Por Arie Halpern*
O hidrogênio é tido há muito como candidato a substituir os derivados de petróleo no tanque dos veículos motorizados. Agora, graças a avanços que reduziram drasticamente o custo de sua aplicação, essa possibilidade tornou-se palpável. A indústria automobilística e a do petróleo, que estão no banco dos réus das mudanças climáticas, serão o palco dessa disruptura.
Há 1,1 bilhão de veículos automotores no mundo, dos quais 95% são abastecidos com derivados de petróleo. Eles são responsáveis por 14% da emissão global de gases do efeito estufa. Nos Estados Unidos essa contribuição chega a 28%. E a cada ano cerca de 90 milhões de veículos chegam ao mercado.
Com o crescimento dos países emergentes, aumenta o acesso da população ao carro próprio, agravando o problema. A frota brasileira de veículos automotores dobrou em uma década, ultrapassando, em 2014, a marca de 41 milhões de unidades. Nesse período, o volume de emissões do transporte de cargas e de passageiros, em toneladas de CO2, aumentou 56%, enquanto o total de emissões no país diminuía 43% (veja em http://plataforma.seeg.eco.br).
A indústria automobilística sabe que entrou na contramão do desenvolvimento sustentável. O alarme diante das mudanças climáticas soou tão alto que, em Paris, pela primeira vez, uma conferência mundial sobre o clima terminou em consenso, com todos os países comprometendo-se com metas de redução das emissões e medidas para conter o aquecimento global.
Acuados por uma legislação cada vez mais restritiva, os fabricantes de veículos investiram em tecnologia para reduzir as emissões dos motores a combustão, o que minimiza mas não resolve a questão. Passaram a desenvolver produtos alternativos – veículos totalmente elétricos, os híbridos e os que utilizam o hidrogênio.
Ao lançar o Mirai, a Toyota dobrou a sua aposta no hidrogênio. O Estado da Califórnia foi a praça escolhida para o lançamento fora do Japão porque há um compromisso do governo e de fornecedores locais em criar uma infraestrutura de pontos de abastecimento (o que no Japão já vem sendo feito). Hyundai, Honda (em parceria com GM), e Nissan (com Daimler e Ford) também têm modelos a hidrogênio, mas ainda não são oferecidos ao consumidor comum.
Os carros a hidrogênio são, na realidade, carros elétricos. Com a particularidade que carregam suas baterias com a energia extraída da reação do hidrogênio com o oxigênio em poucos minutos. Não precisam ficar horas na tomada para recarregar – uma das principais limitações dos carros 100% elétricos. O hidrogênio fica comprimido em tanques ou células, o que garante ao veículo autonomia semelhante à dos veículos a gasolina. E funcionam bem mesmo em veículos pesados.
Como toda inovação, o carro a hidrogênio tem de romper algumas barreiras. Uma delas é a necessidade de criar do zero a infraestrutura de abastecimento. Outra diz respeito à produção do hidrogênio. Atualmente ele é extraído, em sua maior parte, do gás natural, o que contribui para a emissão de CO2. Isso reduz o ganho ambiental proporcionado pelo seu uso no veículo. A boa notícia é que existem processos limpos e sustentáveis para a produção de hidrogênio, a partir de gases extraídos do lixo e de dejetos, por exemplo.
Muitos duvidam da disposição da indústria em promover a disruptura. É possível mesmo que o marketing tenha andado à frente dos fatos. Mas essa distância entre o discurso e o gesto está se encurtando. Olhando para o futuro, os fabricantes sabem que uma mudança será irreversível e que precisam se mexer. Ou bem para não perder o bonde da história, ou bem para tentar ditar o padrão da nova era. (#Envolverde)
* Arie Halpern é diretor da Gauzy Technologies e autor do blog Disruptivas e Conectadas.