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Cientistas reclamam seu lugar na luta pela segurança alimentar

Rio de Janeiro, Brasil, 29/3/2012 – O aumento dos períodos de estiagem e da temperatura provocaram perdas globais de US$ 11,4 bilhões em 2011, enquanto 12 milhões de hectares aptos para o cultivo são degradados a cada ano e práticas agropecuárias insustentáveis contribuem para a emissão de gases-estufa. Da leitura destes dados contidos no informe, divulgado ontem em Londres por cientistas de 13 países, surge a pergunta de como reverter esta faceta dramática da crise ambiental, garantir à população o acesso aos alimentos de qualidade e mitigar os efeitos globais da mudança climática.

As estimativas gerais indicam que a população mundial chegará em 2050 a nove bilhões de pessoas, por isso manter uma alimentação adequada coloca em dura prova a gestão dos países, especialmente dos principais produtores. Atualmente, são desperdiçadas no mundo aproximadamente 1,3 bilhão de toneladas de alimentos por ano, equivalentes a um terço do produzido para o consumo humano, afirma o estudo.

O desafio nas próximas décadas é coordenar os avanços científicos em favor da segurança alimentar, disse à IPS o especialista em clima Carlos Nobre, secretário de Políticas e Programas de Pesquisa e Desenvolvimento do Ministério da Ciência e Tecnologia. “A ciência é o grande foco de luz, é fundamental. A agricultura teve tornar-se mais resiliente e o desenvolvimento científico deve estar a favor da sustentabilidade social e da segurança alimentar”, defendeu.

Nobre integra a Comissão sobre Agricultura Sustentável e Mudança Climática, formada por cientistas de 13 países, que recomendou estratégias para alcançar a segurança alimentar em um documento divulgado ontem na Conferência Planeta Sob Pressão 2012. Esse fórum, iniciado no dia 26, em Londres, analisa posturas a serem levadas à Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+20), em junho, no Rio de Janeiro.

O informe do grupo independente de cientistas propõe políticas específicas para o desafio global de alimentar o mundo na medida em que a população cresce, ao mesmo tempo em que aumentam a devastação dos ecossistemas e a pobreza. Após duas décadas da primeira Cúpula da Terra, os especialistas exortam os governos a assumirem compromissos financeiros para pesquisa, implantação e acompanhamento da produção agrícola e alimentar.

O maior crescimento populacional do mundo se verificará neste século nos países menos adiantados, indica o informe da Comissão. A África, por exemplo duplicará sua população atual nesse período, até chegar aos dois bilhões em 2050, estimam os cientistas. As projeções, nesse contexto, destacam que a demanda mundial de cereais será 70% acima da atual em 2050, e muito mais nos países pobres.

“Nosso objetivo é integrar a segurança alimentar e a agricultura sustentável às políticas nacionais e globais. Caso se consiga isto, será uma mudança de paradigma”, destacou Nobre, para quem a ciência pode estar a serviço do desenvolvimento de uma agricultura mais resiliente às variações do clima. “Já vivemos ondas de calor devido ao aquecimento global. No futuro teremos estas variações climáticas ainda mais prolongadas, e são fatores que promovem grandes perdas nas colheitas. Por isso, é necessário adaptar a agricultura para que sobreviva a essas mudanças, que têm períodos mais longos de estiagem”, explicou Nobre.

A Comissão sobre Agricultura Sustentável e Mudança Climática faz recomendações concretas para garantir a segurança alimentar global. Além de integrar uma agricultura sustentável às políticas nacionais, será necessário elevar significativamente os níveis de investimentos globais na produção de alimentos na próxima década. Um dos desafios é intensificar a produção agrícola sem que sejam emitidos mais gases-estufa e sem causar mais danos ambientais, afirmam os cientistas.

“Isso é o que temos que fazer no Brasil, por exemplo, sem expandir a fronteira agrícola em detrimento da selva”, afirmou Nobre. Para ele, o Brasil é o país que tem o maior estoque no mundo de terras aptas para a agricultura. Atualmente mais de dois milhões de quilômetros quadrados são destinados à produção agropecuária. “O Brasil pode ser um dos líderes nesta nova prioridade para a agricultura sustentável”, opinou, explicando que devem ser maximizados fatores como a segurança alimentar com alto valor nutricional, já que os produtos de baixa qualidade causam problemas de saúde.

A Comissão afirma em seu trabalho que a quantidade de pessoas que sofrem fome crônica no mundo foi de um bilhão em 2010, ano em que outros 925 milhões estavam desnutridos e, em contraposição, 1,5 bilhão de adultos tinham sobrepeso. Uma das medidas recomendadas pela Comissão é também reduzir o impacto sobre o meio ambiente e a biodiversidade, o uso da água e o clima. A agricultura absorve 70% da água limpa e doce procedente de rios e aquíferos e já passa a competir com a demanda industrial e o uso doméstico.

Nobre garante que 1,4 bilhão de pessoas vivem com menos de US$ 1,25 por dia e dois bilhões habitam áreas secas. Também ressaltou que existem 4,9 bilhões de hectares de terras cultiváveis no mundo, dos quais 3,7 bilhões são para produzir cereais e para a pecuária. Envolverde/IPS