Ambiente

Dependência do IPCC dos EUA coloca em risco o futuro do órgão

por Júlio Ottoboni, especial para Envolverde – 

A saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris esbarra em questões mais profundos que afetam a própria sobrevivência do braço científico do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas ( IPCC), das Nações Unidas. Os EUA vinham sendo o maior colaborador do órgão tanto na parte financeira como na produção científica sobre as alterações do clima de efeito antrópico.

Para a vice-presidente do IPCC, a cientista brasileira Thelma Krug, a situação também passou os níveis de preocupante para alarmante.  Os 195 países vinculados o IPCC, apenas 24 colaboravam com o fundo que mantém o órgão em funcionamento, entre os quais estavam os EUA. Deste investimento,  44% da arrecadação vinham dos cofres norte americanos.  O governo brasileiro é um dos 172 inadimplentes com o suporte financeiro do painel.

A falta de visão estratégica, de relevância e emergência da situação tem provocado números dantescos. Os desastres naturais em duas décadas mataram mais 1,3 milhão de pessoas e geraram US$ 2,5 trilhões de prejuízos, segundo  dados da ONU.

Uma questão, no entanto, não é consenso no meio científico e gera enormes dúvidas. Trata-se de ‘ponto de não retorno’, quando o clima literalmente toma os extremos climáticos como seu padrão de comportamento e esquece seu passado. Para o pesquisador do INPE e criador do Cptec, Carlos Nobre, isso já ocorreu na década de 80 e as mudanças estão em curso e se acelerando enquanto os governos dos países  discutem o sexo dos anjos.

Secretary Tillerson and President Trump Pose for Photo With U.S. and R.O.K. Troops U.S. Secretary of State Rex Tillerson and President Donald J.

O IPCC não tem uma posição definida sobre o assunto, altamente polêmico.  Mas dá indicativo claros no sentido que  as apostas estão fechadas quanto a dificuldade em se restabelecer uma condição climática semelhante há existente até a primeira metade do século passado. O IPCC admite que em vários países e localidades já terem visíveis os impactos do aquecimento global, inclusive superando em muito os próprios prognósticos feitos e apresentados nos relatórios técnicos.

Thelma Krug, pesquisadora do INPE

Pesquisadora de carreira do Inpe e com um dos currículos mais completos entre os cientistas latino americanos, Thelma Krug reconhece que a produção acadêmica e dos órgãos de pesquisas norte americanos são essenciais para as previsões e na elaboração dos relatórios. Mas isso também deve minguar. Os EUA também detinham a liderança neste aspecto junto ao IPCC. Uma dependência que pode ser fatal. Pois Trump vem cortando linhas de financiamento para qualquer estudo voltado ao setor das mudanças climáticas.

“O IPCC não faz pesquisa, mas catalisa a produção científica. Temos um relatório para apresentar até outubro de 2018 que precisa ser finalizado e avaliado sobre a redução de 70% das emissões até 2050. Estamos hoje buscando produções que não precisam ser necessariamente publicadas, isso indica o esforço enorme que vem sendo feito. Esse processo é dinâmico no qual a ciência passa a informar os governos para que possam reagir de acordo com sua consciência”, comentou a cientista em tom de desabafo.

Trump sofreu, inclusive dentro de seu país, uma forte pressão da comunidade científica para manter os EUA dentro do painel da ONU. Mas os lobistas das grandes corporações em segmentos nos quais o país assentou sua economia, venceram.  Essa é a opinião da professora de relações internacionais da FAAP e especialista em EUA, Fernanda Magnotta. Como fez parte dos ‘observadores internacionais’ nas campanhas eleitorais de 2016 nos Estados Unidos, pode acompanhar pessoalmente o discurso e a personalidade do atual presidente.

“Ele governa por tática e não por estratégia, tem um perfil messiânico e autoritário. Trump conseguiu ser bem sucedido por colocar uma promessa de campanha que não só questionava as mudanças climáticas como a desqualificava. O Obama criou via decreto um alinhamento com o acordo climático, o Trump tenta desfazer de todas as maneiras esse legado. O acordo tem prerrogativas jurídicas que devem demorar até 4 anos para serem julgadas, mas não o impossibilita de suspender o envio de verba para o fundo do clima”, ressaltou Magnotta.

Petróleo, militares e indústria bélica 

Estima-se que  existam 800 bases americanas no exterior. A ajuda para manter esta enorme pegada militar em todo planeta consome diretamente US$ 100 bilhões por ano e investimentos de R$ 650 bilhões ao ano. A maioria destas unidades militares está em países produtores de petróleo. O gasto anual em importação de petróleo pelos EUA é de US$ 45 bilhões, algo próximo à casa dos 430 milhões de barris que necessita trazer, principalmente do Oriente Médio, para suprir sua demanda anual.  Um valor 66% menor que o aparato para manter suas tropas espalhadas pelo mundo.

Para alguns especialistas do setor, os EUA investem cinco vezes mais para a manutenção da vigilância militar sobre os postos de petróleo no exterior, grande parte deles controlados por parceiras com empresas norte americanas, que o total do que se é gasto no consumo interno do país. O que garante a manutenção da indústria bélica como a principal do país e com um vasto mercado interno para se manter, tendo no governo seu principal cliente.

Um exemplo é a tecnologia do combustível limpo que é escanteada cada vez mais no país. A tecnologia do metanol,  mais eficiente e barata que o do etanol brasileiro, foi proibida de ser utilizada em todo o país. A gasolina altamente poluente, já que o norte americano prezada mais pela octanagem que pela qualidade do ar, é que faz  movimentar a frota de veículos estimada em 2011, pelo Banco Mundial, em 125 milhões de veículos. Atualmente esse número é bem superior, pois somente em 2015 e 16 foram vendidos na terra de Tio Sam nada menos que 35 milhões de novos automóveis. São 800 automóveis para cada grupo de mil pessoas.

 Gado, bala e grilagem

A postura do Brasil é algo vergonhosa diante do que se propôs a cumprir, apesar do governo federal insistir que há avanços no segmento ambiental. A nova escalada de emissões, fechando o ano no período de 2015-2016 com 8,9 % a mais de emissões de gases potenciais do efeito estufa, o que representa 2,3 milhões de toneladas de gases parece ter decretado a falência do que ainda restava de credibilidade ou de esperança.

(Brasília – DF, 06/11/2017) Reunião de Líderes da Base Aliada na Câmara dos Deputados
Fotos: Alan Santos/PR

Como se não bastasse, o fiasco internacional estará mais amargo, com o aumento em 30% de queimadas na floresta, isenção de multas ambientais e negociação com o setor agropecuário benesses para manter o atual presidente Michel Temer a frente do governo. As distâncias das propostas feitas no Acordo de Paris são imensas.

O Brasil fechou o ano passado com o quinto ano consecutivo na liderança de assassinatos de ambientalistas. Sua bancada ruralista tem mais de 200 deputados e promete tomar 50% do congresso nacional nas próximas eleições.  A expansão da pecuária de corte, que mantém em solos férteis mais de 207 milhões de cabeças de gado, número superior a população humana do país, é junto com a monocultura responsável por 74% das emissões.

A trilha de destruição deixou em  2016 no desmatamento da Amazônia rastro de  8.000 km² de florestas derrubadas e queimadas, além de ter arrasado com mais 9.500 km² com o Cerrado, considerado o berço das águas do território brasileiro. Grande parte dessas áreas devastadas são grilagem e apossamento de terras da União.

O governo brasileiro se comprometeu no Acordo de Paris  a cortar 37% de suas emissões até 2025 e 43% até 2030 em relação aos níveis de 2005.  Para chegar lá, há uma série de compromissos em vários setores até 2030. Entre eles  restaurar e reflorestar 12 milhões de hectares de matas, recuperar 15 milhões de hectares de pastos degradados,  recuperar  5 milhões de hectares de sistemas de integração lavoura-pecuária-florestas, atingir de 28% a 33% de energias renováveis não-hidrelétricas na matriz ( eólica e solar), além de  zerar o desmatamento ilegal na Amazônia.

Amazônia brasileira perdeu mais de 20% de sua cobertura, cerca de 850 mil km² , algo próximo a uma vez e meia o tamanho da França. Entre 1990 e 2016, o setor de uso da terra no Brasil emitiu mais de 50 bilhões de toneladas de CO2e, o equivalente a um ano de emissões mundiais. (Envolverde)