São Salvador de Bahamas, Bahamas, agosto/2012 – Algum dia será necessário refletir sobre o impacto da queda do Muro de Berlim, tanto no mundo dos vencedores como no dos vencidos.
Os vencedores do comunismo foram os políticos, que tinham à disposição a força militar e as novas tecnologias. As corporações tiveram um papel fundamental, mas indireto até então. E os defensores do Ocidente daquela época (estamos falando de 1988), apresentavam como modelo um capitalismo que hoje está em vias de extinção.
Esse capitalismo havia se confrontado com as lutas sociais que se seguiram à Revolução Industrial e incorporara progressivamente valores como justiça social, participação e democracia na base da organização social. Um capitalismo que aceitara os sindicatos, os acordos entre sindicatos e empresas, e o trabalho como um direito fundamental.
No começo de julho, David Brooks, comentarista do conservador The New York Times, saiu em defesa do “capitalismo moderno”, observando que a cobiça é um forte estímulo para o sucesso. Afirmou que, se foram deslocados centenas de milhares de postos de trabalho, é porque o “capitalismo moderno” tem uma visão global, não meramente nacional.
Isto implicou a criação de outros tantos postos de trabalho em países do Terceiro Mundo, o que é objetivamente um resultado de profundo significado social. Segundo Brooks, o capitalismo moderno continua sendo o único motor da história.
Este tipo de lógica seria impensável antes da queda do Muro de Berlim. A ninguém ocorreria elogiar a cobiça e apresentar como uma ideia positiva a eliminação de milhões de postos de trabalho, em nome de maiores lucros para as empresas. O fato de isto ser lido em um jornal respeitável demonstra como o mundo está mudando.
O motor do “capitalismo moderno” é a finança, não a indústria. A indústria foi o motor do velho capitalismo. Em um breve período os capitais se concentraram nas finanças para obter maiores ganhos do que com a indústria.
É ilustrativo saber que, em 2010, o valor médio da produção mundial de bens e serviços em um dia era de quase US$ 1 trilhão, enquanto no mesmo período as transações financeiras chegavam a US$ 40 trilhões. As transações quadruplicaram entre 2004 e 2010.
A incapacidade da política para controlar as finanças é a razão da força avassaladora do “capitalismo moderno”. Longe de defender e aplicar as constituições, a política se converteu em um instrumento a serviço dos mercados. Não sei quanto notaram, mas até agora nenhuma fraude do sistema financeiro levou à prisão um banqueiro (recordo que Bernard Madoff era um indivíduo, não um banco).
Como é notório, o último grande escândalo, a manipulação da taxa interbancária Libor, revelou uma associação ilícita entre um seleto grupo de bancos.
Um deles, o inglês Barclays, foi multado em US$ 450 milhões. Seu executivo chefe, Bob Diamond, que havia declarado no inverno passado que “já é hora de se deixar de atacar os banqueiros”, teve que se demitir. E, embora não agrade ao senhor Diamond, em lugar de “bankers”, volta a ser utilizado o termo “bankster”, que esteve no auge durante a Grande Depressão de 1929.
Um presidente democrata daqueles tempos, Franklin D. Roosevelt, introduziu férreas regras sobre as finanças, que foram abolidas, uma após outra, começando com as desregulamentações do presidente Ronald Reagan, para culminar em 1999, quando o presidente Bill Clinton cancelou a lei Glass-Steagall de 1933 sobre separação de bancos comerciais e de investimentos.
O grave problema atual, ao contrário da época da Revolução Industrial, é que o sistema político, o fiel das constituições, perdeu legitimidade, especialmente entre os jovens. e a cada dia se subordina em maior grau às finanças.
A campanha eleitoral norte-americana deste ano passará dos US$ 4 bilhões. E o candidato republicano Mitt Romney tem um tesouro de guerra superior ao do presidente Barack Obama. Isto foi facilitado porque uma decisão da Suprema Corte permite que as corporações façam doações ilimitadas.
Se a política não voltar a se fundamentar em valores, entraremos em uma era de populismo, com tristes perspectivas. Os partidos de direita ou de evasão ganham espaço na Europa, desde o caso da Hungria ao partido dos piratas na Alemanha ou ao de Beppe Grillo na Itália.
A deriva direitista do Partido Republicano nos Estados Unidos, sob a influência do Tea Party, é muito maior do que a de George W. Bush sob a influência dos neoconservadores.
Bush tinha como ideologia o sonho americano, Romney a ideologia das elites financeiras e religiosas mais conservadoras. Se vencer as eleições, poderemos esquecer de tentar atenuar a mudança climática, que para ele não é um problema real, mas uma conspiração contra as empresas de petróleo.
Os detalhes da vida diária são janelas para a sociedade. Descobre-se agora que supermercados, restaurantes e bares estão aumentando os decibéis da música de fundo porque se comprovou que quanto mais barulho mais os clientes consomem.
Um estudo publicado pela revista Alcoholism: Clinical & Experimental Research demonstra que, em um bar com a música em 72 decibéis, os clientes consumiam uma média de 2,6 copos, em 14,5 minutos cada um. Se o volume da música aumentasse para 88 decibéis, a média aumentava para 3,4 copos, e cada em apenas 11,5 minutos.
Por exemplo, o restaurante Beaumarchais’, de Nova York, coloca a música em 99 decibéis e as mesas são liberadas mais rapidamente. Segundo as leis norte-americanas de proteção ao trabalhador, nesse nível não se permite mais do que 19 minutos sem proteção acústica.
“Estamos manipulando? Certamente”, afirmou Jon Taffer, dono de restaurantes, consultor sobre a vida noturna e apresentador do reality show Bar Rescue (Salvando Bares). “Meu trabalho é enfiar minha mão no seu bolso tão fundo quanto você gosta. É um negócio de manipulação”, ressaltou.
O “capitalismo moderno” está chegando aos bares, aos restaurantes e às lojas. Não é algo apenas da City ou de Wall Street. Envolverde/IPS
* Roberto Savio é fundador e presidente emérito da agência de notícias IPS (Inter Press Service) e editor do Other News.