Repressão russa açoita a Crimeia

Um cartaz mostrado por partidários pró-russos durante manifestações em Simferopol: “Crimeia contra o nazismo”. Foto: Alexey Yakushechkin/IPS
Um cartaz mostrado por partidários pró-russos durante manifestações em Simferopol: “Crimeia contra o nazismo”. Foto: Alexey Yakushechkin/IPS

 

 

 

Kiev, Ucrânia, 15/3/2014 – A Crimeia enfrenta uma onda de abusos dos direitos humanos, com sequestros de jornalistas e ativistas, assédio contra minorias não russas e perseguições de quem for considerado simpatizante do pró-europeu governo da Ucrânia, afirmam organizações da sociedade civil. Segundo ativistas, essa região autônoma ucraniana, agora sob controle dos militares russos, vive uma escalada de violência e repressão antes do referendo do dia 16, no qual se decidirá seu futuro.

Marina Tsapok, porta-voz da Associação de Observadores dos Direitos Humanos na Ucrânia, disse à IPS: “Há pessoas sequestradas e desaparecidas. A situação está piorando, é completamente ilegal e prevemos ainda mais violência, tanto antes quanto depois do referendo”.

Organizações de direitos humanos temem uma ofensiva contra os potenciais opositores à secessão da Crimeia. As autoridades da região deixaram claro seu desejo de se integrar à Rússia. O apoio pró-russo entre a população local, da qual 60% são de origem russa, é forte.

A propaganda de Moscou contra o novo governo ucraniano – o qual retrata como uma entidade formada ilegalmente e liderada por fascistas e neonazistas que querem destruir o país – ajudou a fomentar não só o sentimento pró-independência, como também a antipatia com relação aos partidários de uma Ucrânia unificada.

Em manifestações realizadas nos dias 15 e 16, ativistas pró-ucranianos foram selvagemente golpeados por milicianos pró-russos. Em um incidente, mais de cem homens reprimiram um grupo de mulheres que fazia um protesto pacífico diante da sede da Marinha ucraniana em Simferopol, a capital da Crimeia, contra a intervenção militar russa.

Muitos desses episódios passaram despercebidos ou sem castigar por parte da polícia, alimentando temores de que agora os grupos pró-russos possam violar os direitos humanos com total impunidade. Também há informes de

imprensa sobre ucranianos na Crimeia que não queriam sair de suas casas por medo de serem atacados por grupos pró-russos.

No entanto, os pró-ucranianos da Crimeia não são os únicos que sofrem intimidação. Ativistas e jornalistas que tentam registrar os fatos também são tomados por alvos. O serviço de informação Euromaidan, que cobre supostos abusos dos direitos humanos, afirmou que nos últimos dias houve uma crescente quantidade de sequestros. Euromaidan é o nome como ficaram conhecidos os protestos dos últimos meses no centro de Kiev.

Tsapok também disse à IPS que no dia 12 foi informado o desaparecimento de cinco pessoas, que se acredita estarem sequestradas. Quatro delas eram ativistas pelos direitos humanos e a outra um ex-oficial militar. Apenas horas depois, outras cinco pessoas, entre elas jornalistas e ativistas, foram encontradas com vida após serem sequestradas. Outros denunciam que foram ameaçados de morte por tentar fotografar soldados e homens armados mascarados do lado de fora de prédios militares e civis.

Além disso, a minoria étnica maior da península, os tártaros, também estão sob ameaça. Trata-se de um povo turco muçulmano que viveu na região durante séculos, até serem expulsos em 1944. Mais de dois mil foram enviados para campos de trabalho na Ásia central quando o líder soviético Josef Stalin os acusou de colaboração com os nazistas durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Quase 40 mil deles

Cidadãos russos ocuparam seus lugares na Crimeia, e os tártaros só puderam regressar à península quando a União Soviética começou a se desintegrar, na década de 1990. Os tártaros denunciam que suas comunidades têm cada vez mais medo de ataques de grupos de autodefesa pró-russos, que, segundo afirmam, perambulam pelas ruas à noite. Segundo eles, pela manhã se encontra cruzes brancas pintadas nas portas de suas casas. Por medo, formaram seus próprios esquadrões de autodefesa, que controlam áreas com populações tártaras, enquanto outros protegem mesquitas.

“Esses informes sobre marcas nas casas de pessoas tártaras, ou de que retiram seus passaportes para usá-los no referendo, além dos sequestros e de outros abusos dos direitos humanos que estamos vendo, mostram o quanto as coisas estão mal. E, pelo que podemos ver, só estão piorando”, disse à IPS Heather McGill, pesquisadora da Anistia Internacional.

A previsão era de que o referendo apoiaria a adesão da Crimeia à Rússia, e com isso o Kremlin terá firme controle da península. Isso apresenta dúvidas quanto a que as novas autoridades da Crimeia adotem a mesma política de direitos humanos de Moscou, muito condenada pela comunidade internacional.

“É muito difícil prever como serão as coisas (em matéria de direitos humanos) na Crimeia se o resultado da votação for de apoio à integração à Rússia. Mas eu apostaria que a situação será pior do que agora”, declarou McGill à IPS na semana passada.

Enquanto isso, em Kiev, onde o novo governo ucraniano continua trabalhando com líderes do Ocidente para encontrar uma solução para a crise na Crimeia, ativistas pelos direitos humanos temem o pior para suas organizações sociais na península, bem como para as perspectivas das liberdades civis e dos direitos básicos nessa região.

Tsapok previu à IPS que, “chegado o dia 16, os russos tomarão o controle e seu exército provavelmente mudará todo o funcionamento da Crimeia. Só pode haver mais protestos e mais violência”. Ela também exortou os ativistas pelos direitos humanos e a imprensa independente em todas as partes a garantirem que as violações dos direitos humanos na Crimeia continuem sendo informadas e vigiadas.

Há alguns dias, à ponta de pistola, observadores internacionais de direitos humanos foram impedidos de entrar na Crimeia. Membros de unidades locais de “autodefesa”, que controlam as estradas de entrada na península, obrigaram uma equipe da Organização para a Segurança e a Cooperação na Europa a retroceder.

A situação na Crimeia “afeta a todos. É a atual fronteira entre a legalidade e o caos, entre as notícias e a propaganda, entre a civilização e a selvageria medieval”, advertiu Tsapok. “Digo a todos os meus amigos: por favor, divulguem informação sobre a situação na Crimeia, sobre ataques a jornalistas, sequestros de ativistas da sociedade civil, o referendo à ponta de pistola. As pessoas não deveriam permanecer indiferentes; amanhã essas coisas terríveis podem acontecer a mais alguém”, enfatizou. Envolverde/IPS