O primeiro evento nacional pós-COP 21 em Fortaleza reuniu especialistas e autoridades públicas para discussão e troca de experiências.
Por Reinaldo Canto*
Já se tornou célebre a expressão de que as pessoas não moram nos países ou nos estados, mas nas cidades. Pois bem, o significado disso é que muitas das soluções para boa parte dos problemas devem partir do cenário local.
Em relação às mudanças climáticas, o papel das cidades reveste-se de importância crescente, afinal, nunca fomos tão urbanos. De acordo com a Organização Mundial de Saúde, 54% dos habitantes do planeta viviam em cidades em 2014 e a tendência é de aumento constante. Além disso, 70% das emissões totais dos gases de efeito estufa causadores do aquecimento global são oriundos de cidades.
No mais, o que acontece no planeta possui claras consequências locais. Basta atentar para o aumento de tufões, enchentes, estiagens e rigorosas ondas de calor enfrentadas pelas populações de municípios, registrados de norte ao sul do país, implicando em sofrimento e impactos a qualidade de vida das pessoas.
Após a histórica Conferência do Clima (COP 21) realizada em Paris no final do ano, que definiu os rumos para evitar que a temperatura do planeta exceda 1,5ºC, foi realizado na semana passada o primeiro evento em escala nacional pelo ICLEI – Governos Locais pela Sustentabilidade, em Fortaleza, capital cearense.
A II Jornada sobre Cidades e Mudanças Climáticas, reuniu ambientalistas, especialistas nacionais e internacionais, além de autoridades públicas, como prefeitos, secretários municipais e representantes de governos estaduais e do governo federal.
Não foi à toa que esse evento foi realizado no Nordeste, em especial no Ceará, estado que tem enfrentado nos últimos anos uma das estiagens mais severas já registradas em sua história.
Para Pedro Jacobi, presidente do Secretariado para América do Sul do ICLEI, o papel dos governos é essencial. “Governos municipais e estaduais são atores essenciais para implementação de ações transformadoras no ambiente urbano”.
Jacobi considerou o encontro fundamental para compartilhar experiências, resultados e instrumentos. Ele também lembrou da oportunidade de discutir o assunto em ano de eleições municipais pois é uma maneira de “fazer com que o tema das mudanças climáticas faça parte da agenda dos candidatos”.
Carlos Rittl, secretário-executivo do Observatório do Clima, um dos maiores especialistas em mudanças climáticas do Brasil, destacou o crescente engajamento de governos locais: “Começamos a ver algumas prefeituras tomando à frente em ações, fazendo inventários de emissões de gases de efeito estufa e discutindo o que pode ser feito para garantir a qualidade de vida da população tão impactada pela intensificação dos desastres naturais”.
Um dos pontos mais importantes do encontro foi apresentar os compromissos dos representantes de cidades que compõem o Compacto de Prefeitos, aliança mundial de autoridades locais para reduzir as emissões de gases de efeito estufa e enfrentar em suas cidades os efeitos das mudanças climáticas.
Uma das experiências que chamou atenção foi a apresentada pelo secretário do Verde, Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Campinas, Rogério Menezes, presidente da Associação Nacional dos Órgãos Gestores Municipais de Meio Ambiente (ANAMA).
A proposta da cidade paulista para os outros municípios brasileiros é o de tirar as questões ligadas ao meio ambiente e da sustentabilidade do “gueto”, ou seja, colocar o tema separado das outras questões de interesse público.
Menezes afirmou que tudo se resume a uma questão de governança. “Por meio de metas e indicadores de sustentabilidade trabalhamos nos últimos anos com todos os setores do governo de maneira transversal e não como política setorial, mas que faz parte do planejamento estratégico do governo”.
Nesse sentido, Menezes disse que foi possível alcançar 100% de capacidade instalada da rede de esgoto e estabelecer um plano de construção de 189 km de ciclovias no município que conta com mais de 1 milhão de habitantes, entre outras ações, que envolveram uma série de secretarias e órgãos da prefeitura.
Para o secretário de Campinas, é preciso que o administrador público tenha uma visão antenada com as necessidades do novo milênio e, “não com a cabeça no Século XX de simples construção de obras”. Apesar do cenário de catástrofes e fenômenos climáticos extremos, “a visão ainda é antiquada, apesar dos bons exemplos que tem surgido”.
Essa é a opinião de Marcio Lacerda (PSB-MG), prefeito de Belo Horizonte e presidente da Federação Nacional de Prefeitos, presente ao encontro de Fortaleza, segundo ele, a questão da sustentabilidade e das mudanças climáticas faz parte mais da agenda das cidades maiores. “Nas pequenas, a agenda dos prefeitos ainda é muito pressionada pelas demandas do dia a dia”.
Lacerda também ressaltou que, ”questões sobre saneamento, áreas verdes, resíduos sólidos e transporte são parte de um conjunto muito grande de ações que podem ser tomadas localmente e não dependem de políticas nacionais”. De qualquer maneira, o prefeito de Belo Horizonte ressaltou ser importante uma coordenação nacional que garanta um maior sucesso dessas ações.
Durante a COP de Paris, o Brasil foi um dos países que apresentou algumas das metas mais ambiciosas. Para que possa cumpri-las, será necessário um amplo envolvimento, envolvendo as esferas maiores e menores dos governos, a participação da iniciativa privada e o engajamento da sociedade como um todo. Esse é um desafio enorme, pois ainda existe um amplo desconhecimento sobre o que significa essa tal mudança climática.
A falta de entendimento a respeito de sua urgência para o futuro da humanidade talvez seja o grande risco que o inédito acordo de Paris esteja correndo, pois ele depende agora do trabalho de todos, sem exceção. (Carta Capital/ #Envolverde)
* Reinaldo Canto é colunista do site de Carta Capital e foi enviado especial do Portal Envolverde para fazer a cobertura do evento.