TERRAMÉRICA – Neve do Riachuelo argentino começa a se desfazer

Os trabalhos de limpeza e reflorestamento podem ser vistos na margem do Riachuelo, na zona de Nueva Pompeya, na capital. Foto: Juan Moseinco/IPS

A paisagem de “turvo ancoradouro” do tango Neve do Riachuelo, sobre o rio argentino que se fez sinônimo de poluição, está dando lugar a margens limpas e reflorestadas.

Buenos Aires, Argentina, 6 de fevereiro de 2012 (Terramérica).- Pela primeira vez em mais de 200 anos, a limpeza da bacia do Rio Matanza-Riachuelo, a mais tóxica da Argentina, começa a dar resultados, embora sejam mais superficiais do que de fundo. “Há progressos, com a reserva de que vamos muito devagar e há coisas que ainda não são feitas, mas o balanço é positivo”, declarou ao Terramérica o presidente da Associação de Moradores de La Boca, Alfredo Alberti. Seu bairro, no sudeste da Cidade Autônoma de Buenos Aires, deve seu nome à desembocadura do Riachuelo no Rio da Prata.

O rio de cheiro horrível percorre 64 quilômetros, boa parte no nordeste da província de Buenos Aires, onde se chama Matanza, e muda seu nome para Riachuelo quando se converte no limite sul da capital federal com o território de Buenos Aires para desaguar no estuário do Prata. Sua bacia tem 2.240 quilômetros e inclui 232 riachos. Nela vivem cerca de cinco milhões de pessoas, 55% sem vasos sanitários e 35% sem água potável, segundo a Fundação Ambiente e Recursos Naturais (Farn)

Estima-se que cerca de 12 mil indústrias de hidrocarbonos, químicas, curtumes, frigoríficos e metalúrgicas despejem em suas águas seus esgotos de metais pesados como mercúrio, chumbo, cromo, entre outros venenos. “Desde o final de 2010, avançou-se na limpeza das margens, na remoção de embarcações afundadas e no reassentamento de moradores da margem contaminada”, afirmou ao Terramérica o ativista Andrés Nápoli, da Farn.

De fato, já se vê limpas as margens de 35 metros em cada lado que haviam sido ocupadas por indústrias, casas precárias e barracas de feiras e mercados. Em janeiro foram retirados dez mil comerciantes informais da área. Nessas ribeiras, recuperadas como espaços públicos, foram erradicados 30 lixões – de um total de 117 –, plantou-se árvores e está sendo aberta uma rua para o tráfego por uma área até há pouco impenetrável.

Contudo, é muito lenta a identificação e inspeção de empresas que contaminam. Há demoras na apresentação de planos de reconversão que cada firma deve fazer, embora sejam oferecidos créditos acessíveis para isso. Das 12 mil empresas contaminantes que se estima existirem, 400 apresentaram planos de reconversão e 360 foram fechadas por não apresentá-los, segundo o presidente executivo da Autoridade da Bacia Matanza-Riachuelo (Acumar), Oscar Deina.

O funcionário garantiu, em um programa de televisão, que o compromisso é “não trocar saúde por trabalho”, um dilema que se apresentava até agora às autoridades, que evitavam fechar empresas para não causar demissões e impactos no nível de emprego. Tampouco houve progresso no cuidado com a saúde da população afetada, destacou Andrés. Dados oficiais indicam que cerca de 400 mil pessoas precisam de atenção médica por viverem na área mais gravemente contaminada e não podem esperar que acabe a limpeza do rio, advertiu o ativista.

A Farn coordena o Espaço Matanza-Riachuelo, que agrupa entidades ambientais e de moradores dedicadas a fiscalizar o cumprimento do plano de limpeza determinado pelo Supremo Tribunal de Justiça da Nação, em uma histórica sentença de julho de 2008. Devido a uma denúncia de 114 moradores, o Tribunal convocou audiências com funcionários, empresários e outros atores e depois deu prazo ao Estado para apresentar um plano de limpeza definitiva da bacia.

Esse plano foi colocado em marcha pela Acumar, criada para isso e na qual estão representadas as três jurisdições envolvidas: governo federal, governo da província de Buenos Aires e o da capital argentina. Para financiar os trabalhos, estimados em US$ 1,5 bilhão em 2009, o Banco Mundial concedeu naquele ano empréstimo de US$ 840 milhões para obras de fornecimento de água, instalação de vasos sanitários, estações de tratamento e de bombeamento, reconversão de indústrias, ordenamento territorial e fortalecimento da autoridade de controle.

No entanto, as obras de saneamento ainda não começaram, nem há desembolsos “por questões burocráticas”, denunciou Andrés. Ambientalistas e moradores concordam que a limpeza do rio, um assunto quase sem responsáveis há pouco mais de uma década, progrediu com a criação e consolidação da Acumar. Contudo, se avançou graças à decisão do Tribunal, que estabeleceu prazos e encarregou da execução de sua sentença o juiz federal Luis Armella.

“É um juiz trabalhador e insistente, que, em lugar de multar os que não cumprem o determinado, vai ao local, convoca reuniões e busca soluções”, elogiou Alberti. “Houve melhoras no espelho de água, mas o leito continua contaminado”, recordou. Também disse que os moradores da região são “reféns de disputas políticas” entre as autoridades representadas na Acumar e que não têm a mesma cor partidária. Isto atrasa obras importantes como as novas moradias.

Das 1.500 famílias que vivem às margens do Riachuelo, 20% já foram transferidas, segundo Andrés. Assentamentos completos foram levados para bairros novos levantados no distrito de Lanús, em Buenos Aires. Entretanto, o Greenpeace Argentina, também integrante do Espaço Matanza-Riachuelo, tem outra perspectiva. Segundo a organização, ainda que se consiga que todas as empresas cumpram as normas sobre proporção de lançamento de tóxicos no rio, este continuará envenenado, porque os tetos contemplados pela lei não se ajustam à topografia e às características do Riachuelo.

Por ser um rio de planície, quase um lago pela mansidão de suas águas, não pode receber o mesmo volume de fluidos tóxicos que um rio com maior volume de água ou que desce uma montanha, explicou a ativista Consuelo Bilbao, do Greenpeace. É preciso chegar a “zero lançamento”, afirmou. O Greenpeace trabalha com a Acumar na adoção de pautas progressivas, que sejam cada vez menos permissivas. No momento, o objetivo é que pelo menos a lei seja cumprida.

*A autora é correspondente da IPS.

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Fundação Ambiente e Recursos Naturais, em espanhol

Corte Suprema de Justiça da Nação, em espanhol

Autoridade da Bacia Matanza-Riachuelo, em espanhol

Greenpeace Argentina, em espanhol

Artigo produzido para o Terramérica, projeto de comunicação dos Programas das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e para o Desenvolvimento (Pnud), realizado pela Inter Press Service (IPS) e distribuído pela Agência Envolverde.