Arquivo

Economia paralela manda em tempo de crise

Lisboa, Portugal, 27/1/2012 – A economia paralela cresce em Portugal em ritmo incontido, devido à contundente alta de impostos e preços exigida pela troika de credores para sanear as finanças públicas. Em maio de 2011, o Fundo Monetário Internacional (FMI), a União Europeia (UE) e o Banco Central Europeu concederam a Portugal empréstimo de US$ 103 bilhões ao câmbio atual com o euro, para seu resgate financeiro. Em troca, impuseram condições draconianas às classes média e mais pobre da população, e passaram a supervisionar a economia deste país, em uma troika encabeçada pelo FMI.

Em atos quase de sobrevivência, os mais afetados fortaleceram ainda mais o auge da economia paralela, que, segundo dados oficiais recentes, em 2010 representava 24,8% do produto interno bruto. E a tendência é aumentar, devido à forte crise econômica que não encontra saída, conclui um estudo da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade do Porto.

Ainda não há dados oficiais de 2011, mas todos os economistas que analisam o tema em declarações e debates coincidem sobre uma alta este ano e outra em 2012. A razão é a crescente deterioração da economia e comentários sobre um novo aumento dos impostos, ainda não desmentidos pelo governo conservador do primeiro-ministro Pedro Passos Coelho.

Um aumento de preços, impostos e contribuição para a seguridade social e do desemprego, além de reduções na assistência social e médica são alguns dos motivos principais para que disparasse a chamada “economia submersa”. Como consequência, fica fora das estatísticas da riqueza produzida em um país um quarto do PIB nominal de Portugal, de US$ 223,7 bilhões, segundo estudo da Universidade do Porto divulgado este mês. Isto significa que um em cada quatro euros em Portugal é trocado fora das contas da riqueza nacional produzida.

Como resultado, a economia submersa gera mais de US$ 52,6 bilhões, metade do empréstimo da troika para o resgate financeiro do país. O estudo afirma que o mercado negro é superior à média da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), que oscila entre 16% e 18%. Em termos de economia paralela dentro da UE, Portugal ocupa o terceiro lugar, atrás de Itália e Grécia.

A explicação para esta situação nos três países está especialmente na coincidente elevação dos impostos indiretos e sobre o consumo, e também do desemprego, diz o estudo. A consequência é uma competição de negócios “distorcida e maior incerteza na estabilização da economia”, acrescenta o estudo.

Em 1970, quando foram feitos os primeiros estudos da economia paralela, o mercado negro assumiu um valor de 9,3% do PIB, assim, houve crescimento de 15,5% em quatro décadas. Um exame detalhado dos números leva à conclusão de que, se a economia paralela fosse tributada pelo fisco, o déficit do PIB português de 2010 teria sido de 2,9%, em lugar dos 9,1%. Foi o quarto maior déficit da zona do euro, após Irlanda, Grécia e Espanha. Mesmo sem considerar o pagamento de impostos, a simples soma da economia paralela ao PIB nacional teria situado o déficit em 6,9%, 2,2 pontos percentuais abaixo do registrado.

Entre outros impactos negativos desta distorção dos números está a avaliação negativa das agências de qualificação financeira Moody’s, Fitch Ratings e Standard and Poor’s, que dão nota à solvência dos emissores de títulos no mercado com base nos dados econômicos oficiais. As três agências qualificaram Portugal com as notas mínimas e explicam que se baseiam na porcentagem sobre o PIB da dívida soberana, que é de 83%.

Uma porcentagem que qualificam de excessiva e que faz preverem que o país não poderá pagar, o que dificulta que Lisboa coloque novas ofertas de títulos de dívida e, quando consegue, é a juros desproporcionais. Contudo, o pequeno e médio empresários parecem imunes diante destes argumentos e arriscam fugir dos impostos, evitando o pagamento do IVA (imposto sobre valor agregado), que nos últimos três anos passou de 18% para 23%.

A pergunta recorrente atual deste setor da economia é: qual negócio oferece margem de lucro de 23%? Poucos ou nenhum, afirmam, e por isto consideram que sua sobrevivência está em evitar o IVA completamente ou faturar legalmente apenas metade do valor real. O mesmo acontece em trabalhos independentes, na pequena construção ou na área de reparos.

Por seu lado, os profissionais autônomos da saúde perguntam aos pacientes na hora de pagarem: “com ou sem recibo?”, e na maioria das vezes o recibo é cancelado com pagamento em dinheiro, para não deixar pegadas. Outro dos efeitos visíveis na prestação de serviços é a elevada quantidade de pessoas que prescindem dos recibos, principalmente na saúde.

Um dentista muito famoso da região do Estoril, cidade próxima a Lisboa, contou à IPS que “as únicas pessoas que pedem recibo são as que têm seguro particular de saúde, que já pagam bem caro”. Há dois ou três anos, para uma consulta com este profissional era preciso marcar com um mês de antecedência. “Atualmente, a espera é de dois ou três dias, porque as pessoas só vão ao dentista quando não aguentam a dor”, contou.

Uma apreciação semelhante é a do mecânico de carros Reginaldo Godoy, ao lamentar à IPS “como os negócios andam ruins”. Afirmou que, “antes, os clientes se preocupavam em manter seus carros em boas condições, fazendo revisões periódicas dos freios ou da direção. Agora, só aparecem quando não tem mais jeito, se sofrem um acidente ou quando o motor para”.

A crise significou também um sério esforço do governo para obter fundos, recorrendo a soluções inovadoras, como vastas operações policiais de controle de veículos. Ao percorrer um pequeno trecho até um supermercado, um motorista costuma encontrar pelo caminho uma grande ação policial, que revisa toda a documentação e o porta-malas em busca de alguma infração fiscal.

Entretanto, em bairros afastados nas principais cidades e aldeias do interior do país, a população se queixa aos meios de comunicação da falta de policiais diante da proliferação de roubos e assaltos. O Ministério do Interior informou este mês, com satisfação, que em 2011 a polícia conseguiu arrecadar US$ 105 milhões em multas de trânsito. Envolverde/IPS