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Esse mar intranquilo que desafia Cuba

Havana, Cuba, 12/4/2012 – Um dos maiores desafios de Cuba na hora de definir políticas de adaptação à mudança climática é preservar seus ecossistemas costeiros, diante do previsto aumento do nível do mar e fenômenos hidrometeorológicos mais intensos. Com mais de 5.500 quilômetros de costa e quatro mil ilhas à flor da água e ilhotas, nesta nação insular do Caribe é difícil encontrar alguém que não sinta sua vida presa ao mar, de um modo ou de outro.

“É lindo, mas tem seus perigos”, disse Teresa Marcial, de 78 anos, moradora na localidade costeira de Santa Fé, na periferia norte de Havana. Ela vive há décadas com a água marinha quase lambendo o quintal de sua casa. Em 2005, uma inundação causada pelo furacão Wilma deixou sua família, e outras da área, virtualmente na rua. “Enormes ondas varreram tudo. Foi de surpresa. A água levou um armário pesadíssimo que desapareceu”, contou à IPS.

Seu filho, Martín Pérez Marcial, contou que já decidiram vender essa casa e mudar para um lugar menos perigoso. “Imagine, com essa coisa de os próximos furacões poderem ser mais intensos devido à mudança climática, ninguém quer viver por aqui”, disse um vizinho da família. A poucas ruas dali, alguns pedreiros trabalham na construção de uma casa que se eleva a mais de dois metros do chão, aproveitando parte de uma residência antiga e de fortes colunas. “Em caso de inundação a água vai circular por baixo da edificação”, disse o chefe da obra, José Luis Martínez.

A parte de trás do imóvel, que é construído por “esforço próprio” – como se chama em Cuba o empreendimento privado nesta matéria –, está cercada por um muro de concreto maciço com pedra dura. “Assim se economiza cimento. Não leva aço, que oxida com o tempo”, explicou Martínez. Este pedreiro mostrou que em sua parte inferior os muros de contenção possuem uns “aliviadores” para a drenagem, que deixam que a água retorne. Os cantos dos muros se assemelham à proa de um barco “para romper as ondas”. Várias casas da área têm barreiras semelhantes. “Para isso é preciso ter muito recurso”, alertou Pérez Marcial.

Santa Fé está em risco permanente de inundação por causa dos furacões. Estudos oficiais situam esta localidade entre as áreas costeiras da capital que enfrentam o impacto direto destes fenômenos extremos e, embora em menor magnitude ou de “modo parcial”, também poderia ser afetada pela elevação das águas marinhas.

Carlos Rodríguez Otero, pesquisador em ordenamento territorial e meio ambiente do governamental Instituto de Planejamento Físico (IPF), situa em 577 os assentamentos humanos que podem sofrer o embate combinado de aumento do nível do mar, superelevação pelas ondas e surgência associada aos furacões. Surgência é um fenômeno oceanográfico que consiste na elevação vertical de massas de água do leito marinho para a superfície.

Em entrevista à IPS, Otero disse que até 2050 poderá ficar submersa uma área de 2.550 quilômetros quadrados da costa cubana, segundo um estudo conjunto de várias instituições científicas locais, o IPF entre elas, encabeçadas pelo Ministério de Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente. Em 2100, “essa superfície aumentaria para 5.600 quilômetros quadrados, segundo o cenário de elevação do nível do mar para nosso litoral”, alertou o especialista.

Dos 577 assentamentos identificados como vulneráveis, 262 possuem áreas situadas a menos de um metro acima do nível do mar, no primeiro quilômetro de terra adentro desde a linha da costa. “São os que estamos conceituando como assentamentos costeiros por sua sensibilidade”, explicou Otero. A sensibilidade define o grau em que um sistema natural ou humano se perturba pelas alterações climáticas.

Por sua vez, desses 262, 122 podem ser afetados de diferentes formas apenas pela elevação do nível do mar, com perda permanente de superfície, edificações, redes e serviços. “Com esses assentamentos é preciso adotar desde já medidas de regulação e adaptação concretas”, afirmou.

Independente das medidas que forem adotadas, se dá como certo que 15 assentamentos humanos estariam destinados a desaparecer em 2050 e outros sete em 2100. Estes deverão ser realocados, ou protegidos segundo suas características e interesses, embora, em geral, se trate de lugares de escassa população residente, pois são basicamente praias de recreação, nas zonas mais baixas da costa.

Otero insistiu que também devem ser previstas ações de adaptação para as áreas impactadas pela combinação da elevação do nível do mar e a sobrelevação que pelas ondas e pela surgência ocorrem nas áreas costeiras. Neste caso, a adaptação deve se voltar para a redução da vulnerabilidade dos imóveis, criar planos de proteção, recuperar e implantar sistemas de drenagens, e realizar obras imprescindíveis para preservar a população, entre outras medidas.

“Além disso, todo novo investimento, todo plano em áreas costeiras de nosso país deve considerar obrigatoriamente estas projeções. Há 20 anos não tínhamos, como agora, o conhecimento sobre estes temas. Não podemos reproduzir as vulnerabilidades, mas reduzi-las e aprender a viver com o risco”, acrescentou Otero. Para este profissional, adaptar-se em termos de urbanismo significa aplicar soluções de reacomodação na mesma localidade, a localização de instalações leves em espaços públicos em áreas de maior vulnerabilidade, em assentamentos e cidades já existentes e a redução da densidade de construção e de habitantes.

É preciso ter em conta o traslado de parte das edificações para zonas mais altas, elevar as construções no próprio lugar e conseguir que os novos projetos incluam desde sua concepção o uso de materiais mais resistentes e tetos mais seguros, que possam enfrentar a ação conjugada de chuvas, ventos e surgências.

“Também há soluções de engenharia como diques de contenção, embora estas obras sejam mais caras”, sugeriu Rodríguez, recordando que em todo o Caribe insular é preciso se preparar para o aumento das temperaturas, secas recorrentes e déficit de água, entre outros grandes desafios derivados da mudança climática. “Em Cuba, os maiores riscos se concentram nas zonas costeiras e na porção oriental do país”, ressaltou.

Em sua opinião, Cuba pode oferecer à região caribenha sua cooperação em todas estas áreas. “Ter os recursos humanos preparados, o conhecimento, uma sociedade organizada e vontade política, facilita a abordagem dos problemas e a identificação de soluções possíveis de se desejar, mesmo com nossas limitações econômicas”, ressaltou Rodríguez. Envolverde/IPS