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Julgamento penal da Chevron divide águas turvas

Rio de Janeiro, Brasil, 23/3/2012 – As opiniões se contrapõem no Brasil em torno do processo penal contra a firma norte-americana Chevron pelo vazamento de petróleo em alto mar. Enquanto alguns consideram que é uma reação nacionalista exagerada, outros entendem que é uma punição exemplar e necessária. O Ministério Público Federal iniciou os autos esta semana no julgamento em que a Chevron é acusada de danos ao patrimônio público e por falsidade ideológica pelo vazamento de 2.400 barris de petróleo em novembro, e de outro menor este mês, na plataforma localizada no Oceano Atlântico, a 370 quilômetros da costa do Rio de Janeiro.

A empresa assegura que o segundo vazamento do poço situado a 1.200 metros de profundidade e parte do Campo do Frade, na Bacia de Campos, foi de “apenas cinco litros”, mas especialistas calculam que é muito mais. A esteira chega a “um quilômetro de extensão”, segundo a Marinha. “O que importa não é o tamanho da mancha”, afirmou o secretário de Meio Ambiente do Rio de Janeiro, Carlos Minc, ao compará-los com o acidente de 2010 no Golfo do México, onde vazaram cerca de quatro milhões de barris.

“O que precisa é se ter em conta que não tiveram (os executivos da Chevron) o equipamento necessário para contê-lo, que esconderam informação e que houve imprudência”, explicou Minc ao ser consultado sobre o teor da reação das autoridades, em uma entrevista coletiva para correspondentes estrangeiros. “Houve muita sede de lucro e pouco investimento em prevenção”, ressaltou.

As investigações preliminares dos dois acidentes consecutivos indicam que uma das causas do primeiro teria sido uma pressão na perfuração superior ao limite estabelecido pelos estudos geológicos prévios, que alertavam para uma falha no lugar. O segundo seria consequência do anterior. As rachaduras nas rochas submarinas fazem temer que um raio de aproximadamente sete quilômetros possa estar afetado, com o risco de novos vazamentos, dizem informes que vazaram para a imprensa desde a Agência Nacional do Petróleo e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente.

A Chevron e a Transocean, contratada para a perfuração, “instalaram uma bomba de contaminação de efeito prolongado”, disse o procurador Eduardo Santos de Oliveira, ao justificar a denúncia contra 17 executivos das duas firmas, a maioria estrangeiros, entre os quais o presidente da filial da Chevron no Brasil, o norte-americano George Buck. Os processados estão proibidos de deixar o país e podem ser condenados a penas entre cinco e 31 anos e dez meses de prisão, segundo a Lei de Crime Ambiental, além do pagamento de multas. “Se estão me chamando de exagerado por aplicar a Lei Ambiental, é verdade, sou”, respondeu o promotor ao reafirmar que o Campo do Frade pode estar comprometido em sua totalidade. A empresa também teria cometido crime por ocultar informações.

“Nossa mensagem é: vocês são bem-vindos, não serão perseguidos nem discriminados”, acrescentou Minc ao destacar que a intenção do governo não é afugentar investidores estrangeiros na área do petróleo. “Entretanto, têm que tomar precauções, utilizar a melhor tecnologia e serem transparentes. E se cometerem um erro, saibam que seremos rigorosos”, assinalou, em referência à necessidade de dar uma “demonstração exemplar” no combate ambiental, sobretudo quanto o Brasil se prepara para receber a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+20), no Rio de Janeiro, em junho.

Minc afirmou que o Oceano Atlãntico, onde o Brasil concentra mais de 90% de sua produção de petróleo, é para o país sua “Amazônia azul”, em comparação com a riqueza de biodiversidade dessa selva. Por outro lado, o especialista em energia Adriano Pires, do Centro Brasileiro de Infraestrutura, entende que a reação oficial “foi exagerada” e questiona que a denúncia penal tenha ocorrido antes de se contar com explicações técnicas suficientes.

“Se o governo dos Estados Unidos tivesse tido a mesma reação no acidente do Golfo do México, o presidente da British Petroleum teria recebido prisão perpétua”, comparou Pires em entrevista à IPS. Além disso, quando se trata de petróleo, “a questão política e nacionalista se impõe sobre a técnica no Brasil”, acrescentou. Desde sua fundação em 1953, a estatal Petrobras teve o monopólio do setor. Somente em 1997, no governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2003), as multinacionais foram autorizadas a participar do processo de exploração e produção.

A presidente Dilma Rousseff foi contundente ao indicar, sem mencionar a Chevron, que “as empresas que vierem, bem como as já instaladas aqui, têm de saber que os protocolos de segurança existem para serem cumpridos”. Por sua vez, o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, disse que as regras aplicadas à Petrobras são as mesmas que regem as demais empresas. “Se falham, têm que responder dentro dos limites”, destacou, para afirmar em seguida que “o capital é bem-vindo, mas tem que cumprir a lei”.

A Chevron negou em um comunicado ter sido imprudente ou negligente. “A empresa segue as melhores práticas da indústria no Brasil e em todos os lugares do mundo onde opera”, declarou. A companhia descartou que o segundo vazamento esteja ligado ao primeiro, porque o petróleo tem características diferentes. Além disso, no primeiro houve um “aumento inesperado da pressão durante a perfuração, enquanto no segundo não havia perfuração em andamento”, esclareceu.

O advogado da multinacional, Nilo Batista, desmentiu que esta vá deixar o Brasil, e afirmou que somente suspendeu preventivamente sua produção no Campo do Frade. Contudo, questionou a “desproporção legal” que o caso ganhou, com componentes de “maniqueísmo” e um “tom xenofóbico que me surpreendeu muitas vezes”. Outro advogado defensor, Oscar Couto, destacou que o acidente não causou prejuízos a nenhum ser humano nem comprometeu a saúde de ninguém, bem como não provocou “danos mensuráveis na fauna ou flora”. A natureza “não foi afetada nem houve mortes de cetáceos, baleias, golfinhos, tartarugas ou aves. Na verdade, nem mesmo uma sardinha morreu por causa do acidente”, ironizou Couto, segundo o jornal O Globo.

O desafio submarino

O acidente da Chevron e outros menores deixam em evidência algo mais grave: se o país tem capacidade para enfrentar os riscos da exploração de petróleo em águas profundas do Oceano Atlântico. É o que afirma o oceanógrafo David Zee, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, que insiste em que o desafio ambiental e tecnológico é maior após a descoberta de jazidas de hidrocarbonos nas camadas pré-sal, localizadas até sete mil metros de profundidade, sob uma camada de rochas e sal.

O governo estima que as novas reservas chegam a um volume seis vezes maior do que as existências já comprovadas de 14 bilhões de barris. Segundo Zee, a exploração no pré-sal implica um risco maior, “porque estaremos explorando em profundidades abaixo do solo submarino. Chegaremos a regiões onde nunca chegamos e isso pode trazer algumas incertezas: bolhas de sobrepressão e eventualmente fragilidades da geologia submarina”.

“Explorar o pré-sal (que é muito importante para o país em termos econômicos, estratégicos e energéticos) tem que ser feito com precaução e segurança, de modo a termos credibilidade e segurança em termos mundiais que garantam essa exploração”, concluiu Zee. Envolverde/IPS