A Agência Estado sob a ótica de Rodrigo Lara Mesquita

“Na AE éramos uma equipe e todos sabiam que procurávamos um futuro. Profissionais mais aculturados com processo de rede que a média do mercado. Grandes talentos individuais, como a Suely Caldas. Infelizmente o processo foi abortado.”

O jornalista Rodrigo Lara Mesquita, 60 anos, iniciou sua carreira jornalística como repórter do Jornal da Tarde, em 1976, onde atuou como redator de política internacional, subeditor, editor, editor-chefe e repórter especial. Mas foi na Agência Estado (AE) que Mesquita se destacou. Em 1988, ele assumiu a diretoria geral da AE, permanecendo no cargo até 2003.

Rodrigo Lara Mesquita e Oliver Udry, jornalista especializado em economia fundamental no início do planejamento do projeto da Agência Estado e que faleceu em um acidente pouco depois. Foto feita na praia de Maresias, localizada no município de São Sebastião (SP), durante o primeiro planejamento estratégico da AE. Foto: Arquivo Pessoal
Rodrigo Lara Mesquita e Oliver Udry, jornalista especializado em economia fundamental no início do planejamento do projeto da Agência Estado e que faleceu em um acidente pouco depois. Foto feita na praia de Maresias, localizada no município de São Sebastião (SP), durante o primeiro planejamento estratégico da AE. Foto: Arquivo Pessoal

“A Agência Estado, na sua atual conformação, começou a nascer em meados da década de 80 na minha cabeça em função de ter percebido que a computação, o software e as telecomunicações iriam tirar o domínio do público das tradicionais empresas de informação, que atuavam de forma broadcast, e colocar o indivíduo no centro do processo. Situação que iria e está subvertendo todo o processo econômico, não só a economia da indústria de informação. A única saída para as tradicionais empresas jornalísticas seria se transformar em empresas de informação, com coragem para se perder na rede. Assumir a disrupção do seu próprio negócio era e é o único caminho para as tradicionais empresas de informação não morrerem de inanição”, relata Rodrigo Lara Mesquita neste depoimento concedido ao blog de Jornalismo Econômico do Centro Universitário Ritter dos Reis de Porto Alegre (RS).

O contato com Mesquita foi feito exclusivamente pelo Facebook. Desde o primeiro momento, ele demonstrou-se prestativo e interessado em colaborar com a reportagem. Mas isso não era por acaso. Rodrigo Lara Mesquita tem uma grande ligação com a Agência Estado. Como descobrimos isso? Estávamos construindo uma apresentação sobre o livro Jornalismo Econômico (Contexto, 2012), de Suely Caldas. A história da AE é contada no capítulo IV do livro. Foi de lá que surgiu a ideia de entrevistar alguém que pudesse falar mais sobre o tema.

Encaminhamos uma primeira mensagem, explicando os objetivos principais e secundários do trabalho. Mesquita concordou em dar um relato. Entretanto, após quatro horas do envio da primeira mensagem, o ex-diretor geral da AE fez um pedido. Solicitou que publicássemos tudo na íntegra. Escreveu Mesquita: “lhe enviarei se você se comprometer a publicar na íntegra, claro que dentro da lógica do seu texto. Ou seja: com liberdade para usar parágrafos divididos conforme a lógica do seu trabalho entre aspas. Você concorda com isso?”.

Após encaminharmos uma resposta confirmando que tudo seria publicado na íntegra, Mesquita mandou um documento em formato Word com 7.546 caracteres relatando, do seu ponto de vista, uma parte da história da Agência Estado.

Na sequência do envio do relato, Mesquita ainda afirmou que “na AE éramos uma equipe e todos sabiam que procurávamos um futuro. Profissionais mais aculturados com processo de rede que a média do mercado. Grandes talentos individuais, como a Suely Caldas. Infelizmente o processo foi abortado”.

Confira o relato, na íntegra, de Rodrigo Lara Mesquita, o terceiro dos quatro filhos do diretor responsável pelo Estadão, Ruy Mesquita.

Distribuição de notícias

“Até 88, a Agência Estado era uma unidade operacional da S.A. O Estado de S Paulo. Tinha sido criada em 1970, quatro anos após o lançamento do Jornal da Tarde. Para não duplicar toda a estrutura de captação de informação criaram a AE. A equipe de todas as sucursais e correspondentes nacionais e internacionais, na época o principal ativo da S.A. O Estado de S Paulo, eram contratados pela AE, que distribuía este material para as unidades de negócio da empresa e, em função da ditadura e censura, para os jornais do interior de São Paulo e do Brasil. Não fazia sentido em termos de negócio criar uma agência de notícias para o mercado de jornais, pequeno, concentrado e pobre. Fazia sentido criar um circuito de distribuição de notícias que incluía todo o material censurado pelo regime militar. Uma forma informal de fazer as informações sobre este período triste da nossa história circular e em função disso contribuir para a reação que cedo ou tarde ocorreria”.

A primeira equipe da Agência Estado durante planejamento estratégico realizado na praia de Maresias. Foto: Arquivo Pessoal
A primeira equipe da Agência Estado durante planejamento estratégico realizado na praia de Maresias. Foto: Arquivo Pessoal

Mercado concentrado e pobre

“De meados da década de 80 até 88, mergulhei profundamente na evolução da computação, do software e das telecomunicações. A agência de notícias Reuters, hoje Thomson Reuters, foi a primeira empresa jornalística que viu e entendeu este processo. Esta empresa nasceu em meados do século 19, em Londres, então capital financeira global. Nasceu com a criação da primeira rede telegráfica global do mundo, a do Império Britânico. Nas pontas desta rede, a Reuters trabalhava com pombo correio em áreas de demanda mais forte de informação para o centro. O principal mercado da Reuters era a cúpula dirigente do império. O mercado de meios de comunicação social, naquele tempo concentrado e pobre, era secundário e de pequena importância em termos de faturamento. Foi entre as duas grandes guerras mundiais que a Reuters migrou para o mercado de meios sociais, em função do crescimento exponencial deste mercado. A Reuters e a Pearson, empresa proprietária do Financial Times, que no final dos anos 80 também tinha consciência de que o futuro das empresas jornalísticas era o mercado de informações em geral, foram minhas duas grandes referências e fontes de inspiração”.

A crise

“A crise das empresas tradicionais jornalísticas começou no final da 2ª guerra mundial. Elas deixam de acompanhar o crescimento da população das comunidades locais em que estavam inseridas, o faturamento estagna e começa a cair lentamente. Os outdoors, as redes de lojas e suas prateleiras, as cadeiras de aviões, as portas de banheiros numa profusão de porta mídias, além do rádio e da televisão voltados para o entretenimento, começam a roubar o reclame, os anúncios, dos jornais, até então os principais marketplaces das comunidades em que estavam inseridas. Como a Google hoje globalmente, os jornais tinham quase o monopólio dos pequenos anúncios destas comunidades (mercado imobiliário, empregos, negócios e oportunidades e outros)”.

Sergio Vaz, Oliver Udry, Rodrigo Lara Mesquita e Eloi Gertel no primeiro planejamento estratégico da Agência Estado na praia de Maresias. Foto: Arquivo Pessoal
Sergio Vaz, Oliver Udry, Rodrigo Lara Mesquita e Eloi Gertel no primeiro planejamento estratégico da Agência Estado na praia de Maresias. Foto: Arquivo Pessoal

Era das redes

“Por tudo isso, meu objetivo não era criar uma empresa de jornalismo econômico on-line. O objetivo era abrir um caminho para a S.A. O Estado de S Paulo entrar na era das redes, do início da conformação da sociedade em rede, de forma pioneira e consciente. O jornalismo econômico, especialmente focado no mercado financeiro, era o único caminho possível. Este mercado, que entrou no mundo das redes na década de 70 em função das suas operações, era o único em condições práticas de receber informações por meio das telecomunicações e da computação e o único disposto a pagar por estes serviços. Brincávamos, no início das operações da AE como unidade de negócios, com serviços em fax e por meio da Arpanet para o mundo preocupado com a questão ambiental e com serviços para o mercado empresarial. Uma prospecção divertida, nada mais do que isso”.

Rede pioneira de distribuição não centralizada

“Para atuar no mercado financeiro, investimos pesadamente em desenvolvimento de software, na nossa rede interna de computadores e aplicativos para a produção jornalística e em sistemas de distribuição por meio das telecomunicações, das redes alternativas de sub-bandas de FM às linhas privadas de telefonia. Em 90, quando lançamos a Broadcast, com seus serviços para o mercado financeiro, a internet era ainda a Arpanet, sistema de distribuição de pacotes de informação. Não fluxos de informação. Na minha concepção do projeto, esta rede broadcast (distribuição em tempo real sem volta de fluxos de informações) era a plataforma de aprendizado do Grupo Estado e dos jornalistas envolvidos com esta operação de como vir a trabalhar com a internet: rede aberta, interativa, com a inteligência nas pontas, a primeira rede de distribuição não centralizada e controlada como a rede elétrica, por exemplo, que o gênio humano criou”.

Novo ecossistema de informação

“Este projeto foi desenvolvido por um grupo de jornalistas que convidei para a aventura em 88 e uma grande cabeça em redes, Demi Getscheko, um dos pais da internet do Brasil e o profissional a que a AE, O Estado de S Paulo, os jornalistas do grupo e eu mais devemos. Boa parte dos jornalistas que passaram por este processo, não o compreendeu com toda a sua amplitude e profundidade. Boa parte deles ainda não entendeu que a internet está criando um novo ecossistema de informação, de negócios e de relações sociais. Não têm background para compreender que o ecossistema planetário não é formado, nunca foi, exclusivamente pelas variantes da ecologia natural. Não têm base de informação e conhecimento para ver e entender que os ecossistemas em que estamos inseridos se transformam e são compostos pela tecnologia desenvolvida pelo homem, que pode restringi-los ou ampliá-los. É em função desta ignorância, compartilhada pelos proprietários das empresas jornalísticas, que o setor como um todo, os velhos players, estão perdendo espaço e correndo o risco de morrer”.

Fernando Henrique Cardoso, Mário Covas e Sérgio Motta vendo o serviço Agrocast da Agência Estado em uma feira de agronegócio. Foto: Arquivo Pessoal
Fernando Henrique Cardoso, Mário Covas e Sérgio Motta vendo o serviço Agrocast da Agência Estado em uma feira de agronegócio. Foto: Arquivo Pessoal

Agência Estado como referência

“No que diz respeito à prática do jornalismo econômico on-line, a adaptação dos jornalistas da AE foi rápida e profunda. De tal forma que, também em função da clara concepção imposta de cima a abaixo (de forma top down) de que éramos uma equipe e que cada um acrescentava valor ao todo, criamos a empresa referencial do jornalismo brasileiros do final da década de 80 e início da década de 90. Infelizmente abortada pela alta direção da S.A. O Estado de S Paulo mancomunada com jornalistas que tinham passado pela direção da AE, mas que nunca entenderam plenamente os objetivos desta empresa dos novos tempos e novos ecossistemas da informação e muito menos que ela era o caminho para O Estado não envelhecer e morrer na plataforma de papel. O objetivo deles, míope e medíocre, consequência da idade provecta, era chegar à direção da redação de O Estado. Eles chegaram lá, os resultados para empresa e seus colaboradores foram dramáticos, como está claro e ficará cada dia mais claro para o mercado como um todo”.

* Publicado originalmente no site Jornalismo Econômico.