaco, atrás da China e à frente de Índia e Estados Unidos. No ano passado, 85% desta produção foi destinada ao mercado externo, o que consolidou seu primeiro lugar como exportador do produto, no qual se mantém desde 1993. A venda externa representou US$ 2,89 bilhões. O estudo, primeiro a medir no Brasil o impacto econômico do tabagismo, estabelece que o perfil dos fumantes locais é de maioria negra (um terço dos fumantes são afrodescendentes), pobres, habitantes rurais e com baixa escolaridade, segundo a ACT.

Há dados que impressionam, como o que indica que 20% dos fumantes começaram no vício com menos de 15 anos de idade, e o restante antes dos 19 anos. Também causa alarme nas autoridades que lutam para controlar o consumo o fato de que 60% dos adolescentes que começam a fumar o fazem com cigarros que possuem aditivos com sabores, como de cereja, chocolate ou menta.

Para a coordenadora do estudo, Márcia Pinto, o impacto econômico para o Estado poderia ser minimizado porque todas as doenças provocadas pelo consumo de tabaco podem ser prevenidas. “Todo este recurso poderia ser investido em programas de vacinação, ampliação do diagnóstico e acesso ao tratamento de cânceres e programas de saneamento”, afirmou à IPS. Márcia coordena uma equipe de seis pesquisadores e é representante do Instituto Fernandes Figueira, parte da Fiocruz.

Há 12 anos ela estuda diferentes aspectos da indústria do tabaco e destaca como indispensável que sejam medidos os custos do tabagismo para o país, e, desta forma, se impulsionar políticas públicas que impeçam que a população infantil, os adolescentes e as mulheres sejam cooptados como consumidores. Segundo a especialista, o consumo de cigarros é origem de 90% dos casos de doenças do pulmão. O estudo aponta que os problemas cardíacos, seguidos de doenças pulmonares (câncer incluído) e dos acidentes cerebrovasculares representaram 83% dos custos para o sistema público de saúde em razão do tabagismo.

Em 2011, cerca de 30% do orçamento total do Fundo Nacional da Saúde, que administra os recursos do Sistema Único de Saúde, foram destinados ao tratamento de enfermidades relacionadas com o consumo de tabaco. Apesar disso, segundo o informe, a expectativa de vida dos fumantes diminui, em média, cinco anos. “O fumante perde cinco anos de vida. O tabagismo é uma doença e também está relacionado com o alcoolismo e o sedentarismo”, afirmou Márcia.

Com os US$ 10 bilhões consumidos pelo tabagismo seria possível atender todo o déficit brasileiro de saneamento básico, que exige US$ 6 bilhões ao ano de investimento nas próximas duas décadas, segundo cálculos do departamento de saúde ambiental da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo. Este valor representa, também, metade do orçamento anual do Programa de Aceleração do Crescimento, criado pelo governo federal para dotar o país das infraestruturas que necessita. Um programa social emblemático, Minha Casa, Minha Vida, para aliviar o déficit habitacional, exigiu em 2011 do tesouro público bem menos: US$ 6,2 bilhões.

O tabagismo responde pela morte de 5,4 milhões de pessoas no mundo a cada ano, segundo a Organização Mundial da Saúde. E a previsão da OMS é que a situação vai piorar no futuro: em 2030, a mortalidade pelo consumo de tabaco será de oito milhões ao ano, 80% em países do Sul em desenvolvimento. Em nível mundial, o custo anual por doenças derivadas do tabaco é de aproximadamente US$ 500 bilhões, segundo a Sociedade Americana contra o Câncer. Envolverde/IPS