Após quase cinco meses do acidente na central nuclear de Fukushima, no Japão, os impactos da catástrofe ainda ecoam no país. O desastre ocorrido está tendo implicações econômicas, políticas e na saúde da população, como a contaminação de alimentos, escândalos políticos no setor energético e a ameaça de escassez de energia. Resta saber quais medidas o governo tomará para conter esta crise generalizada na terceira maior economia do mundo.
Uma das principais questões levantadas logo após o acidente foi o futuro da energia atômica no Japão. Embora o primeiro-ministro Naoto Kan defenda que o país deva reduzir sua dependência na energia nuclear, ele ainda não deu detalhes de como vai construir capacidade energética suficiente para substituir os reatores atômicos, nem como vai tornar essas alternativas econômicas.
Essa indecisão tem levado a diversas críticas ao governo sobre a falta de transparência política nas questões a respeito da política energética, e causou a demissão de três funcionários de alto escalão do setor: Kazuo Matsunaga, vice-ministro da Economia, Comércio e Indústria; Nobuaki Terasaka, diretor da Agência de Segurança Nuclear e Industrial (NISA) e Tetsuhiro Hosono, diretor da Agência para a Energia e Recursos Naturais.
Os três são acusados de estarem ligados a escândalos envolvendo empresas de energia. Banri Kaieda, ministro da indústria, anunciou que também deixará seu cargo assim que a substituição dos outros funcionários for oficial e os planos de reestruturação do ministério forem confirmados.
A instabilidade política pode levar a grandes prejuízos na economia do Japão, já que é possível que a indecisão do futuro da matriz energética do país incentive as companhias japonesas, sobretudo as de energia, a migrarem para o exterior.
“O problema é a incerteza política. Por causa de uma direção obscura das usinas de energia nuclear, as companhias não podem fazer seus planos de investimento enquanto o serviço público não puder fazer uma mudança decisiva para outras fontes de energia. A incerteza a respeito do futuro da energia aumenta a possibilidade das companhias saírem do Japão”, declarou Naohiko Baba, economista do banco de investimentos Goldman Sachs.
Xiao Minjie, economista da empresa FuNNeX Gestão de Ativos, explicou que “a confusão deve durar pelo menos mais meio ano, enquanto a atual opinião pública anti-nuclear não criar um ambiente para um debate objetivo sobre a questão. A incerteza a respeito do panorama da política energética, junto com o aumento do Iene, estão levando as companhias japonesas a transferirem suas operações para o exterior”.
Além disso, há a ameaça da escassez energética, já que muitas centrais nucleares estão sendo fechadas para manutenção, e apenas 16 dos 54 reatores do Japão estão em funcionamento. Para se ter uma ideia, antes do acidente, a energia nuclear contribuía com 30% da produção energética do país; depois da catástrofe, esse índice caiu para 18%.
Embora a economia de energia seja uma alternativa para esse problema, analistas afirmam que a redução no consumo tem um limite, e, além disso, há um custo para o país. “O Japão pode ser capaz de enfrentar a escassez de eletricidade com a economia de energia, mas isso pode levar à retração da atividade econômica e à saída das indústrias do Japão”, disse Ken Koyama, diretor do Instituto de Economia Energética do Japão (IEEJ).
Contaminação
A contaminação de pessoas e alimentos também é uma das principais conseqüências do desastre no país. Na última semana, foram registrados índices recordes de radioatividade perto do sistema de ventilação entre dois reatores de Fukushima, o que indica que ainda há vazamentos na usina.
O governo anunciou que até o final de agosto iniciará uma evacuação em locais que estejam distantes entre 20 e 30 quilômetros da central nuclear, e que conduzirá um monitoramento nacional de radiação.
Já foram detectados altos níveis de radiação em diversos alimentos como a carne, o arroz, o leite, frutos do mar, vegetais, chá e água. O Japão já suspendeu carregamentos de carne bovina de quatro cidades japonesas devido a receios de contaminação radioativa, mas ainda não se sabe ao certo quais efeitos isso terá na importação de carne no país.
“Passaram-se apenas duas semanas desde o banimento de alguns carregamentos, então precisaremos monitorar cuidadosamente o impacto destes no mercado, embora não estejamos prevendo qualquer efeito significativo. O consumo de carne em geral diminuiu, incluindo a carne bovina nacional, e há estoques, então não esperamos que as importações de carne saltem imediatamente”, esclareceu um representante do Ministério da Agricultura.
Em junho, o Japão importou 35.922 toneladas de carne bovina, uma redução em relação às 40.197 toneladas importadas em maio, e o menor índice desde os terremotos e do tsunami de março, o que pode indicar que o país esteja compensando o consumo do alimento em parte com outra carne, como a suína ou a de frango.
“Na teoria, se a produção de carne bovina nacional cai e a demanda se mantém estável, isso significa que haverá a oportunidade das importações crescerem. A questão é, em quanto? Talvez os consumidores se afastem completamente da carne bovina e comam frango ou porco”, sugeriu Masayo Kondo, presidente da empresa de pesquisa Commodity Intelligence em Tóquio.
Porém, pelo menos por enquanto, as alterações no consumo dos alimentos ainda não estão sendo sentidas na economia do Japão. “Não estamos observando qualquer relação entre nossas vendas e as preocupações em relação à contaminação radioativa”, alegou um representante da Yoshinoya Holdings, cadeia de fast-food do país.
*Publicado originalmente no site Carbono Brasil.