“Não é hora de jogar a toalha e pendurar as chuteiras” na luta contra Belo Monte

“Belo Monte não é mais assunto restrito à região do Xingu ou ao Estado do Pará. A rejeição ao projeto assume proporções nacionais”, constata bispo Dom Erwin Kräutler, da Prelazia do Xingu.

“Muita coisa mudou, infelizmente para pior”, declara Dom Erwin Kräutler, ao avaliar a situação de Belo Monte, um ano depois de ministrar palestra no Instituto Humanitas Unisinos (IHU) sobre as implicações da construção da usina em Altamira, no Pará. Com a eleição presidencial de Dilma Rousseff, D. Erwin esperava que o governo ficasse “mais sensível às angústias dos povos do Xingu”, mas o diálogo não aconteceu e a presidenta “continua a rezar na mesma cartilha de seu pai político”.

Após ter recebido autorização para implantar o canteiro de obras no início do ano, em junho, a Norte Energia S.A. recebeu do Ibama a licença de instalação para a construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte. “Os órgãos Ibama e Funai agem sob pressão. Os presidentes dessas autarquias federais ou concordam com Belo Monte e defendem os interesses do governo ou, então, se eles não estiverem dispostos a deixar o cargo, são exonerados”, assinala o presidente do Conselho Indigenista Missionário (Cimi).

Segundo D. Erwin, as primeiras máquinas já chegaram a Altamira, instalando o “caos imobiliário. O preço dos imóveis sobe em até 1.000%. Aluguéis de casas passam de R$ 500 para R$ 1.500 . Pior é a sorte de pobres que vivem em barraco alugado e pagavam em torno de R$ 100 por mês. Agora são condenados a pagar R$ 500”.

Na entrevista a seguir, concedida por e-mail à IHU On-Line, D. Erwin também fala sobre a insegurança instaurada na região e o dilema frente ao futuro das comunidades e dos povos do Xingu, que há mais de 30 anos lutam contra a construção de Belo Monte.

D. Erwiin Kräutler é bispo de Altamira (PA) e presidente do Conselho Indigenista Missionário (Cimi).

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Há um ano o senhor ministrou uma palestra sobre Belo Monte no IHU. O que mudou em relação a Belo Monte neste período?

Erwin Kräutler – Muita coisa mudou, infelizmente para pior. Saiu Lula, entrou Dilma, sua fiel discípula e a genitora do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Não esperávamos que a política do não diálogo com a sociedade civil mudasse. Mas pensávamos que, como mulher, Dilma fosse um pouco mais sensível às angústias dos povos do Xingu. Qual nada!

Ainda no governo Lula, em 1º de fevereiro de 2010, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama)  concedeu licença prévia para a Usina Hidrelétrica de Belo Monte, embora tal figura jurídica não existisse na legislação ambiental brasileira. A partir daquela data, ficou claro que Belo Monte não é uma decisão técnica, mas eminentemente política. O que o governo até então fez questão de negar, agora se torna evidente: os órgãos Ibama e Funai agem sob pressão. Os presidentes dessas autarquias federais ou concordam com Belo Monte e defendem os interesses do governo ou, então, se eles não estiverem dispostos a deixar o cargo, são exonerados. Mesmo assim, a licença prévia de fevereiro de 2010 faz depender a autorização de uma lista de 40 condicionantes elencadas pelo Ibama e outras 24 condicionantes indígenas que vão desde a defesa das tartarugas (quelônios), do saneamento básico de Altamira e Vitória do Xingu como ações antecipatórias, até a demarcação física das Terras Indígenas Arara da Volta Grande e Cachoeira Seca, desintrusão da Terra Indígena Apyterewa e reassentamento dos ocupantes não indígenas, embora até esta data ninguém saiba em que lugar.

Ao assumir a presidência da República, Dilma não deixa nenhuma dúvida que está decidida a tocar Belo Monte sem dar satisfação a quem quer que seja. Em 26 de janeiro de 2011, o presidente substituto do Ibama, Américo Ribeiro Tunes, autoriza o consórcio Norte Energia a proceder à “supressão de vegetação” para implantar o canteiro de obras. Também essa autorização carece de base na legislação ambiental brasileira. Lula já não se importou com normas legais e considerou os índios “entraves” e os artigos da legislação ambiental “penduricalhos” para o desenvolvimento do país. Dilma continua a rezar na mesma cartilha de seu pai político. Lula declarou que Belo Monte terá que sair “de qualquer jeito”.  Dilma permanece surda a quaisquer reclamações e não se deixa impressionar por manifestações em frente ao Palácio do Planalto, como também não liga para os argumentos técnicos, contidos na Nota Pública do Painel de Especialistas, composto por 40 cientistas, pesquisadores e professores universitários. Em 8 de fevereiro de 2011, um abaixo-assinado com 600 mil assinaturas e uma carta foram entregues ao ministro substituto da Secretaria Geral da Presidência, Rogério Sottili, que, solenemente, se compromete a entregar os documentos à presidenta e vê nisso o ápice de sua carreira política. Nada de retorno, nem sequer uma simples acusação de recebimento.

Finalmente, em 1 de junho de 2011, a Norte Energia S.A., por ter, segundo o Ibama, cumprido “de forma exemplar todas as etapas necessárias”, obtém a Licença de Instalação para a construção da Usina Hidrelétrica Belo Monte. Curt Trennepohl, presidente do Ibama, não sentiu nenhum embaraço ao declarar: “O processo de licenciamento é dinâmico. Nesse momento, concluída a análise técnica e elaborado o relatório, todas as 40 condicionantes estão cumpridas”. Estamos diante de uma mentira colossal, divulgada pela mídia nacional e internacional, pois na realidade a própria Norte Energia admitiu, em um ofício ao Ministério Público Federal, não ter cumprido as exigências e confessou que o cumprimento das condicionantes era apenas projetado. O Ministério Público Federal decide mover mais uma ação contra a construção de Belo Monte e argumenta que “o consórcio empreendedor não está cumprindo as condicionantes nas áreas de saúde, educação, saneamento, navegabilidade e no levantamento das famílias atingidas”. Raul do Valle, advogado e coordenador adjunto do Instituto Socioambiental (ISA), lamenta: “O Judiciário está infelizmente fechando os olhos para as irregularidades do processo. Os juízes de Altamira, mais próximos da realidade, até que vêm cumprindo seu papel, pois sabem o que pode ocorrer na região. Porém, todas as decisões caem em poucas horas no Tribunal Regional Federal em Brasília, onde o lobby da Advocacia Geral da União e da empresa se faz mais forte. É o Tribunal colaborando com a política do fato consumado”.

Em resumo: em seu desvario ditatorial, o governo não se sente na obrigação de dar informações ou explicações ao povo. É a política do rolo compressor – doa a quem doer. E as empresas que executam as obras se revestem de uma prepotência asquerosa. A prova disso é a fala de José Ailton de Lima, participante dos consórcios responsáveis pelas obras do complexo Madeira e da Usina Hidrelétrica de Belo Monte. Numa arrogância de tirar o fôlego, ele brada: “Não existe a opção de dizer que vamos ouvir o povo e que, se ele disser que não sai da região a ser alagada, isso vai mudar algo, porque não vai. A usina vai ser construída de qualquer maneira. Os governos são democraticamente eleitos e eles têm autoridade para fazer a lei valer! (…) Os índios não têm mais direitos que a gente, brasileiros; eles têm que se comportar de acordo com as nossas regras… O Raoni pode chorar um rio inteiro do lado do Xingu, porque a obra vai ser construída”.

IHU On-Line – Altamira já está sofrendo mudanças com o prenúncio das obras?

Erwin Kräutler – As primeiras máquinas pesadas chegam e em Altamira se instala o caos imobiliário. O preço dos imóveis sobe em até 1.000%. Aluguéis de casas passam de R$ 500 para R$ 1.500. Pior é a sorte de pobres que vivem em barraco alugado e pagavam em torno de R$ 100 por mês. Agora são condenados a pagar R$ 500. Como um pai de família vai conseguir este dinheiro se não tem emprego fixo, vive de biscate e sua renda mensal nunca chega a um salário mínimo? O caos aumenta ainda mais porque, até agora, a Norte Energia não definiu ou certamente não achou o local para o reassentamento de milhares e milhares de famílias que serão arrancadas de seus lares. A insegurança quanto ao futuro leva muita gente ao desespero. Não sabendo para onde correr, invade terrenos no perímetro urbano. Resultado: a Justiça manda a polícia retirar as famílias. E se repete o que lemos no Evangelho “Quando vos perseguirem numa cidade, fugi para outra. E se vos perseguirem nesta, tornai a fugir para uma terceira” (Mt 10,23). As famílias são humilhadas e enxotadas de um terreno e, logo em seguida, invadem outro. Novamente a polícia é acionada para cumprir mandato de reintegração de posse. É uma reação em cadeia. O que resta às famílias é tentar mais uma invasão e aguardar a polícia chegar, para serem despejadas outra vez.

Os povos indígenas e os ribeirinhos da Grande Volta do Xingu também não sabem o que vai acontecer com eles. Um enorme paredão vai separar esse povo da cidade de Altamira. Como levar doentes para o hospital? Como e onde fazer a feira? Não há resposta.

Mas existe ainda outra grande incógnita: o que acontecerá com as famílias dos agricultores? Para onde serão transferidas? Herdaram seus sítios dos antepassados. Sempre plantaram e colheram arroz, feijão, milho e mandioca. Nunca passaram fome. Ultimamente, investiram em cacau com muito bons resultados. O peixe é abundante na região e, obviamente, o prato preferido do povo. Mas o rio, numa extensão de cem quilômetros, praticamente vai secar. Para onde serão levadas essas famílias? Receberão outro lote equivalente de terra agriculturável ou serão simplesmente mandadas embora com alguma indenização insignificante? Onde vão pescar? De que vão viver? Onde vão plantar e colher para sobreviver? O governo, o Ibama, a Funai, o consórcio Norte Energia se escondem por trás de outro paredão: o silêncio.

Outro problema que se aguça cada vez mais é a saúde pública. Com a vinda, a cada dia que passa, de mais e mais famílias para Altamira, os hospitais estão superlotados e sem condição de atender a todos os que necessitam de tratamento. É outro motivo de desespero para muitas famílias. E o presidente do Ibama ainda tem a petulância de afirmar que todas as condicionantes foram cumpridas, quando a saúde pública corre sérios riscos de entrar em colapso! É a política do vale-tudo, a política de distorcer fatos para iludir a nação!

E a educação? E a corrida para vagas nos colégios da cidade (situação que está longe de ter condições de atendimento segundo a demanda)? E o saneamento básico, prometido para as cidades de Altamira e Vitória do Xingu? Outras indagações sem resposta.

IHU On-Line – Como o senhor vê a posição da sociedade civil em relação a Belo Monte? A sociedade não sabe como se manifestar diante de Belo Monte?

Erwin Kräutler – A sociedade altamirense está dividida. Quem tem uma visão desenvolvimentista do progresso defende Belo Monte. São políticos e prefeitos, irmanados no Consórcio Belo Monte, e empresários que sempre sonharam com vultosas somas de dinheiro e consideram o projeto a “salvação” e “redenção” do oeste paraense. “Não há desenvolvimento para a região, a não ser com Belo Monte!” grita o deputado federal Wandenkolk Gonçalves após um debate irradiado por um canal de televisão local, como se o povo de Altamira só tivesse direito a um mínimo de respeito e de aplicação de impostos auferidos pelo governo federal, se concordasse com a destruição do seu entorno e o alagamento de um terço de sua área urbana. Mas estes defensores da barragem, que dois anos atrás alardeavam o seu apoio com adesivos “Queremos Belo Monte”, fixados em seus carros, já não estão tão seguros de que Belo Monte vai trazer tantas vantagens e começam a denunciar a morosidade, gritam contra a prepotência do Consórcio Norte Energia e exigem a realização das obras prometidas. Antes, em reuniões cerimoniosas e lautos banquetes, bajularam os representantes de Eletronorte, Eletrobras e Norte Energia como se fossem uma espécie de salvadores da pátria. Hoje são bem mais tímidos e cautelosos e fazem campanha em outdoors, reivindicando o cumprimento das promessas. Aos poucos parecem cair na real.

Em cima do muro

Há um outro grupo que continua em cima do muro. São pessoas que, por falta de informações precisas, acreditam que vão receber grandes indenizações que permitirão uma vida folgada no futuro. Há ainda quem é contra Belo Monte, mas não tem coragem de manifestar sua opinião por medo de eventuais represálias ou retaliações que suas famílias podem sofrer.

Mas existem grupos de pessoas da sociedade civil organizada que há trinta anos se declaram contra a barragem e nunca cansaram de alertar a população sobre as suas consequências imprevisíveis e os estragos irrecuperáveis ao meio ambiente. Considero esse movimento uma verdadeira façanha diante das hostilidades, difamações e até ameaças que os seus membros, há três décadas, estão sofrendo. Essas organizações sempre contaram com assessoria de alta qualidade e competência. Mulheres e homens de Altamira nunca se deixaram intimidar na luta contra aquilo que chamam hoje de “Belo Monstro” ou então de “Belo Monte de Mentiras”. Conseguiram, com sua posição intransigente de defender o “Xingu Vivo para Sempre”, grande repercussão em nível nacional e alertaram também a comunidade internacional a respeito do desastre que atingirá toda a Amazônia com a construção de Belo Monte e de outras dezenas de hidrelétricas, projetadas para essa macrorregião. O governo nunca conseguiu rebater e dirimir as críticas ao projeto, baseadas em estudos de cientistas de ponta das melhores universidades do país, de renome nacional e internacional. Mesmo que o presidente Lula exigisse de seu setor energético, durante a nossa audiência em 22 de julho de 2009, uma resposta imediata aos argumentos dos professores Célio Bermann  e Oswaldo Sevá Filho, esta não veio até hoje. Com o silêncio que já dura dois anos, os integrantes do setor energético do governo dão prova de reconhecerem que os argumentos de inviabilidade ambiental, social e também financeira da UHE Belo Monte são realmente imbatíveis. Caso contrário teriam falado.

Na realidade, Belo Monte não é mais assunto restrito à região do Xingu ou ao Estado do Pará. A rejeição do projeto já assume proporções nacionais. Lembro apenas, a título de exemplo, as duas mil pessoas que participaram, no dia 19 de julho de 2011, de uma manifestação na Avenida Paulista, em São Paulo. Sarah de Castro se fez porta-voz dos manifestantes e gritou: “Não engolimos mais os crimes ambientais e sociais em nome do ‘desenvolvimento’. Não quero na minha casa uma energia gerada à custa de vidas alheias”. Os protestos se intensificam, mesmo que o governo os ignore. Até quando conseguirá fazer vista grossa às inúmeras manifestações?

IHU On-Line – Este ano, o senhor solicitou uma audiência com a presidenta Dilma e não foi recebido. Por que ela não pode lhe receber e qual seu sentimento em relação a isso?

Erwin Kräutler – De fato, encaminhei pedido de audiência com a presidenta Dilma para apresentar-lhe mais uma vez nossas angústias e preocupações e os motivos que fundamentam nossa posição contra Belo Monte. Diferentemente do que solicitei, foi me aconselhado um encontro com o ministro de Estado da Secretaria Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho. No entanto, alguns dias antes do encontro marcado, o senhor ministro declarou em alto e bom som: “Há no governo uma convicção firmada e fundada que tem que haver Belo Monte, que é possível, que é viável… Então, eu não vou dizer para a Dilma não fazer Belo Monte, porque eu acho que Belo Monte vai ter que ser construída”. Diante desta posição fechada, o que ainda iria falar com o ministro? Decidi declinar do convite.

IHU On-Line – O senhor viajou recentemente para a Europa? O debate sobre Belo Monte repercute de alguma maneira lá?

Erwin Kräutler – Há muito tempo o projeto Belo Monte é conhecido na Europa. Os meios de comunicação o comentam no mesmo patamar do assustador empreendimento chinês da Hidrelétrica de Três Gargantas. A empresa alemã Voith Hydro, em conjunto com a Andritz AG da Áustria e Alstrom da França, firmou um contrato de 443 milhões de euros para confeccionar as turbinas. As reações, especialmente na Áustria e na Alemanha, não tardaram. Milhares de pessoas participam de manifestações em frente às sedes destas firmas e exigem a anulação do contrato, pois entendem que é antiético e imoral fazer negócios às custas da desgraça do povo em outros países. Lamentavelmente, as empresas reagem aos questionamentos apenas repetindo as mentiras do governo brasileiro que declara terem sido observados todos os parâmetros legais e as condicionantes cumpridas. Não se dão o luxo de verificar in loco se o governo diz a verdade. É mais cômodo repetir as mentiras do que arriscar perder contratos milionários. O dinheiro fala bem mais alto do que a ética e faz tais empresas perderem qualquer escrúpulo.

IHU On-Line – Como o senhor se sente após lutar contra Belo Monte e saber que, apesar das manifestações contrárias, a obra será construída?

Erwin Kräutler – Primeiramente, creio que não é hora de jogar a toalha e pendurar as chuteiras. Os processos movidos pelo Ministério Público Federal aguardam ainda julgamento, embora eu já esteja bastante cético em relação ao resultado. Mas ainda não deixei de acreditar no Brasil como Estado de Direito que respeita sua Constituição. Assim, faço votos de que o governo não manipule ou corrompa o poder judiciário, que exerce a missão constitucional de zelar pelo cumprimento da Carta Magna do país e de denunciar quaisquer violações. Por outro lado, causa-me arrepios ter que me dar conta de que o governo se mostra totalmente insensível aos protestos e argumentos contra Belo Monte. Dói realmente ver deputados que ajudamos a serem eleitos e lutaram ao nosso lado pela mesma causa, guiados pelos mesmos ideais de construir um outro Brasil, jogarem agora no time oposto. O que antes condenaram como agressão à Amazônia, defendem hoje como única maneira possível de desenvolver esta região. Voltaram as costas ao povo que os elegeu.

IHU On-Line – Perdemos em todas as frentes na luta contra a construção de Belo Monte ou ganhamos em alguma?

Erwin Kräutler – No contexto de Belo Monte não cabe o emprego da antítese “ganhar/perder” como se fosse um jogo entre dois times: governo versus adversários da barragem. A questão crucial situa-se nas consequências concretas do empreendimento para o Brasil e o planeta Terra. É aí que reside o problema. Será que o Brasil ganha realmente com a vitória do governo e a derrota dos que se opõem a Belo Monte? Governo entra e sai. A faixa presidencial é passada de uma pessoa a outra, homem ou mulher. Mas o Brasil continua existindo até que soe a última trombeta (cf. 1Cor 15,52). Que Brasil teremos daqui para frente? Que Amazônia teremos? Que mundo teremos? Sabemos que a Amazônia exerce uma função reguladora do clima do planeta. Construir Belo Monte será o golpe fatal no coração da Amazônia, pois causará um tremendo efeito dominó. Seguirão outras barragens no Xingu para evitar que a capacidade de produzir 11 mil MW de energia caia durante os meses de verão tropical, quando o volume de água é insuficiente para fazer funcionar todas as turbinas. Todo o Xingu será sacrificado. E vem o complexo Tapajós, composto de cinco usinas, e a usina de Teles Pires em Mato Grosso. A previsão do governo é de mais 61 hidrelétricas. As maiores delas ficarão na Amazônia. A própria Empresa de Pesquisa Energética (EPE), do Ministério das Minas e Energia, admite que 15 delas vão interferir diretamente em áreas de conservação ambiental, três indiretamente, e 13 afetam direta ou indiretamente reservas indígenas. Ao lado dos desmatamentos anuais que já devastaram áreas enormes, deixando um rastro de fogo e cinza na Amazônia, aparece agora o espectro da “supressão da vegetação”, em maior escala ainda, para fins energéticos.

No dia 3 de junho de 2007, representantes de povos indígenas do Xingu foram até a orla do rio para celebrar o encerramento de seu encontro realizado no Centro Betânia em Altamira. Um índio kayapó subiu na carroceria de um caminhão. Contemplou a maravilha cativante das águas verde-esmeralda. Depois dirigiu o olhar para a ilha do Arapujá, bem defronte de Altamira, ameaçada de ser submersa por um lago podre que, como recordação lúgubre do paraíso perdido, deixará apenas esqueletos cinzentos de árvores, hoje ainda frondosas. Finalmente, divisou no horizonte a Terra dos Assurini, antiga pátria de outro povo xinguara, forte e livre no passado. Mais uma vez mirou as águas misteriosas do “Bytire”  que narram a milenar história da vida de seu povo e exclamou: “O que será de nossas crianças?”.

* Publicado originalmente no site IHU On-Line.