Metida em um tailleur sóbrio e sapatilhas discretas, o mais chamativo acessório de Christine Lagarde em sua posse no Fundo Monetário Internacional (FMI) eram os habituais e bem tratados cabelos brancos. Aos 55 anos, a primeira mulher a comandar o FMI encarna a francesa de sucesso: refinada, inteligente e de bem com a idade.
Se os dois primeiros adjetivos são obra de uma trajetória profissional tão impecável quanto seus tailleurs Chanel, a imagem de mulher bem resolvida deve-se muito aos cabelos imaculadamente brancos, sempre muito bem cortados e penteados. O visual tornou-se a assinatura pessoal de Lagarde, desde que ela se tornou conhecida do grande público, quando, aos 49 anos, trocou dez anos de experiência como advogada nos Estados Unidos pelo posto de ministra de Comércio Exterior do governo francês.
Lagarde nunca pintou os cabelos. Aos 43 anos, ela passou natural e progressivamente do castanho ao branco. Mas, como em todos os assuntos que se referem à sua vida pessoal, ela prefere não falar sobre isso. “Não é por acaso que a única mulher a chegar lá tenha esses cabelos. Eles falam de alguma coisa de masculino, de poder, e dão a ela uma imagem de confiança, de sabedoria, de maturidade”, opina o cabeleireiro Marc Dugast, pai do morphocoiffure, uma técnica francesa de escolha do corte de cabelo baseada nos traços físicos e nas características psicológicas do cliente.
De acordo com suas análises técnicas, não é qualquer mulher que é capaz de dissociar a imagem de lassitude frequentemente atribuída aos cabelos grisalhos para associá-los à sabedoria e à elegância como faz a economista. “Tem menos a ver com a aparência da mulher do que com sua atitude. Ela tem de se sentir bem consigo mesma, com sua idade, com sua história de vida. Tem de ter superado a busca da adolescência eterna e a obsessão de seduzir.”
Tatiana de Rosnay, 49 anos, a escritora best seller francesa que se tornou uma espécie de mascote das neogrisalhas assumidas na França, só discorda da parte em que o coiffeur fala da sedução. “Sou uma sedutora assumida. Atraio mais atenção na rua e sou mais paquerada hoje do que quando era morena e tinha 20 anos a menos”, afirma a autora de A Chave de Sarah, romance francês mais vendido na Europa e nos Estados Unidos no ano passado.
Graças à herança genética, Tatiana começou a lutar contra os fios brancos aos 19 anos. Aos 30 adotava uma rotina quinzenal de tinturas. Aos 40, exausta e infeliz com um tom que migrava do castanho para o laranja a cada treino de natação, ela decidiu assumir os cabelos cor de pimenta e sal.
O marido, que contava os mesmos 40 anos que ela e também começava a ficar grisalho, foi um aliado de primeira hora. Das amigas, lembra-se, ela não pode dizer o mesmo. “Elas me diziam: ‘oh-la-la, é horrível. Você está parecendo uma mendiga’”.
Demorou um ano para que ela se livrasse de toda a tintura e reencontrasse a textura sedosa dos cabelos. Sua cor natural tornou-se um degradê de branco ao cinza-escuro que não exige nenhum cuidado além de um xampu próprio para cabelos brancos. “Eu adoro me sentir uma mulher diferente das outras, a ovelha desgarrada do rebanho. Olha aquela mulher ali”, comenta ela, virando discretamente o olhar para uma transeunte que cruza o Boulevard Montparnasse, no centro de Paris. “Meu pesadelo é esse loiro-menopausa.”
Eles estão em toda parte, porém. Ainda que cada vez mais mulheres assumam seus cabelos brancos logo que eles começam a surgir, também na França a imensa maioria delas recorre a longas e repetitivas sessões de tintura durante anos a fio.
No livro Sociologie de la Vieilesse et du Vieillissement (Sociologia da Velhice e do Envelhecimento, não traduzido no Brasil), o sociólogo Vincent Caradec explica: assim como as cirurgias plásticas e os cosméticos, esses rituais são uma maneira de retardar as mudanças corporais que, dentro da cultura ocidental, provocam o sentimento de “tornar-se velho”.
“A partir dos 50 anos, o corpo tem de penar para satisfazer os cânones estéticos. Perdendo as qualidades habituais de objeto sexual, ele passa a ter uma visibilidade diferente, suscitando outro tipo de olhar.”
Para a psicanalista Marion Péruchon, assumir os cabelos brancos pode demonstrar uma capacidade de aceitar a chegada da idade, sem se agarrar à imagem de si mesmo que pertencia à uma outra época da vida, a juventude. “Longe de fazer medo ou deixar esse indivíduo pouco à vontade com sua imagem, os cabelos brancos são, para essas pessoas, revestidos de um valor estético positivo e testemunham que a velhice, para elas, não é um obstáculo maior à continuação de uma vida que ainda reserva muitos prazeres e satisfações.”
Há, inclusive, aquelas que se apressam em passar essa mensagem sobre si mesma. Than Dumaine, de 43 anos, mantém uma charmosa galeria de arte em plena Île de Saint Louis. E os cabelos curtíssimos, tingidos de cinza. Ela já tem alguns fios de cabelos brancos, mas não o suficiente para ostentar a cabeça branca com que sonha desde que tem 23 anos. A partir daí, ela pinta os cabelos de branco. “Não tem nada a ver com atitude punk, com essa moda Lady Gaga. Eu gosto dos cabelos brancos, é o único sinal de idade que eu acho muito estético”, afirma, rindo. “Ainda por cima, branco combina com tudo.”
Para ela, hoje em dia, o cabelo branco não é mais um sinal negativo da velhice, ao contrário. “Você olha uma mulher de 60 anos e cabelos tingidos, e é óbvio que eles são tingidos. Ela não vai deixar de ter 60 anos porque tem cabelos castanhos.”
* De Paris.
** Publicado originalmente no site da revista Carta Capital.