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Pequenas represas, grandes preocupações

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Represa de Canoa Quebrada no Rio Verde, norte de Mato Grosso.
Cuiabá, Brasil, 11/7/2011 – Converter-se em uma escadaria de lagoas artificiais parece ser o destino de vários rios do Mato Grosso devido à construção de uma série de pequenas centrais hidrelétricas (PCH), em alguns casos intercaladas por outras de maior porte. O Rio Jauru, no oeste do Estado, abrigará seis complexos em um trecho inferior a 80 quilômetros, destacou Dorival Gonçalves Júnior, professor de engenharia elétrica na Universidade Federal de Mato Grosso.

Nos registros oficiais da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), o Estado conta com 49 PCH operando, 11 em construção e 18 autorizadas. E em alguns anos serão muitas mais. Apenas na bacia do alto Paraguai, da qual o Rio Jauru faz parte, havia no ano passado 76 em processo de licença ou estudos, além de 16 em operação e dez sendo construídas, segundo o Centro de Pesquisa do Pantanal (CPP). No total eram 116, somando as pequenas e as maiores. No Brasil, considera-se PCH a central com capacidade para gerar entre um e 30 megawatts, acima dessa potência é chamada Usina Hidrelétrica (UHE), e abaixo ficam as Centrais Geradoras (CGH).

Tantas represas, além de afetar a reprodução dos peixes, ameaçam os ciclos de cheias e inundações do Pantanal Motogrossense, vitais para a riqueza biológica nessa área úmida que ocupa grande parte do oeste brasileiro, do leste boliviano e norte paraguaio, e é reconhecida como Patrimônio Natural da Humanidade. A proliferação se deve à crença de que as PCH produzem um reduzido impacto ambiental. Entretanto, em muitos casos isolados não é isso que ocorre, menos ainda se elas são construídas em um mesmo rio.

Com o apagão ocorrido no país em 2001, seguido de dez meses de racionamento, o governo flexibilizou ainda mais as exigências já brandas para autorizar a construção de PCH, estimulando essas “supostas fontes limpas” de energia, recordou Adriana Ramos, diretora-adjunta do Instituto Socioambiental. Sem “avaliação sistêmica” por bacia, em lugar do projeto isolado, como se faz, os impactos acumulados não são considerados, lamentou. Sua organização atua intensamente no nordeste do Mato Grosso, junto ao Parque Indígena do Xingu, criado há 50 anos e onde vivem mais de seis mil indígenas de 16 etnias, cercados pela pecuária e por monoculturas que avançam devastando e também por PCH que, instaladas rio acima, ameaçam a pesca, sua principal fonte de proteínas.

No oeste do Estado, o povo indígena enawené nawé reagiu violentamente a uma PCH em outubro de 2008, cerca de 120 membros do grupo atacaram as obras, incendiaram caminhões e destruíram instalações e equipamentos do projeto, acusado de provocar forte redução nos peixes do Rio Juruena. Nessa época havia, segundo o Instituto Socioambiental, 77 projetos hidrelétricos em construção, autorizados ou em estudo no Juruena, que fica perto do Jauru, embora faça parte de outra bacia, a amazônica.

Só o consórcio encabeçado por Blairo Maggi, ex-governador do Mato Grosso, havia obtido em 2002 autorização para construir oito PCH, uma das quais foi atacada pelos enawené nawé. O Mato Grosso é um divisor de águas, onde nascem rios que correm para o sul, confluindo no Rio Paraguai, que cruza o país vizinho do Brasil e o Pantanal como parte da Bacia do Prata. E também outros numerosos cursos fluviais que se dirigem para o norte, formando quatro bacias importantes, três delas afluentes do Rio Amazonas.

Isto se deve às montanhas e mesetas que sobressaem em quase toda a parte central para o norte amazônico, com muita chuva na metade do ano. Rios pequenos em áreas acidentadas favorecem as PCH. Além disso, é um negócio muito lucrativo, favorecido por estímulos do governo, como contratos para “venda assegurada e a bom preço de pelo menos 70%” da energia gerada, além de generosos financiamentos a juros muito inferiores aos de mercado, disse Gonçalves Júnior.

Os investimentos em complexos hidrelétricos no Brasil recuperam seus capitais iniciais em 3,5 anos, e no máximo em oito anos, no caso dos gigantes, e suas concessões são de 35 anos, incluindo os cinco de construção, acrescentou o professor de engenharia. A geração hidrelétrica, que responde por dois terços da capacidade instalada no país, é reconhecida como a mais barata, mas o preço desse energia para os consumidores locais está entre os mais altos do mundo.

Os empresários industriais atribuem o fato à elevada carga tributária, de 45%, mas Gonçalves Júnior destaca que o setor proporciona lucro excepcional, apesar de mostrar “ineficiências” do sistema, em boa parte provocadas para beneficiar grupos econômicos, interesses políticos ou empresariais. O setor elétrico no Brasil – como o mineral, os negócios da agropecuária e o etanol à base de cana – é de “alta produtividade” e tão lucrativo que desperta a disputa internacional, principalmente nestes tempos de recessão no mundo industrializado, acrescentou o engenheiro. Por isso a tendência é continuar o “boom” das PCH e de grandes centrais, apesar da resistência de ambientalistas e indígenas.

Em alguns casos, a rejeição inclui muitos outros setores sociais. A Assembleia Legislativa do Mato Grosso criou uma comissão investigativa que recomendou suspender a licença de construções de quatro PCH no Rio Prata diante de manifestações da população de Juscimeira. Esta cidade, com 11.500 habitantes, no sul do Estado, não quer perder uma cascata que se constitui em grande atração turística e dinamiza o comércio local, como ocorreu com outras três CH já construídas em diferentes rios do município. Uma delas prejudicou outro ponto turístico, o de Sete Quedas, e a represa de uma terceira cobre cinco vezes a área permitida.

Para pescar no Rio Lourenço agora “temos de viajar 150 quilômetros” porque os peixes desapareceram das represas, queixam-se Manoel Atanazio Brasileiro, pintor de paredes, e o comerciante Adair Facco, amigos e praticantes da pesca, que vivem na vizinha cidade de Jaciara. Antes, eles pescavam regularmente a 30 quilômetros, onde chegaram a construir instalações próprias “para não pagar aluguel”. Um destino pior teve Aripuanã, município do noroeste do Mato Grosso, onde uma hidrelétrica de 250 megawtts sepultou o salto de Dardanelos, um dos conjuntos de cascatas de “beleza única”, segundo Gonçalves Júnior. “A hidrelétrica é contrária à beleza”, afirmou.

“A política energética é dominante” no Brasil e particularmente no Mato Grosso, superando outros usos da água, incluindo a irrigação, incipiente em um Estado de grande produção agrícola e longa estiagem, e o transporte fluvial, lamentou Luiz Henrique Noquelli, superintendente de Recursos Hídricos da Secretaria de Meio Ambiente do Estado. Envolverde/IPS