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“Diplomacia humanitária” contra as armas nucleares

Oslo, Noruega, 11/3/2013 – Pela primeira vez se recorrerá à “diplomacia humanitária” para promover a proibição das armas atômicas, apesar da autoexclusão dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU), que concentram 19 mil ogivas nucleares com capacidade para destruir o mundo várias vezes. O primeiro passo coube ao governo da Noruega, que organizou uma conferência em Oslo nos dias 4 e 5 deste mês. O México convocará outra no seu “devido tempo” e “após as preparações necessárias”, anunciou Juan José Gómez Camacho, representante mexicano junto às Nações Unidas.

Da conferência de Oslo participaram representantes de 127 Estados, da ONU, do Comitê Internacional da Cruz Vermelha, do Movimento Internacional da Cruz Vermelha e da Meia-Lua Vermelha, e também de organizações da sociedade civil, entre as quais a Campanha Internacional para a Abolição das Armas Nucleares (Ican), por seu papel ativo. A Ican organizou um fórum da sociedade civil, nos dias 2 e 3 deste mês, com apoio do governo da Noruega e do qual participaram cerca de 500 ativistas, cientistas e físicos, entre outros especialistas. O fórum deu uma forte dimensão à campanha mundial para proibir todas as armas nucleares.

Representantes da Ican disseram que trabalhariam com governos e com o Movimento Internacional da Cruz Vermelha e da Meia-lua Vermelha, entre outros, para promover um novo tratado de proibição de armas atômicas. O diretor de projeto da Ican, Magnus Lovold, aplaudiu a Proposta de Paz de 2013 de Daisaku Ikeda, o presidente da organização budista Soka Gakkai International (SGI), com sede em Tóquio. Ikeda propôs que as organizações não governamentais e os governos progressistas criassem um grupo de ação para redigir um rascunho de convenção proibindo as armas nucleares, dizendo que, além de desumanas, consomem US$ 105 bilhões por ano, segundo o gasto atual.

O diretor-executivo da SGI para assuntos de paz, Hirotsugu Terasaki, disse que tanto o fórum da Ican quanto a conferência organizada pelo governo norueguês deram um impulso significativo à mobilização contra as armas nucleares. A organização espera que a cúpula do Grupo dos Oito países mais poderosos em 2015 e também o 70º aniversário do bombardeio atômico sobre Hiroshima e Nagasaki sirvam para promover um grande fórum internacional por um mundo sem esta tecnologia letal.

Numerosos participantes da conferência de Oslo se mostraram consternados pela decisão do P-5 (os membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU: China, Estados Unidos, França, Grã-Bretanha e Rússia) de ficarem à margem do encontro sem explicar os motivos. Porém, muitas pessoas demonstraram interesse em explorar o enfoque humanitário “de forma a garantir uma participação global”, afirmou o chanceler norueguês, Espen Barth Eide, ao resumir o resultado da conferência.

Evitando o sarcasmo pelo boicote do P-5, Eide declarou que “a visão da presidência é que a ampla participação reflete a crescente preocupação global pelos efeitos das detonações das armas nucleares, bem como o reconhecimento de que este é um assunto com um significado fundamental para nós”. Seus comentários são significativos, considerando que a Noruega é membro fundador da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), de 28 membros e encabeçada pelos Estados Unidos.

Esta aliança militar anunciou um “conceito estratégico” em uma reunião realizada em Lisboa em novembro de 2010, que o “compromete com o objetivo de criar condições para um mundo sem armas atômicas, mas confirma que, enquanto existirem, a Otan continuará sendo uma aliança nuclear”. Eide confirmou à IPS que a Noruega tem o compromisso de “criar as condições para um mundo sem armas nucleares”.

A preocupação pela proliferação de armas nucleares gerou consciência sobre os contínuos riscos atuais, mais do que em qualquer outro momento, pois a maioria dos Estados assinou o Tratado de Não Proliferação Nuclear (TPN) em 1968. Desde a conferência de revisão das partes do TPN de 2010 existe um crescente, embora ainda nascente, movimento para proibir estas armas de destruição em massa. O documento final desse encontro diz: “Há uma grande preocupação pelas consequências humanitárias catastróficas de qualquer uso de armas nucleares”. Também reafirma “a necessidade de todos os Estados a todo momento cumprirem a legislação internacional aplicável, incluído o direito humanitário internacional”.

A isso seguiu-se uma resolução de novembro de 2011 do conselho de delegados do Movimento Internacional da Cruz Vermelha e da Meia-Lua Vermelha pedindo a todos os Estados “que persigam de boa fé e concluam com urgência e determinação negociações que proíbam o uso e eliminem completamente as armas nucleares por intermédio de um acordo internacional legalmente vinculante”. Posteriormente, na primeira sessão do comitê preparatório para a conferência de revisão do TPN de 2015, realizada em maio do ano passado, 16 países liderados por Noruega e Suíça divulgaram uma declaração conjunta sobre a dimensão humanitária do desarmamento nuclear.

Nela afirmam que “preocupa muito o fato de, mesmo depois da Guerra Fria, a ameaça da aniquilação nuclear continuar sendo parte do contexto internacional da segurança do século 21. É de extrema importância que estas armas não voltem a ser usadas jamais, sob nenhuma circunstância (…). Todos os Estados devem intensificar seus esforços para proibi-las e conseguir um mundo sem armas nucleares”. Depois, em outubro de 2012, essa declaração, com revisões menores, foi apresentada ao primeiro comitê da Assembleia Geral da ONU por 35 membros e Estados observadores.

Em sintonia com o sentimento geral, o presidente do Movimento Internacional da Cruz Vermelha, Peter Maurer, aplaudiu a iniciativa do governo da Noruega de organizar a conferência sobre o impacto humanitário das armas atômicas. Embora estas tenham sido objeto de debate em termos militares, técnicos e geopolíticos durante décadas, é surpreendente que os Estados nunca tenham se reunido para discutir sobre suas consequências humanitárias, insistiu.

Nenhum país nem organismo internacional teria a capacidade de atender como se deve a uma emergência humanitária imediata causada pela detonação de uma arma nuclear, nem de oferecer assistência suficiente às pessoas afetadas. Seria impossível criar essas capacidades, ainda que se tentasse. Os efeitos da detonação de uma arma nuclear, independente da causa, não ficariam limitados às fronteiras nacionais, afetando Estados e populações de maneira significativa, tanto em escala regional quanto global.

Ira Helfand, da Associação Internacional de Médicos para a Prevenção de uma Guerra Nuclear, explicou que a contaminação radioativa generalizada prejudicaria moradias, alimentos e fornecimentos de água. O custo econômico em danos, perturbação do comércio e da atividade econômica em geral, bem como o impacto no desenvolvimento pela existência de refugiados, seria enorme. Envolverde/IPS

* Jamshed Baruah é correspondente para temas de desarmamento da IDN – InDepth News.