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Repressão à caça ilegal semeia terror na Tanzânia

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Dar es Salaam, Tanzânia, 8/1/2014 – Nyenge Ali, morador do distrito de Ulanga, norte da Tanzânia, acordou quando policiais cercaram sua casa. O acusaram de caça ilegal e, na presença de seu filho de 11 anos, o obrigaram a ficar nu, jogaram água salgada sobre seu corpo e o açoitaram com um bastão, segundo sua denúncia. “Não tive outra saída a não ser cumprir as ordens”, contou à IPS, de Ulanga. “Sofri lesões graves. Mal podia me sentar. Implorei por piedade, mas continuaram me batendo”, acrescentou.

Este agricultor de 38 anos, da aldeia de Iputi, que acusou publicamente de agressão as forças de segurança, afirma que o suplício foi uma tortura física e emocional severa. Em certo momento, garante que seus captores o obrigaram a fazer a imagem de uma cobra píton na coxa com uma lâmina de barbear.

A história de Ali é uma de muitas que saíram à luz durante uma investigação feita pelo parlamento tanzaniano sobre os excessos de uma campanha contra a caça ilegal, destinada a reduzir o comércio ilegal de marfim. A investigação revelou que 13 pessoas foram assassinadas e milhares de cabeças de gado – sustento de muitos neste país do sudeste da África, com 45 milhões de habitantes – foram mutiladas ou mortas.

Em outubro de 2013, o presidente Jakaya Kikwete ordenou o reforço de mais de 2.300 efetivos da Força de Defesa Popular, policiais, guardas florestais e unidades especiais para a luta contra a caça ilegal, em uma campanha que chamou de Operação Tokomeza. A caça de elefantes e rinocerontes é proibida na Tanzânia, mas aumentou nos últimos anos.

No entanto, no mês seguinte, Kikwete foi forçado a acabar com a operação, pressionado pelas fortes críticas à repressão que foi desatada. “A operação contra a caça ilegal tinha boas intenções, mas os assassinatos denunciados, as violações e a brutalidade são totalmente inaceitáveis”, afirmou o primeiro-ministro, Mizengo Pinda, em dezembro no parlamento.

Pinda disse que a caça ilegal atingiu dimensões alarmantes nos parques nacionais do país, especialmente na Reserva de Caça Selous, cuja população de elefantes caiu de 55 mil para 13 mil animais. O governo calcula que, durante novembro e dezembro, os caçadores mataram 60 elefantes, enquanto em outubro, quando a operação estava vigente, foram mortos apenas dois.

Neema Moses, também moradora em Ulanga, contou, a uma comissão parlamentar criada para investigar os abusos contra os direitos humanos, que os efetivos tiraram suas roupas, inseriram uma garrafa em sua vagina e a obrigaram a manter relações sexuais com familiares de seu marido.

O presidente da comissão, James Lembeli, disse durante a apresentação do informe sobre os abusos que sua equipe apurou que, sem dúvida alguma, as forças de segurança semearam o terror e cometeram atrocidades “indescritíveis” contra civis inocentes. “Algumas mulheres afirmaram que foram violadas e sodomizadas. Na localidade de Matongo, no distrito de Bariadi, por exemplo, uma mulher denunciou que três soldados a violentaram com o revólver apontado para ela”, detalhou.

Lembeli garantiu que entre as vítimas havia dirigentes de governos locais, que foram humilhados em interrogatórios improvisados diante de seus eleitores. Citou o caso de Peter Samwel, conselheiro em Sakasaka, distrito de Meatu, que teve braços e pernas amarrados com uma corda e foi deixado pendurado de cabeça para baixo durante horas, segundo a investigação. As ações obrigaram algumas pessoas a abandonarem suas casas por medo de serem feridas, ressaltou.

Segundo várias testemunhas, os acusados de serem caçadores ilegais perderam milhares de animais e outros bens, incluindo dinheiro, quando os agentes os capturaram ou simplesmente os roubaram. Na aldeia de Minziro, em Kagera, região próxima ao Lago Victoria, os moradores recordam que em 13 de outubro um grupo de soldados invadiu a localidade, bateu nas pessoas e incendiou casas de quem suspeitavam ser imigrantes sem documentos em dia.

Abraham Kafanobo, vice-presidente da aldeia, contou à IPS que a maioria dos habitantes fugiu após o incidente e temia regressar, mesmo depois do fim da campanha contra a caça ilegal. O escândalo provocou a destituição dos ministros de Turismo, de Defesa, de Desenvolvimento da Pecuária e do Interior. O então ministro do Turismo, Khamis Kagesheki, disse em outubro que os caçadores ilegais envolvidos no tráfico de marfim deveriam morrer “na hora”.

Issa Shivji, advogado e ativista pelos direitos humanos, criticou a participação militar em uma campanha civil e acrescentou que a forma como foi realizada significou “uma grande vergonha” para a Tanzânia. Também pediu uma rápida investigação dos supostos abusos e disse que devem ser apresentadas acusações penais contra o pessoal de segurança que participou da operação, independente de sua patente.

“Não é apenas vergonha, mas uma grande tragédia que exige que perguntemos para onde vamos como nação. Por qual motivo os órgãos de segurança, que têm a obrigação de proteger a vida, a dignidade e o respeito da população, atuaram de maneira tão irresponsável?”, questionou Shivji. Envolverde/IPS