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A maternidade na infância pesa no Paquistão

A maioria das nações da Ásia meridional, como o Paquistão, deve enfrentar o duplo problema do casamento precoce e da gravidez na adolescência. É crucial atender os dois desafios ao mesmo tempo, segundo os especialistas. Foto: Zofeen Ebrahim/IPS
A maioria das nações da Ásia meridional, como o Paquistão, deve enfrentar o duplo problema do casamento precoce e da gravidez na adolescência. É crucial atender os dois desafios ao mesmo tempo, segundo os especialistas. Foto: Zofeen Ebrahim/IPS

 

Karachi, Paquistão, 16/7/2014 – Se Rashda Naureen pudesse voltar seis anos no tempo, nunca teria concordado em se casar aos 16 anos. “Não estava pronta para o casamento. Como poderia estar se era apenas uma menina”, afirmou à IPS esta jovem paquistanesa de 22 anos. Naureen só havia estudado até o terceiro grau quando engravidou aos 17 anos. Ela se divorciou pouco depois de dar à luz seu primeiro filho.

A mãe da jovem, Perween Bibi, que vive de seu magro pagamento como empregada doméstica no Paquistão, declarou à IPS que tem “outras duas filhas, além de dois homens, e demos Rashda para termos uma responsabilidade a menos. Mas aconteceu exatamente o contrário. Bibi e seu marido, motorista particular, além de terem de manter uma família de sete membros, agora também devem cuidar do neto, e com dificuldades para subsistir.

Uma das coisas mais tristes dessa história é que a gravidez de Naureen poderia ter sido facilmente evitada. “Antes do casamento, minha melhor amiga me incentivou a tomar pílula anticoncepcional, mas não quis ouvi-la”, confessou a moça. “Inclusive meu marido, cujos pais o obrigaram a se casar comigo, me disse que esperássemos, mas não se importou. Pensei que ter um filho em seguida ajudaria a cimentar nossa relação e ele começaria a me amar”, contou com tristeza.

A gravidez precoce é comum entre as adolescentes recém-casadas, afirmou à IPS Tauseef Ahmed, diretor no Paquistão da Pathfinder International, uma organização sem fins lucrativos dedicada a facilitar serviços de saúde sexual e reprodutiva para jovens em mais de 30 países. Na verdade, ter um filho é uma forma de provar a fertilidade, e os valores da gravidez na adolescência estão “protegidos pelas próprias mulheres e meninas”, explicou a IPS.

Segundo o Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), quase 7,3 milhões de adolescentes engravidam no mundo a cada ano, das quais dois milhões têm 14 anos ou menos. Além disso, estima-se que nos países em desenvolvimento 70 mil adolescentes morrem anualmente por complicações derivadas da gravidez e do parto.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) indica que a morte fetal e de recém-nascidos é 50% mais provável entre mães adolescentes do que entre mulheres de 20 a 29 anos. Os bebês que sobrevivem têm mais probabilidades de apresentarem baixo peso ao nascer ou serem prematuros, em comparação com os filhos de mulheres mais velhas.

O problema é particularmente acentuado no Paquistão, país de 180 milhões de habitantes e onde 35% das mulheres entre 25 e 49 anos se casaram antes de completarem 18 anos, segundo os últimos dados da Pesquisa de Saúde Demográfica do Paquistão 2012-2013. Os especialistas afirmam que entre as principais razões da propagação do casamento infantil e da gravidez precoce se destaca a falta de educação.

O médico Farid Midhet, diretor do Programa Integrado de Saúde Materna e Infantil do Paquistão, da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento (Usaid), concorda, dizendo que existe um estreito vínculo entre a gravidez adolescente e o analfabetismo feminino. “Isso contribui para a alta mortalidade infantil, a alta fertilidade, o analfabetismo em geral, e a produção de filhos que são uma carga para a sociedade”, apontou o médico à IPS. Como resultado, acrescentou, exacerba a pobreza, que por sua vez alimenta um círculo vicioso de insurgência, delinquência e conflitos sociais.

Ahmed, por sua vez, acredita que há uma forte corrente conservadora na sociedade paquistanesa, na qual 97% da população se considera muçulmano, o que também conspira contra as meninas e as adolescentes e favorece o casamento precoce e a gravidez de adolescentes, um destino inevitável para milhares delas.

“O casamento precoce e a falta de permissão para ir à escola são os principais indicadores das forças conservadoras”, destacou Ahmed. “O temor à reação violenta” da sociedade gerou uma patente falta de iniciativas positivas do setor público para atender o problema, apesar de uma infinidade de estudos mostrarem que os países que melhoram a matrícula escolar feminina registram uma redução no número de adolescentes grávidas.

Consultada sobre como reverter a crise de saúde causada pelas mães adolescentes, Zena Sathar, diretora do Conselho de População do Paquistão, responde que, primeiro e antes de tudo, investir na educação das meninas. “As estratégias provadas no mundo incluem manter a adolescente na escola, usar incentivos econômicos e programas de subsistência, oferecer ferramentas para a vida cotidiana, informar as famílias e as comunidades sobre os efeitos adversos da gravidez adolescente, mobilizá-las para apoiar as meninas a crescerem e se converterem em mulheres antes de serem mães”, ressaltou à IPS.

Um problema regional

O fenômeno não é exclusivo do Paquistão. Há vários países na região que devem enfrentar o mesmo tipo de desafio. A maioria das nações da Ásia meridional, como o Paquistão, deve enfrentar o duplo problema do casamento precoce e da gravidez de adolescentes. É crucial atender os dois desafios ao mesmo tempo, segundo os especialistas. Porém, é mais fácil dizer do que fazer, pois as leis que fixam a idade “oficial” para se casar são difíceis de serem cumpridas, e se complica ainda mais por causa dos valores da sociedade tradicional.

Segundo o informe do UNFPA de 2013 intitulado Maternidade na Infância, Bangladesh e Índia continuam sendo os países com maior probabilidade de as meninas e adolescentes se casarem antes dos 18 anos. Paquistão e Sri Lanka, por outro lado, mostram uma taxa de gravidez muito menor entre adolescentes de 15 a 19 anos

O informe Perspectivas Mundiais de População, realizado pelo Departamento de Assuntos Sociais e Econômicos das Nações Unidas, indica que a fertilidade em adolescentes entre 15 e 19 anos é de 87 em cada mil mulheres no Afeganistão, 81 em Bangladesh, 74 no Nepal, 33 na Índia, 27 no Paquistão, e apenas 17 no Sri Lanka.

O Estado indiano de Bihar tem o pior registro em matéria de casamento precoce. Com base em um estudo de mais de 600 mil famílias realizado pelo Ministério da Saúde entre 2007 e 2008, Sathar disse que quase 70% das mulheres de 20 anos disseram que já estavam casadas antes de completarem os 18 anos.

Para mulheres como Naureen, continuar frequentando a escola teria evitado uma vida de dor. “Não teria me casado, nem teria sido mãe tão jovem. Poderia ter mais tempo para pensar no que estava me metendo. Estaria um pouquinho mais pronta”, afirmou. Envolverde/IPS