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Biodiversidade ameaçada por projeto para redirecionar o Danúbio

O Danúbio, tal como flui naturalmente pela Sérvia. Foto: Vesna Peric Zimonjic/IPS

 

Belgrado, Sérvia, 4/7/2012 – A biodiversidade está cada vez mais ameaçada em torno do Rio Danúbio, “o Amazonas da Europa”. O espírito lucrativo está passando por cima da necessidade de proteger os recursos naturais da região. Áustria e Croácia participam de um importante projeto para “corrigir” o serpenteante curso do Danúbio, para facilitar a passagem dos navios comerciais que seguem rumo ao Mar Negro.

“As ameaças à natureza são sérias”, disse à IPS a presidente do Fundo Mundial para a Natureza (WWF) na Sérvia, Duska Dimovic. “A biodiversidade é transfronteiriça; as aves e os peixes circulam livremente entre Sérvia e Croácia. Obras importantes em um dos países influirão imediatamente nos vizinhos ao longo do rio”, explicou.

Um cinturão verde de 800 mil hectares acompanha as margens do Danúbio e de seus afluentes, o Drava e o Mura, na Áustria, Croácia, Eslováquia, Hungria e Sérvia. Trata-se de uma reserva natural única de biodiversidade típica de terras inundáveis e pântanos, que abriga um terço das espécies de plantas da região, metade das de peixes e mamíferos e 63% das de aves.

Na região prosperam colônias de raras águias de cauda branca, pequenas andorinhas do mar, cegonhas pretas, castores e lontras. O esturjão barba de franja está à beira da extinção, mas sobrevive. E também podem ser avistados cervos vermelhos aproximando-se da margem. Milhares de famílias dependem do Danúbio para a pesca e a agricultura, atividades vinculadas às cheias e vazantes do rio.

As considerações comerciais ameaçam tudo isso. O Danúbio, com quase três mil quilômetros de comprimento, conecta o continente europeu de leste a oeste. As dez nações que se estendem ao longo de suas margens (Alemanha, Áustria, Eslováquia, Hungria, Croácia, Sérvia, Romênia, Bulgária, Moldova e Ucrânia) utilizam o rio para transporte barato de mercadorias. Direta ou indiretamente, o Danúbio serve a mais de 40 países europeus para transportar anualmente milhões de toneladas de mercadorias do oeste do continente até o Mar Negro. O rio está vinculado ao canal Reno-Meno-Danúbio, que começa no delta do Reno, na cidade holandesa de Roterdã.

“É compreensível o interesse de importantes países europeus na navegação comercial”, observou o economista Nebojsa Savic. “O transporte de caminhões em enormes barcaças é 14 vezes mais barato do que se for feito por estrada, e cinco vezes menor com relação ao trem”, detalhou. Uma barcaça pode transportar até cem caminhões. O transporte comercial no Danúbio aumentou 27% nos últimos dois anos, segundo o Escritório de Estatísticas da Sérvia.

O Danúbio atravessa a Sérvia em um trajeto de 600 quilômetros. Ingressa no norte, vindo da Hungria, forma a fronteira natural com a Croácia e depois se interna na Romênia. As grandes obras para corrigir seu curso incluem a construção de um quebra-mar (barreiras em forma de “T”), que o impedem de serpentear, além da adaptação das margens, bem como a criação de ilhas de areia natural no meio.

No entanto, essas obras também podem mudar completamente o ecossistema da área. Aves, peixes e outros animais perdem seu habitat e vão embora, ou mesmo morrem, alertam os ambientalistas. A Áustria construiu várias dezenas de quebra-mares ao longo de 49 quilômetros do rio, a leste de Viena, ao custo de US$ 274 milhões. As pressões dos ambientalistas húngaros impediram a concretização de um projeto semelhante nesse país.

Segundo planos internacionais, para a regulação do Danúbio, a Croácia poderia construir 53 quebra-mares ao longo de seus 53 quilômetros de rio. O novo governo, que assumiu no começo deste ano, ainda tem que tomar uma posição sobre esta proposta, que enfrenta forte oposição dos ecologistas. “Isso significaria a morte certa do Kopa?ki Rit, por exemplo”, alertou Arno Mohl, especialista em conservação do WWF, que visitou a região na semana passada.

Kopa?ki Rit, que fica na confluência dos rios Drava e Danúbio, na Croácia, é um habitat natural para mais de 260 espécies de aves. Entre elas a grande garça branca e o pássaro carpinteiro verde europeu. Também prosperam ali muitas espécies de peixes e insetos. “Esperamos que Croácia e Sérvia não cometam o erro que meu país cometeu nas décadas de 1970 e 1980, com a correção do fluxo do Danúbio”, afirmou Mohl, natural da Áustria, país que há décadas iniciou o projeto para endireitar o curso do rio.

Na Sérvia não está claro o que ocorrerá no futuro próximo. No dia 6 de maio, ocorreram eleições gerais, mas o país ainda não tem um governo, e é possível que não o forme num prazo superior a um mês. Envolverde/IPS