EUA cria metas de redução de consumo para caminhões e Brasil subsidia lucro

A agência ambiental do EUA, EPA, estabeleceu, pela primeira vez, parâmetros para redução do consumo de combustíveis para veículos pesados. A medida atinge caminhões, picapes e SUVs de grande porte e tem metas progressivas até 2018. Os veículos leves haviam sido objeto de regulação anterior. Já o governo brasileiro deu incentivos de graça à indústria automotiva e perdeu uma bela oportunidade de gastar bem e formular uma política capaz de gerar benefícios duráveis.

Os grandes caminhões terão que alcançar redução de 20% no consumo de combustível até 2018. A meta para picapes, vans e SUVs, que já consomem menos hoje, é de 15% até 2018. Segundo os estudos encomendados pela EPA, o aumento de preço dos veículos com os novos motores será compensado pelos proprietários em menos de dois anos com a economia de combustível.

A medida é modesta, mas significativa. Primeiro, porque regula o desempenho desses veículos pela primeira vez. Os veículos leves e de passeio (automóveis, picapes e SUVs de menor porte) são regulados desde 1975 e passaram a ter novos e mais exigentes parâmetros meses atrás.

Segundo, o que faz essa medida relevante é a escala de seu alcance. Cada veículo pesado desses roda, em média, 320 mil quilômetros por ano, consumindo 95 mil litros de combustível, com um gasto anual de R$ 160 mil. No EUA, a idade média dos caminhões é de 11 anos e essas medidas levarão a uma renovação mais rápida da frota, fazendo com que as emissões totais desses veículos caia consideravelmente. Lá, muitos caminhões rodam com gasolina e etanol, ao contrário daqui, onde rodam apenas com diesel.

O próximo passo da EPA será regular a aerodinâmica desses veículos, para que seja possível aumentar ainda mais as metas de redução de consumo.

Obama já havia criado incentivos para energias renováveis, inclusive biocombustíveis de segunda geração, e para a produção de veículos a combustão mais eficientes, veículos híbridos e elétricos. Essa regulação estabelece critérios quantitativos a serem alcançados pela indústria com o uso desses subsídios e incentivos.

Muito diferente do que faz o governo brasileiro. Este, acaba de anunciar renúncia fiscal a favor da indústria automotiva, para que ela possa aumentar sua margem de lucro. O argumento é que aumentou muito a importação de carros e a indústria perdeu espaço. O governo desconsiderou o fato de que parte dessa importação foi feita pelas próprias montadoras, que trazem seus carros topo de linha e mais caros, de seus países de origem. Vai ganhar dos dois lados agora.

Redução de impostos é gasto fiscal. Deveria ser usada com parcimônia, quando é para subsidiar setores dinâmicos e ricos da economia. Com parcimônia e exigências para receber o benefício. O governo poderia, perfeitamente, ter exigido da indústria caminhões mais eficientes e motores flex que consomem menos quando movidos a álcool. O álcool já está custando 68% do que custa a gasolina. Nos próximos dias ou poucas semanas, ultrapassará a marca dos 70%, a partir da qual é desinteressante economicamente usar o álcool no lugar da gasolina. O preço da gasolina aos distribuidores está congelado pela Petrobrás. Na bomba, ele aumento por causa do aumento do preço dos 25% de álcool que são misturados ao combustível que é oferecido aos consumidores. Significa que a gasolina sobe sempre menos que o álcool. Tanto o etanol, quanto o açúcar estão com seus preços elevados pela grande demanda global e redução da oferta por razões climáticas. Resultado, o movimento de preços anula a vantagem de termos uma frota crescentemente equipada com motores flex. Se o governo exigisse que a indústria reduzisse a diferença na eficiência de uso dos dois combustíveis dos motores flex como contrapartida para os subsídios, encontraria uma justificativa melhor para essa transferência de renda dos contribuintes para um setor dinâmico e rico da indústria.

Os caminhões rodam com diesel de péssima qualidade e a frota brasileira tem idade média entre 19 e 23 anos, de acordo com diferentes estimativas. A mais recente, de um estudo encomendado pela ANTT, é de 23 anos. Veículos velhos, super usados e muito ineficientes. Perto de 70% da carga no Brasil é terceirizada para autônomos. A idade média da frota dos autônomos é de 25 anos. Pior ainda. A manutenção é precária e a vistoria raramente funciona por causa da corrupção. Caminhões inadequados, com excesso de carga, desequilibrados rodam por todas as partes do país.

O governo teria feito muito melhor em gastar a maior parte desse pacote de estímulos à indústria, melhorando as condições do programa de renovação da frota de caminhões. Poderia também ter criado um teto limite de idade para os veículos, forçando a renovação da frota. Continuaria incentivando a produção industrial, mas buscaria benefícios mais duráveis, econômicos, de saúde pública, segurança nas estradas e ambiental.

Mas, as políticas são pensadas no Brasil olhando pelo retrovisor. Esse pacote atual é uma cópia mais ou menos atualizada do que os militares fizeram na década de 1970, com o Conselho de Desenvolvimento Industrial e o Befiex. Políticas que provocaram mais distorções que benefícios e atrasaram a modernização da indústria automotiva no Brasil. Estudei essas políticas com profundidade e detalhe em minha tese de doutorado para a universidade Cornell, O Leviatã Dividido (The Divided Leviathan). Não são recomendáveis. Como também não há o que recomendar no pacote do governo destinado à indústria automotiva. O governo perdeu uma bela oportunidade e vai gastar muito mal o dinheiro de nossos impostos.

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** Publicado originalmente no site Ecopolítica.