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Armas nucleares queimam as mãos da diplomacia

Cidade do México, México, 17/2/2012 – A América Latina e o Caribe buscam formas de fortalecer a supervisão do uso de materiais nucleares na região e de contribuir globalmente para a criação de mais zonas livres de armas atômicas, quando o tratado que as proscreveu na região completa 45 anos. “O desarmamento continua sendo nossa prioridade.

É interesse legítimo de países que não possuem armas nucleares receber uma garantia vinculante de que as nações que as possuem não as usem contra eles ou que recebam uma ameaça”, disse à IPS a subsecretária de Assuntos Políticos do Ministério das Relações Exteriores do Brasil, Vera Machado.

Vera fez parte das delegações de mais de 33 países que comemoraram, na capital do México, o 45º aniversário do Tratado para a Proscrição das Armas Nucleares na América Latina e no Caribe, que proíbe na região o projeto, o desenvolvimento e o intercâmbio de material atômico para fins militares. Por ocasião do aniversário, celebrado nos dias 14 e 15 com uma cerimônia comemorativa e um seminário internacional, também estiveram presentes representantes de organismos internacionais e organizações não governamentais de várias regiões do mundo.

Graças ao chamado Tratado de Tlatelolco foi constituída a Zona Livre de Armas Nucleares (ZLAN) desde 1967, a primeira das cinco que atualmente incluem 114 Estados no mundo em outras áreas geográficas, com África, Ásia central, sudeste asiático e Ásia-Pacífico. O México impulsionou o Tratado e, na sede em Tlatelolco do Ministério das Relações Exteriores, no dia 14 de fevereiro daquele ano começou o processo de assinaturas, que colocou a região como pioneira no desarmamento nuclear e se completou em maio de 1969.

México, Brasil e Argentina utilizam componentes nucleares para fins pacíficos, como a geração de eletricidade. No caso das duas nações sul-americanas, em 1991 foi criada a Agência Brasileiro-Argentina de Contabilidade e Controle de Materiais Nucleares, para monitorar o intercâmbio e o consumo dessas fontes, considerada modelo nessa área.

Entre os temas principais do seminário esteve a necessidade da difusão maciça do acordo, a eliminação das reservas legais que vários Estados-parte mantêm, a passagem de submarinos nucleares e lixo radioativo pela região e avanços para o desarmamento local. “Falta toda uma arquitetura reguladora que cumpra com o Tratado de Tlatelolco.
É importante que terceiros países sustem a entrada de tecnologia e de armas nucleares” na região, declarou à IPS a presidente da não governamental Fundação Não Proliferação para a Segurança Global da Argentina, Irma Argüello.

Dois temas que causam interesse na América Latina são o programa nuclear do Irã, censurado por um grupo de países liderado pelos Estados Unidos, e a denúncia argentina do envio pela Grã-Bretanha de submarinos nucleares às Ilhas Malvinas, no Atlântico sul. Por isto, a ZLAN latino-americana quer servir de modelo para um esquema semelhante no Oriente Médio.

Essas zonas “criam uma nova realidade dentro da qual vivem as pessoas, onde são desenvolvidas novas formas de pensar e geradas novas possibilidades, que se contrapõem ao sentimento de impotência, inevitabilidade e aceitação submissa” do mundo nuclear, afirmou à IPS o japonês Kimiaki Kawai, diretor do Programa de Assuntos de Paz da associação budista e pacifista Soka Gakkai Internacional. Por isso, as ZLAN possuem “um enorme potencial de poder moderado”, acrescentou.

Com sede em Tóquio, a Soka Gakkai faz parte de uma campanha em marcha para que uma cúpula de líderes mundiais se pronuncie pela supressão total da bomba atômica. Seu desejo é que essa reunião global aconteça em 2015 em Hiroshima e Nagasaki, por ocasião dos 70 anos da explosão das bombas nucleares que arrasaram estas duas cidades japonesas.

A zona livre latino-americana “é um bom exemplo para o Oriente Médio, onde a ideia é mais um conceito do que um sonho, como foi para a América Latina nos anos 1960”, disse à IPS o húngaro Tibor Toth, secretário-executivo da Comissão Preparatória da Organização do Tratado de Proibição Completa dos Testes Nucleares (CTBT). “Nos últimos anos houve vários desenvolvimentos, mas devemos perguntar se são suficientes. Temos que ir além da ‘real politik’ da não proliferação e do desarmamento”, ressaltou. Aberto a assinaturas dos Estados que aderiram desde 1996, ao CTBT faltam apenas mais oito para entrar em vigor.

A ideia de uma zona sem ogivas atômicas no Oriente Médio surgiu em novembro, durante uma reunião da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), parte do sistema das Nações Unidas. No mundo há pelo menos 22 mil ogivas nucleares em países como China, Estados Unidos, França, Grã-Bretanha, Índia, Israel, Paquistão e Rússia.

A partir do Tratado de Tlatelolco, América Latina e Caribe querem se preparar para a conferência de Avaliação do Tratado sobre Não Proliferação das Armas Nucleares (TNP), vigente desde 1970, embora predomine a ideia de que os mecanismos internacionais vinculados com o desarmamento nuclear estejam paralisados. “É importante que ocorram negociações em uma atmosfera construtiva. É necessário afastar os argumentos repetidos para não poder criar uma zona livre de armas nucleares no Oriente Médio”, defendeu Vera Machado.

Israel, Índia e Paquistão não assinaram o TNP, enquanto o primeiro, Egito e Irã não ratificaram o CTBT. “Temas como transparência, monitoramento e ratificação são importantes para a operação dessas zonas”, explicou Toth. Para Kawai, é necessário expandir a circunscrição global antinuclear, fortalecer esse movimento e oferecer uma visão de esperança no futuro. “Esperamos que as experiências das ZLAN sejam compartilhadas entre governos e cidadãos, especialmente em regiões como o nordeste da Ásia e Oriente Médio”, concluiu.

Outro assunto de interesse é a assinatura de acordos bilaterais entre os Estados-parte da ZLAN e a AIEA para supervisão do uso de material nuclear. Até agora, pelo menos 11 países o fizeram. Envolverde/IPS