Por Mario Osava, da IPS –
Rio de Janeiro, Brasil, 5/10/2016 – As mulheres, que vinham ampliando lentamente sua participação no poder político no Brasil, sofreram uma ligeira queda nas eleições do dia 2, o que indicaria uma tendência ao retrocesso. As prefeitas eleitas em 2012 somaram 656, com alta de 22,8% em relação a 2008, ano que registrou aumento semelhante sobre 2004, segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Agora o número caiu para 637, apenas 11,4% do total de prefeitos no Brasil.
Ainda há seis candidatas que disputarão o segundo turno, no dia 30, em municípios com mais de 200 mil eleitores onde não houve um ganhador por maioria absoluta no primeiro turno, mas com escassas possibilidades de vitória. Os resultados já conhecidos interrompem um aumento da participação feminina no processo eleitoral desde que foi aprovada, em 1995, a lei de cotas para que os partidos destinassem um mínimo de 20%, depois elevado para 30%, de postulações parlamentares às mulheres.
Ainda não foram computados os resultados em 5.568 municípios para se ter ideia de quantas mulheres serão eleitas vereadoras, mas não chegarão à proporção de 2012, 13,3% do total, previu à IPS Masrá de Abreu, assessora técnica do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (CFemea), organização não governamental de Brasília. Cresceu a quantidade de candidatas, chegando a 32,8% do total, isto é, superando a cota, mas “isso não se reflete nos resultados”, acrescentou.
As ativistas se queixam que os partidos cumprem a cota mínima de mulheres, mas não fornecem a elas os recursos financeiros e de publicidade que favorecem os candidatos homens. “Sem uma reforma política decente, que não parece possível no curto prazo, a participação feminina no legislativo e no executivo continuará ínfima, uma das menores do mundo e superando apenas o Haiti na América Latina. É um problema estrutural, determinando que política não é lugar para mulheres”, lamentou Abreu.
A presença feminina nas diferentes instâncias de poder, como a Câmara de Deputados e os governos estaduais e municipais, variam em torno de 10%, com “exceções” ocasionais, como o Senado atual, que conta com 11 mulheres em um total de 81 membros, ou seja, 13,6%.
Em países onde os partidos adotam as listas fechadas, alternando mulheres e homens na ordem das candidaturas, se avançou rapidamente para certa igualdade na representação parlamentar. Mas é muito difícil que o sistema seja adotado no Brasil, onde o voto pessoal é uma tradição. Além disso, o país vive uma “onda conservadora”, que tende a promover retrocessos na representação feminina, receia a assessora do CFemea, organização criada para acompanhar as atividades parlamentares e políticas que afetam as brasileiras.
A destituição da presidente Dilma Rousseff, no dia 31 de agosto, colocou Michel Temer na Presidência, à frente de uma coalizão conservadora. Sua equipe ministerial não conta com nenhuma mulher. Mas desde antes o Congresso já vinha adotando leis que restringem direitos femininos. As eleições municipais acentuaram essa tendência, ao enfraquecer ainda mais o PT, que esteve no poder desde 2003 até a saída de Dilma e está assediado pelos escândalos de corrupção que levaram à prisão de vários de seus dirigentes e alimentaram a queda da presidente.
O PT perdeu 60% dos municípios que governava, agora reduzidos a 255. De terceiro partido com mais prefeitos, agora caiu para o 10º lugar. É uma perda também para o movimento feminino que se beneficiava “do tempo de propaganda na televisão” do PT, que também “permitia promover mulheres com um discurso mais amplo e diversificado nas instâncias políticas”, recordou Abreu.
Menos pessimista, Fátima Pacheco Jordão, especialista em pesquisas eleitorais, identificou aspectos interessantes e promissores nessas eleições municipais.Em São Paulo, maior cidade do país, com 6,94 milhões de eleitores, foram eleitas agora 11 vereadoras, mais que o dobro das cinco que venceram há quatro anos, apontou à IPS.A Câmara paulistana tem 55 cadeiras, assim a bancada feminina corresponderá a 20%, participação quase alcançada em outras das maiores cidades brasileiras, como Salvador e Recife, ambas no Nordeste.
Em outros grandes municípios, como Belo Horizonte, Porto Alegre e Belém, capitais de Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Pará, respectivamente, houve mulheres que obtiveram a maior votação entre centenas de candidatos, acrescentou a especialista. “Outro dado interessante é que algumas das eleitas são representantes feministas, provêm do movimento social, como duas jovens negras”, lembrou Abreu.
Curiosamente, as regiões mais pobres do Brasil registram maior presença de mulheres no poder político. Em Estados e do Nordeste, como Alagoas e Rio Grande do Norte, elas somam mais de 20% dos prefeitos eleitos, bem como Amazônia e Roraima, na regiãoNorte.Por outro lado, Estados do Sul e Sudeste, os mais ricos do país, apresentam menos de 8% de prefeitas entre seus governantes municipais. Blumenau e Tubarão, em Santa Catarina, não elegeram nenhuma mulher para suas câmaras municipais.
Apesar das estatísticas que só poderão ser analisadas contando com mais detalhes, “essas eleições revelaram avanços, como maior protagonismo das mulheres, discussão de problemas da vida real, manutenção das ruas e abastecimento de água”, destacouJordão. “Isso se refletiu em um eleitorado mais atento, acompanhando as pesquisas eleitorais e os deslizes dos diferentes candidatos”, pontuou.
Candidato favorito em São Paulo, o jornalista Celso Russomanno perdeu popularidade e as eleições após serem divulgadas irregularidades trabalhistas em um restaurante de sua propriedade, que faliu.Outro, Pedro Paulo Teixeira, apoiado por um prefeito do Rio de Janeiro, sofreu baixa votação em boa parte por ser público que agrediu fisicamente sua ex-mulher há alguns anos.
“Desta vez, os debates entre candidatos na televisão tiveram grande audiência, com índices superiores aos registrados por programas de entretenimento no mesmo horário, refletindo os interesses dos eleitores”, ressaltou a analista eleitoral.
Jordão comprovou também, em reuniões com mulheres de São Paulo, uma nova consciência de “eleitora contribuinte, que já não encara a corrupção apenas como um problema ético, mas como uma questão orçamentária, que tira recursos de programas sociais, que rouba serviços públicos”. Envolverde/IPS