Por Desmond Brown, da IPS –
Georgetown, Guiana, 7/3/2017 – A descoberta de petróleo na Guiana poderá ser um dilema para o país, porque a Comunidade do Caribe (Caricom) e outros pequenos Estados insulares pressionam para limitar a emissão de gases-estufa e, dessa forma, manter sob controle o aumento da temperatura global, conforme estabelece o Acordo de Paris. A empresa petroleira Exxon Mobil anunciou, em janeiro deste ano, a perfuração de um poço de exploração em águas profundas, que poderia confirmar que o fundo marinho da Guiana contém uma das mais ricas jazidas de petróleo e gás natural descobertos em décadas.
Os especialistas calculam que somente uma das jazidas offshore, conhecida como Liza, poderia conter 1,4 bilhão de barris de petróleo e mistura de gás natural. Mas, em vista da mudança climática exacerbada pelas emissões de gases-estufa, Al Binger, diretor executivo interino do Centro de Energia Renovável e Eficiência Energética do Caribe, advertiu que a Guiana não deveria se entusiasmar muito com a descoberta.
Binger afirmou à IPS que “a Guiana se encontra dentro da Aliança de Pequenos Estados Insulares (Aosis), o grupo que luta para manter as temperaturas abaixo de 1,5 grau e agora vai querer vender carbono para queimar. Penso que terá que ponderar isso muito bem. E isso é uma benção ou uma maldição”. “Se agora encontrar uma grande quantidade de petróleo, e se, para manter as temperaturas baixas, basicamente estamos dizendo não aos combustíveis de carbono, então, a quem vai vender?”, questionou.
“Não sei quanto poderá vender, porque procura cumprir os requisitos das Contribuições Previstas Determinadas em Nível Nacional (INDC) para manter a temperatura abaixo de 1,5 grau”, apontou o especialista. Países de todo o mundo adotaram um histórico acordo climático internacional, na 21ª Conferência das Partes da Convenção Marco das Nações Unidas sobre Mudança Climática, realizada em Paris em dezembro de 2015. As INDC são as medidas climáticas posteriores a 2020 que os países têm a intenção de levar a cabo.
As medidas climáticas comunicadas nessas INDC determinarão em grande parte se o mundo conseguirá alcançar os objetivos de longo prazo do Acordo de Paris, ou seja, manter o aumento da temperatura média abaixo de dois graus, continuar o esforço para limitar o aumento a 1,5 grau e conseguir zero emissão na segunda metade deste século. O lema da Aosis é “1,5 para continuarmos vivos”, indicando que representa o nível de aquecimento global além do qual muitos pequenos Estados insulares vulneráveis serão açoitados por consequências climáticas severas.
As descobertas científicas baseadas em cenários de baixas emissões – também estudados pelo Grupo Intergovernamental de Especialistas sobre Mudança Climática em seu quinto informe de avaliação – mostram que é tanto física como economicamente possível limitar o aquecimento a menos de 1,5 grau até 2100, depois que se superar temporariamente esses níveis nos anos 2050, embora se mantendo abaixo de dois graus.
Binger afirmou que manter o aquecimento abaixo de dois graus exige uma ação rápida para limitar o nível de ação nos próximos dez anos a 1,5 grau. “Pois, se houver muito carbono, o que faremos com ele? Continuamos emitindo carbono e agora estamos chegando ao ponto em que praticamente não podemos emitir mais, porque não há mais espaço para ele se quisermos permanecer em temperaturas nas quais possamos sobreviver”, alertou.
Com aumento de temperatura média abaixo de um grau, algumas pequenas ilhas já experimentam impactos que incluem a severa erosão da costa, invasão de água salgada, degradação do habitat marinho e fortes tempestades tropicais. Binger explicou que limitar o aquecimento a menos de 1,5 grau até 2100 requer uma produção de gases-estufa de 70% a 95% em relação aos níveis de 2010 a 2050. Isto é consideravelmente maior do que os 40% a 70% necessários para manter a dois graus até 2050.
As emissões totais de gases-estufa têm de alcançar zero global entre 2060 e 2080 para atingir um aumento de 1,5 grau, comparado com os dois graus entre 2080 e 2100. “Se temos que descarbonizar e precisamos chegar a zero combustíveis emissores de carbono, então o único carbono que poderíamos queimar seria uma porção do que capturamos”, ressaltou Binger.
Em novembro de 2009, a Guiana fez um trato com a Noruega pelo qual receberia até US$ 250 milhões durante cinco anos se mantivesse baixo seu índice de desmatamento. Foi a primeira vez que um país industrializado, consciente de suas próprias emissões de dióxido de carbono, pagava a um país em desenvolvimento para que mantivesse suas árvores na terra. Com essa iniciativa – desenvolvida pela Organização das Nações Unidas, chamada Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação de Florestas (REDD+) –, o país pode continuar cortando árvores sempre e quando sua biodiversidade estiver protegida.
A Guiana é um dos países mais pobres da região e suas autoridades pretendem melhorar a economia com a produção de petróleo, que esperam iniciar por volta de 2020. Os primeiros cálculos de especialistas, sobre quanto petróleo o país poderia ter, indicam mais de quatro bilhões de barris, que a preços atuais valeriam US$ 200 bilhões. Envolverde/IPS