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Novo regime contra o HIV gera temores na África do Sul

Entre 5,5 milhões e 5,9 milhões de sul-africanos estão infectados com o vírus HIV. Foto: Natasya Tay/IPS

Cidade do Cabo, África do Sul, 9/5/2013 – “Se ficar sem meus comprimidos, não sei o que acontecerá. Provavelmente adoecerei de novo, muito gravemente. Talvez morra”, disse Xoliswa Mbana (nome fictício) enquanto arrumava seus quatro filhos para irem à escola em um assentamento informal desta cidade. Mbana foi diagnosticada como portadora do vírus da deficiência humana (HIV, causador da aids) em 2008, e sua recontagem de células CD4 há dois anos foi menor do que 200. Adoeceu gravemente e na clínica do superpovoado bairro de Masiphumelele a convenceram a iniciar um tratamento antirretroviral.

“Eu não confiava muito na ‘muti’ (palavra zulu para se referir à medicina) porque havia escutado muitas coisas ruins sobre ela. Mas estava morrendo e não tive opção. Quando comecei a me sentir melhor me alegrei. Espero que o governo não me tire a felicidade”, disse à IPS esta mulher de 42 anos, que tem medo de não receber mais esses comprimidos que salvam a sua vida.

O Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/aids calcula que entre 5,5 milhões e 5,9 milhões dos 49,3 milhões de sul-africanos estão infectados com o HIV. Em  maio passado, Mbana não pôde receber tratamento durante três semanas porque sua clínica ficou sem antirretrovirais. A clínica foi uma das centenas de pontos de distribuição em seis províncias sul-africanas afetadas pela escassez geral de medicamentos, a última sofrida pelo programa de tratamento antirretroviral, lançado pelo governo em 2004 dentro de sua luta contra a aids.

Esta instabilidade no fornecimento é que leva ativistas a demonstrarem preocupação pela decisão do Departamento de Saúde, adotada em 1º de abril, de iniciar a distribuição de medicamentos de combinação em dose fixa (CDF). Até agora, o tratamento fornecido pelos serviços estatais consistia em três comprimidos diferentes que o paciente deveria ingerir ao longo do dia. A nova dose combina os três princípios ativos desses comprimidos em um só.

Embora a CDF pareça mais conveniente para os pacientes, ativistas e profissionais da saúde alertam que um esgotamento da droga poderá ter efeito catastrófico no programa de tratamento antirretroviral sul-africano, o maior do mundo em sua classe. Com o regime anterior, “se havia escassez de um antirretroviral as pessoas ainda podiam tomar os outros dois comprimidos, embora não fosse o ideal. Agora, se faltarem os comprimidos de CDF, os pacientes não terão outro recurso”, explicou à IPS o diretor-executivo de saúde e justiça social da organização Section 27, Mark Heywood.

Com ele concordou Kevin Rebe, do Instituto de Saúde Anova, que administra o programa Health4Men, focado na prevenção e no tratamento do HIV. “O risco da CDF é que não tem um bom plano B”, disse à IPS, alertando que basta deixar de tomar umas poucas doses para que o organismo rejeite o tratamento. “É necessário administrar corretamente 95 de cada cem doses. Se não for assim, corre-se o risco de o tratamento fracassar e o paciente precisar optar por outro, possivelmente mais complexo e caro. Por isso, se houver uma escassez de medicamentos CDF, as consequências poderão ser graves”, alertou Rebe.

Por sua vez, Linda Gail Bekker, subdiretora do Centro Desmond Tutu contra o HIV, da Universidade da Cidade do Cabo, alertou que um eventual esgotamento poderá constituir um “grave perigo para a saúde” das pessoas que recém-iniciaram o tratamento antirretroviral. Bekker também teme que eventuais faltas das doses afetem os avanços conseguidos em convencer as pessoas soropositivas a fazerem o tratamento.

Porém, Bekker acredita que os riscos de desabastecimento podem ser mitigados prevendo-se exatamente a demanda e assegurando um fornecimento adequado. Apesar de admitir que isto não é simples, insistiu que uma administração rígida das doses é a única maneira de assegurar o sucesso do regime com a CDF. “Não é nenhuma proeza fazer com que este grande número de pessoas comece uma terapia e depois assegurar que a recebam pelo resto de suas vidas. E temos que fazê-lo, e bem feito”, ressaltou.

Por sua vez, Rebe destacou a importância de não se quebrar a cadeia de fornecimento da CDF, e disse que o plano inicial do Departamento de Saúde é promissor. “Parecem ter sido bem inteligentes, especialmente com a ideia de introduzir a CDF em etapas: primeiro as mulheres grávidas, depois pacientes com tuberculose, e por fim os que estão começando o tratamento antirretroviral”, acrescentou.

“Esse enfoque gradual ajudará muito a evitar um esgotamento” de remédios, disse Rebe, destacando que o Departamento de Saúde dividiu a licitação para o tratamento do período 2013-2014 em vários contratos. “Isto é bom porque, se um fornecedor não entregar, outros poderão cobrir o que faltar”, ponderou.

Joe Maila, porta-voz do Departamento de Saúde, disse à IPS que somente serão convocados outros fornecedores se os três atuais – as companhias farmacêuticas Mylan, Cipla e Aspen – não puderem atender a demanda. A oferta e a demanda são seguidas de perto e controladas em reuniões semanais entre os fornecedores e as autoridades provinciais de saúde, informou. Isso permite ao departamento “detectar com antecedência problemas de distribuição e intervir”, destacou. Porém, o mais importante é que o departamento armazenou várias quantidades de CDF “para aliviar a escassez quando ela ocorrer”, explicou.

O governo sul-africano também espera que a introdução da CDF reduza significativamente os custos de seu plano de tratamento contra HIV/aids. O regime anterior custava cerca de 120 rands (US$ 13,4) por pessoa ao mês, enquanto no sistema com a CDF custa 93 rands (US$ 10,38). A economia de US$ 3 é significativa, considerando que 1,9 milhão de pacientes recebem tratamento antirretroviral dos serviços estatais.

“Ter os três agentes em comprimidos de dose única é o melhor que temos atualmente. Também está demonstrado que reduzir o número de comprimidos e as doses diárias é fundamental para que os pacientes respeitem o regime de tratamento”, enfatizou Rebe. Para Mbana, o mais importante é sempre ter seus medicamentos. “Não me importa se tenho de tomar um comprimido ao dia ou mais, desde que tenha algo para tomar”, afirmou. Envolverde/IPS