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Novo líder não é o paladino de Washington

Washington, Estados Unidos, 17/2/2012 – Quando Hu Jintao assumiu as rédeas da China em 2002, várias empresas dos Estados Unidos viram nisso um bom sinal. Analistas políticos o descreveram como membro da quarta geração de líderes do Partido Comunista que poderia ser “um liberal no armário”. Entretanto, não o foi. Com certa cautela, os meios de comunicação procuraram retratá-lo como um enigma pragmático.

Depois dos atentados que em 11 de setembro de 2001, que deixaram três mil mortos em Nova York e Washington, Hu (presidente de seu país, onde também é secretário-geral do Partido Comunista) demonstrou ser um sócio confiável para os Estados Unidos. Isto também incentivou, em 2003, o então secretário de Estado, Colin Powell, a destacar que as relações entre seu país e a China eram as melhores desde 1972.

Porém, não demorou muito para que a mídia e especialistas vissem Hu de uma perspectiva mais ácida. Em 2005, a revista The Economist o rotulou como “um autoritário conservador”, por intensificar a disciplina partidária e atacar os intelectuais. Hu foi criticado por se manter firme contra os Estados Unidos em disputas sobre comércio, moeda, propriedade intelectual e direitos humanos.

Em matéria antiterrorista, os interesses de Estados Unidos e China convergiram. Contudo, tanto nesta área como na maioria das outras, Hu se mostrou não ser um liberal no armário, em absoluto. Agora, com a China se preparando para outra transição de poder, seu provável sucessor, Xi Jinping, embarca em sua própria viagem pelos Estados Unidos. Como ocorreu com Hu, fontes ocidentais admitem não saber muito sobre Xi – atual vice-presidente chinês – além de seu enfoque “pró-empresarial”. Apenas que tem uma esposa famosa e que se opõe à corrupção.

Fora esses detalhes, os jornalistas são obrigados a peneirar suas aparições recentes (as reuniões de Xi com o governo do presidente Barack Obama, seu regresso ao povoado de Iowa que visitou há 25 anos, sua presença em uma partida de basquete do Los Angeles Lakers) para conseguir pistas sobre a verdadeira natureza política do novo líder chinês. Jinping faz o que pode para frustrar a imprensa. Suas declarações em Washington foram pensadas para atender tanto seus anfitriões ocidentais como seus correligionários ao regressar ao seu país.

Por exemplo, falou das relações entre Estados Unidos e China como “um rio inseparável que segue avançando”, e destacou a vontade de Pequim de se comprometer com Washington em uma agenda ampla de temas que vão desde antiterrorismo até Coreia do Norte. Também foi cuidadoso em advertir seus anfitriões sobre a importância de “respeitar os interesses e as preocupações da China”. Por mais que um dirigente chinês goste de basquete ou admire as empresas norte-americanas, ele lidera um aparato político, econômico e militar dedicado a preservar a si mesmo e a integridade territorial de seu país.

O mesmo se pode dizer dos líderes da maioria dos países. Sem dúvidas, em Pequim, ninguém espera que das eleições norte-americanas deste ano surja um presidente que abrace uma ordem comercial que favoreça desproporcionalmente o crescimento econômico chinês ou que os Estados Unidos cedam à potência asiática seu poderio militar no Pacífico. É possível que os interesses nacionais da China sejam mais visíveis em torno dos assuntos de segurança. Nos primeiros anos de gestão de Hu, o debate no Ocidente se centrou na “ascensão pacífica” da China.

Nos últimos tempos a perspectiva se tornou mais obscura. Os pessimistas dizem que a potência asiática acaba de remoçar um velho porta-aviões ucraniano e destacam suas ambições no Mar da China, seu confronto com o Japão sobre as disputadas Ilhas Senkaky/Diaoyu e, naturalmente, seu elevado gasto militar. Segundo a consultoria IHS Jane’s, o gasto militar chinês chegará a US$ 238 bilhões até 2015, mais do que o projetado em toda a região asiática.

No entanto, não há sinais reais de que Pequim tenha abandonado seu enfoque de “ascensão pacífica”. O reformado porta-aviões não é de muito impacto (particularmente se comparado com os dez da marinha norte-americana), e Coreia do Sul e Japão também têm sua própria disputa por uma ilha. As reclamações chinesas sobre ilhas do Mar da China são de longa data e desde a era pré-comunista. E já se passaram mais de 30 anos desde que a China realizou uma importante intervenção militar de ultramar, o que indicaria que pretende manter seu costume de evitar riscos.

Enquanto isso, os Estados Unidos continuam gastando pelo menos cinco vezes mais do que a China em questões militares, o que faz com que sua política de segurança se afaste do Oriente Médio e se aproxime da Ásia. Uma maior cooperação militar de Washington com Austrália, Filipinas, e inclusive Vietnã, deixam a China nervosa. Em termos gerais, as prioridades dos líderes chineses são nacionalistas: manter unido um país vasto e rebelde, preservar a influência em Taiwan e garantir um fornecimento estável de energia em suas regiões vizinhas para manter um elevado crescimento econômico.

Primeiro Hu e agora Xi dizem aos seus interlocutores norte-americanos que é possível e desejável que as relações entre os dois países sejam mais próximas, sempre e quando Washington reconhecer estes imperativos nacionais. Entretanto, a ameaça subjacente da China, naturalmente, não é militar, mas econômica. Atualmente, é a segunda maior economia do mundo e poderá superar os Estados Unidos durante o próximo governo. Washington se queixa de práticas comerciais desleais, manipulação da divisa e uma cultura de pirataria intelectual.

Seguindo exemplo de Japão e Coreia do Sul, a China se deu conta de que passar de país em desenvolvimento a industrializado exige romper com algumas regras. Os críticos destacam que a China, enquanto potência econômica, já não é uma desvalida. Porém, boa parte do país continua subdesenvolvida. E o poderia econômico chinês não se reflete no poder de voto nas instituições econômicas internacionais.

Tanto no Banco Mundial quanto no Fundo Monetário Internacional, os Estados Unidos comandam cerca de 16% dos votos, enquanto a China tem por volta de 4%. Em outras palavras, Pequim não determina as regras do jogo. Sem dúvidas, Xi tem suas próprias ideias sobre como manter o que os chineses poderiam chamar de os “três equilíbrios”: harmonia interna da China, suas relações com o exterior próximo e a dinâmica de “aperta e afrouxa” dos Estados Unidos.

Entretanto, não é essa mítica figura que o Ocidente espera que algum dia se produza na China. Xi é em parte seu próprio homem e em parte um homem do Partido. E, sob nenhum conceito, é o homem de Washington em Pequim. Envolverde/IPS