A Copa de 2014 e a Rio+20 na Ilha de Páscoa

A história da Ilha de Páscoa é um dos exemplos mais intrigantes de como a ação humana pode extinguir a vida em uma ilha de aproximadamente 380 quilômetros quadrados. A ilha é mundialmente conhecida pelas suas 600 estátuas de pedra com aproximadamente seis metros de altura e dezenas de toneladas de peso, que foram esculpidas ao longo de centenas de anos. Quando os europeus lá chagaram pela primeira vez, em 1722, a ilha era ocupada por aproximadamente três mil nativos. Hoje ela está praticamente sem nenhuma alma. Já em 1877 a população não tinha como se manter, pois haviam devastado toda a ilha para esculpir seus moais.

A ilha começou a ser habitada no Século 5. Por volta de 1500, a população teria atingindo sete mil pessoas e já havia centenas de estátuas. Seus habitantes devastaram toda a ilha na construção dessas estátuas gigantes – que eram símbolo de status e poder dos 12 clãs que governaram a ilha –, na alimentação da população, na construção de canoas e casas. Certamente, os habitantes tinham noção do tamanho do estrago que estavam fazendo, mas não foram capazes de modificar seus hábitos e encontrar uma forma de viver em equilíbrio com o meio ambiente. Mesmo com o fim iminente, a disputa continuou até a última árvore ser derrubada, visto que ainda há estátuas inacabadas. Mas o que a história da Ilha de Páscoa pode nos ensinar? Mais ainda. O que tem a ver com a Copa de 2014 e a Rio+20?

O Brasil e o mundo, totalizando mais de 600 milhões de pessoas, assistiram ao sorteio das Eliminatórias da Copa do Mundo de 2014. Todos os dias, em praticamente todos os noticiários, fala-se da realização da Copa, dos 12 estádios em construção e das inúmeras outras obras de infraestrutura necessárias para receber nossos ilustres turistas. Será que estamos construindo nossos moais?

A Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento realizada na cidade do Rio de Janeiro em 1992, mais conhecida como Rio 92, foi a maior e mais importante conferência sobre meio ambiente já realizada no planeta e teve a participação de mais de 170 nações. Nesta conferência foram aprovadas a Declaração do Rio (equivalente à Declaração Universal dos Direitos Humanos para o meio ambiente); a agenda 21; os princípios das responsabilidades comuns, mas diferenciadas, princípio da precaução e princípio do poluidor pagador, a Convenção do Clima e a Convenção da Diversidade Biológica entre outros.

Depois da Rio 92 outras conferências foram realizadas – a mais recente foi a 17ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP-17), na África do Sul, em dezembro – com o mesmo intuito: debater as consequências da ação do homem no meio ambiente. O documento mais importante foi o relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática da ONU (IPCC) divulgado em 2007, que afirma que as mudanças climáticas ocorrem devido às ações do homem na Terra com o lançamento na atmosfera dos gases causadores do efeito estufa.

A cidade do Rio de Janeiro será novamente a sede da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, que será realizada em junho de 2012. A Conferência visa a engajar os líderes mundiais em questões de vital importância para a sobrevivência do ser humano, como as mudanças climáticas, a erradicação da miséria, economia verde, biodiversidade e a governança internacional para sustentabilidade do planeta.

Enquanto provavelmente todos os brasileiros sabem tudo sobre o andamento das obras dos estádios/moais para a Copa, somente 11% sabem da realização da Rio+20, evento que diz respeito diretamente às nossas vidas. O mais importante não é a realização da Rio+20 em si, mas o desequilíbrio ambiental na nossa “ilha” chamada Terra.

Atualmente consumimos 30% a mais do que o planeta é capaz de regenerar. Como será o amanhã? Acabamos de celebrar o nascimento do 7º bilionésimo habitante. São sete bilhões de pessoas para alimentar, tomar água potável, dar moradia e vestimentas necessárias para sua sobrevivência. Como diria Drummond, “E agora, José?”.

Paradoxalmente sabemos que estamos fazendo mal ao planeta, mas como isto “não” afeta em quase nada nossa vida atualmente, não fazemos nada a respeito. Quando as mudanças climáticas afetarem nossas vidas não haverá nada a fazer. Já vimos esta história antes?

Precisamos nos engajar em algo maior: defender a nossa casa, a casa de nossos antepassados, mas também a casa de nossos filhos e dos filhos de nossos filhos.

O desenvolvimento sustentável não é um fim em si, mas um meio para se chegar a uma sociedade solidária. Infelizmente isto não aconteceu com a Ilha de Páscoa, onde não poderemos realizar a Copa de 2014, muito menos a Rio+20.

* Ronaldo Gusmão é engenheiro e presidente do Ietec.