Os erros e acertos do Bike Rio

Prefeitura avalia projeto como “positivo”, mas sistema ainda tem problemas.

São nove da manhã e há seis bicicletas disponíveis na Estação Serzedelo Corrêa, em Copacabana, um dos 60 pontos de aluguel de bicicletas do programa Bike Rio. Estão devidamente trancadas em seus dispositivos, esperando que moradores e turistas as utilizem. Mas como retirá-las? É o que se perguntava um casal em frente à estação, um pouco frustrados com a falta de informações. São turistas paranaenses que haviam ouvido falar da iniciativa, muito parecida com a que experimentaram ano passado em Paris (a Vélib), só que com muito mais facilidade. Um painel dava algumas informações, que envolviam ligar para um telefone e fazer um cadastro em um site. “Mas eu só queria dar um passeio de meia hora”, protestava o marido. “Precisava se cadastrar na internet só para isso?”

De fato, não há possibilidade de fazer uma operação mais simples, como pagar diretamente no cartão, como acontece na França, ou inserir notas de dinheiro. Um turista, que se identifica como colombiano, aparece com um celular na mão, faz uma ligação e, logo em seguida, consegue retirar uma das bicicletas alaranjadas, cujas traseiras exibem um imenso logo do Itaú. Não demora muito para que o casal o cerque e peça informações. Assim como um outro casal que já fez o cadastro na internet, mas não está conseguindo destravar os veículos. Logo em seguida, um outro senhor se aproxima e pergunta ao colombiano: “Só os clientes do Itaú podem usar a bicicleta?”. Um erro compreensível, visto o tamanho extravagante do anúncio comercial.

Toda esta situação ocorre em apenas cinco minutos. Basta ficar apenas mais meia hora observando o movimento na estação para presenciar muitas cenas como essa (nesse período, aliás, nada menos do que três pessoas perguntaram se as bicicletas eram exclusivas dos clientes do banco citado). Como se vê, o sistema Bike Rio atrai curiosos, mas, mesmo implantado há quase três meses na cidade, ainda intriga um pouco. As indicações nos painéis são insuficientes e confusas. Muitas dos potenciais usuários que passavam por lá não sabiam que poderiam usar, por exemplo, de forma avulsa, pagando R$ 5. Mas, se nem mesmo alguns moradores sabem como funciona, imagine ser um turista de passagem por Copacabana e achar que é obrigado a se cadastrar em um plano mensal para poder dar um passeio?

Na verdade, o sistema via internet se justifica para evitar vandalismo ou deterioração do equipamento de uma interface física, como painéis ou teclados. De acordo com os números da Serttel, empresa que ganhou a licitação, o índice de vandalismo (uma bicicleta roubada e pequenas avarias, como o roubo de selins e pedais, entre outros) é inferior ao que ocorreu na Europa, no início dos projetos. Outra justificativa para o sistema via internet e aplicativos para smartphones é a economia de energia.

“O sistema europeu inclui telas e teclados sujeitos a vandalismo e que consomem muita energia elétrica, o que inviabiliza o sistema sustentável de energia solar”, argumenta Angelo Leite, presidente da Serttel, acrescentando que o sistema não necessita nenhum aperfeiçoamento.

“O sistema é de última geração e é muito bem aceito pelos usuários. A tecnologia é 100% nacional, 100% sustentável, 100% wireless e foi reconhecida pelo portal de notícias da CNN por suas características ‘high tech’”, disse Leite.

Estatísticas de adesão

Até o dia 4 de janeiro, a Serttel havia contabilizado 21.519 passes mensais e 25.376 cadastros. Nem todos os usuários, porém, se mostram 100% satisfeitos. É o caso do carioca Hélio Brum Júnior, um terapeuta que usa o Bike Rio diariamente para se deslocar até a casa de pacientes.

“Eles não relatam os problemas que acontecem, não há uma maneira fácil de o usuário se comunicar com a empresa e dar um feedback”, reclama.

Entre os transtornos, Brum diz que já pegou bicicleta com problemas nos freios, com o ajuste do banco quebrado, e até sem pedal. Outro dia, tentou fazer a retirada, mas o sistema estava fora do ar por excesso de chamadas. Aos domingos, também sofre com o excesso de camelôs em volta das estações, quase impossibilitando o acesso às bicicletas. Mas o pior foi quando foi devolver o veículo em uma estação sem saber que esta ainda não havia sido ativada. Como não havia nada que avisasse ou indicasse isso, o sistema não computou a devolução.

“Mesmo assim, aprovo a ideia e o sistema”, diz. “Uso sempre, faz bem para minha saúde.”

Uma das grandes queixas dos usuários são as estações vazias, onde é muito difícil achar uma bicicleta disponível. Segundo Leite, o sistema via internet é essencial para evitar que certos bicicletários mais populares fiquem vazios enquanto outros, menos usados, tenham bicicletas demais.

“Como o relacionamento dos usuários com as estações ocorre por meio da internet, o sistema opera em tempo real, diferente dos europeus, que trabalham com atrasos de até dez minutos, logo o gerenciamento do projeto alerta a central quando a estação está com menos de 20% ou mais de 80% das suas posições ocupadas”, explica Leite. “Esta informação vai direto para terminais móveis usados pelos técnicos de campo, que fazem o remanejamento das bicicletas. Além disso, o sistema gera uma base estatística que orienta os nossos técnicos em como reposicionar as bicicletas antes do início de cada dia de operação, considerando as concentrações de fluxo das pessoas nos horários de pico.”

Mesmo assim, o estudante João Pedro Marteletto quase nunca encontra bicicletas na estação perto da sua casa. Ele, aliás, passou por uma experiência conturbada recentemente, que gerou vários erros em sequência. Primeiro, chegou a uma estação cuja representação no mapa estava errada, que a indicava na Francisco Otaviano, quando na verdade se encontra no calçadão da praia, depois do Parque Garota de Ipanema. Depois de uma longa espera para liberar a bicicleta por telefone, foi “premiado” com os dois freios quebrados.

“O pior é que não dava para devolver, pois devolvendo tenho que esperar 15 minutos para ser autorizado a pegar outra, que ainda por cima poderia estar com o mesmo problema”, conta. “Além disso, não há nenhuma maneira clara para eu contactar a assistência técnica e informar o problema na bicicleta, eles têm que descobrir por telepatia.”

Mas a experiência ruim ainda não havia acabado. Mais tarde, no mesmo dia, Marteletto voltou para liberar outra bicicleta, mas o sistema não o autorizou. Depois de mais um tempo no telefone, descobriu que a devolução do veículo anterior não havia sido notificada.

“Ligando para o atendimento ao cliente, descobri que ainda estavam contabilizando o uso da bicicleta porque a estação Siqueira Campos estava fora do ar devido às chuvas. Disse a eles que deveriam colocar um aviso, mas a atendente explicou que não deu tempo, já que o desligamento era recente. Mas o desligamento havia acontecido no dia anterior! Disseram-me que o que foi cobrado no cartão será devolvido, mas ainda estou no aguardo.”

Sob a ótica oficial

Apesar das reclamações, a prefeitura está avaliando o projeto como “bastante positivo”.

“Esse modelo é diferente do que existia anteriormente, e temos percebido grande aceitação entre os cariocas”, sublinha Carlos Roberto Osório, secretário municipal de Conservação e Serviços Públicos. “Esperamos estimular ainda mais a utilização da bicicleta como um meio de transporte modal na cidade, disponibilizando estações concentradas em pontos estratégicos e uma tarifa de aluguel mais barata. Além disso, as novas travas e pinos de fixação reforçam o sistema de segurança, para dificultar o furto das bicicletas. Outro fator importante é que a tecnologia utilizada é muito melhor e mais eficiente.”

As estações da Bike Rio ainda se concentram na Zona Sul e pontos turísticos. A ideia é expandir para outras áreas da cidade mas, para isso, precisa aumentar a malha cicloviária.

“Estamos em fase de análise para as próximas etapas”, informa Osório. “A Prefeitura do Rio está aumentando a malha cicloviária e vamos dobrá-la até o final do ano que vem, chegando a 300 quilômetros, de forma integrada e planejada. A implantação do projeto Bike Rio, com tecnologia de ponta, vai nos ajudar a incentivar ainda mais o uso das bicicletas. Com isso, além da questão da mobilidade urbana, estamos trabalhando também em prol da sustentabilidade. Esperamos que outras cidades sigam o exemplo do Rio.”

* Publicado originalmente no site Opinião e Notícia.