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Quando a escola alimenta e ensina a comer

Coordenadora do Programa Nacional de Alimentação Escolar do Brasil, Albaneide Peixinho. Foto: Divulgação do Fundo Nacional de Desenvolvimento para a Educação

Rio de Janeiro, Brasil, 20/3/2012 – Alimentar na escola 45 milhões de estudantes que disso necessitam é um êxito notável no Brasil. Mas a iniciativa enfrenta dificuldades específicas e outras próprias de qualquer plano nacional neste extenso país com mais de 192 milhões de pessoas. O Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) evoluiu do mero assistencialismo com que nasceu há 58 anos para uma estratégia de desenvolvimento multipropósito, com metas educativas e de animação das economias locais. A IPS conversou com sua coordenadora, Albaneide Peixinho, sobre seus êxitos e problemas.

IPS: O PNAE existe desde 1955. Em que avançou desde então?

ALBANEIDE PEIXINHO: Hoje se baseia em vários princípios, como o direito humano a uma alimentação adequada para garantir a segurança alimentar e nutricional, mediante a universalidade e a gratuidade da atenção para todos os estudantes da rede pública de educação básica. E, também, na equidade, que compreende o direito constitucional à alimentação escolar, como forma de assegurar o acesso igualitário aos alimentos. O PNAE faz parte da estratégia Fome Zero do governo federal, que engloba 30 programas destinados a combater as causas do problema e contribuir para erradicar a indigência. A visão social do governo foi determinante para a queda drástica da pobreza neste país e se refletiu no PNAE, que desde 2003 obteve aumento de recursos de 300% e ampliou a atenção a alunos do ensino médio. Ao mesmo tempo, pela obrigatoriedade de compra de produtos da agricultura familiar local, tem um papel importante na redução da desigualdade social.

IPS: Quais seus êxitos?

AP: O programa nasceu como uma mera assistência aos alunos. Hoje chega a 45 milhões de estudantes do ensino básico durante os 200 dias letivos. Ao longo destes anos foi acumulando experiências em um âmbito cada vez mais amplo, promovendo a melhoria dos indicadores educativos, do desenvolvimento econômico e social e da participação social na saúde, mediante o ensino de bons hábitos alimentares. Na Constituição de 1988 está garantido o direito a todos os matriculados na escola primária. A partir de 1994, o programa antes centralizado, com um órgão diretor que elaborava os cardápios, adquiria os alimentos e os distribuía em todo o país, passou a ser gerido localmente, por meio de convênios. Desde 1998, melhorou mais, como com a exigência de respeito aos hábitos alimentares e a vocação agrícola de cada lugar, a formação de conselhos de alimentação escolar como órgãos fiscalizadores, com representantes de paíis, alunos, professores, comunidade e dos poderes Executivo e Legislativo. Um dos marcos principais foi a lei 11.947 de 2009, que impôs a exigência de que pelo menos 30% dos recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação se destinem à compra de alimentos da agricultura familiar, além de atender a todos os alunos do ensino primário, incluindo jovens e adultos.

IPS: Quais os problemas do programa?

AP: Há dificuldades próprias e outras inerentes a qualquer programa de alcance nacional: a extensão territorial do país, as diferentes vocações agrícolas das regiões, a baixa capacidade produtiva da agricultura familiar para suprir a demanda. Também os diferentes costumes locais, as necessidades de nutrição diversas dos alunos, a falta de infraestrutura para armazenar, transportar e preparar as refeições e de espaços para os refeitórios, bem como problemas para desenvolver um ensino alimentar e nutricional permanente e intrínseco ao processo educacional. Também existe “competição” entre as refeições oferecidas pela escola e as das cantinas ou bares com doces, refrigerantes, alimentos salgados e fritos, os “favoritos” de crianças e adolescentes. Uma resolução de 2009 restringe a quantidade de gordura, açúcar e sal dos alimentos do PNAE.

IPS: Quais são os desafios que pretendem abordar?

AP: Realizar um diagnóstico bem feito das necessidades nutricionais dos estudantes e compatibilizá-las com uma alimentação adequada e que eles aceitem, com a cultura agrícola e de dietas de cada lugar. Outro desafio é contar com profissionais bem formados nesta área.

IPS: É possível chegar a todas as escolas de ensino primário, federais, estaduais e municipais?

AP: O programa atende todas as escolas que tenham constituído seu próprio Conselho de Alimentação Escolar e contratado um nutricionista. Em 2012, foram 161.670 escolas, 83% do total.

IPS: O que acontece com a elaboração dos cardápios?

AP: Devem ser feitos respeitando a faixa de idade, a modalidade de ensino e o horário em que o estudante permanece na escola. Quando são oferecidas duas ou mais refeições, deve-se atender no mínimo 30% das necessidades nutricionais diárias. Nas escolas de tempo integral, este mínimo sobe para 70%.

IPS: Esta comprovado que fazer uma refeição na escola melhora o desempenho escolar?

AP: Existem diversas evidências do papel da alimentação no desenvolvimento neurológico, cognitivo e intelectual durante a infância. As proteínas, o cálcio, o ferro, o iodo, o zinco, as vitaminas e os óleos de pescado cumprem funções essenciais, como demonstram diversos estudos. O ambiente escolar é muito propício para formar hábitos. Estes vão se formando desde o nascimento, por meio dos costumes familiares e dos induzidos pela sociedade (escola, círculos sociais e meios de comunicação) até a vida adulta, quando junto com os aspectos simbólicos pautam o consumo individual e da sociedade. O PNAE incentiva o consumo de frutas, verduras e legumes, e prevê o controle sanitário dos alimentos, preceitos que conduzem a uma oferta adequada e a uma alimentação saudável. Quanto mais cedo se adquire estes hábitos, maior é a probabilidade de se perpetuarem na vida adulta. Envolverde/IPS