Microcontos na era do Twitter

Sem forma ou tamanho que a limite, a literatura encontra lugar nas redes sociais em textos curtos, criativos e cheios de significados. Ilustração: Alessandra Kalko

Uma coisa é fato: se hoje em dia fala-se tanto em microcontos, é porque também se fala muito em Twitter. Criada em 2006, a rede social é um microblog onde cada post – tweet (“pio”, em inglês) – tem o limite de 140 caracteres. A forma reduzida de se dizer algo a cada dia ganha mais adeptos e já tem o Brasil como o segundo país com o maior número de usuários, ficando atrás apenas dos Estados Unidos. Entre notícias, links curiosos, piadas, fofocas e diários pessoais, a literatura também encontra um espaço rico no Twitter, com os aforismos, hai-kais e, especialmente, os microcontos.

Mas o que são os microcontos? E quais as diferenças entre minis, micros e nanocontos? Por mais que alguns teóricos tentem defini-los adotando o número de caracteres como parâmetro – nanocontos teriam até 50 letras, sem contar espaços e pontuação; microcontos, até 150 caracteres e, minicontos, até uma página –, ainda não há uma definição exata, tal como acontece com o conto. Este, talvez tenha sido melhor definido por Mario de Andrade: “Conto será sempre aquilo que seu autor batizou de conto”.

Independentemente do número de caracteres e de suas possíveis nomenclaturas, os microcontos são narrativas muito curtas em que a síntese acaba sendo a grande ferramenta de escrita.

O guatemalteco Augusto Monterroso é indicado como autor do primeiro, e talvez o mais famoso, microconto. Publicado em 1959, sua história tem apenas uma frase: “Cuando despertó, el dinosaurio todavía estaba allí” (quando acordou, o dinossauro ainda estava lá). Contudo, há inúmeros textos escritos anteriormente, desde fábulas chinesas até alguns dos textos publicados entre os aforismos de Franz Kafka (por exemplo: “Uma gaiola saiu à procura de um pássaro”), que podemos considerar hoje como microcontos.

Ernest Hemingway é também autor de um famoso microconto: “For sale: baby shoes, never worn” (vende-se: sapatos de bebê, nunca usados). Um texto com apenas seis termos que foi inspiração para o projeto Six-Word Memoirs, da Smith Magazine, e resultou nos livros Not Quite What I Was Planning (Harper Perennial, 2008) e Six-Word Memoirs on Love & Heartbreaks (Harper Perennial, 2009), onde se encontram textos fantásticos como este de Zac Nelson: “I still make coffee for two” (eu ainda faço café para dois). Ou este de Jody Smith: “Found true love nine months later” (encontrou o amor verdadeiro nove meses depois).

Concisão e narratividade

No Brasil, considera-se o marco zero dos microcontos a publicação do livro Ah, é? (Editora Record, 1994), de Dalton Trevisan. Com seu estilo incisivo, Trevisan surpreendeu os leitores com textos curtíssimos como: “A velha insônia tossiu três da manhã”. Em 2004, Marcelino Freire convidou cem escritores para escrever histórias com até 50 letras (sem contar o título) e organizou a antologia Os Cem Menores Contos Brasileiros do Século (Ateliê Editorial).

O desejo já havia sido manifestado por Ítalo Calvino em Seis Propostas para o Próximo Milênio: “Borges e Bioy Casares organizaram uma antologia de Histórias Breves e Extraordinárias. De minha parte, gostaria de organizar uma coleção de histórias de uma só frase, ou de uma linha apenas, se possível. Mas até agora não encontrei nenhuma que supere a do escritor guatemalteco Augusto Monterroso…”.

Os microcontos vêm ao encontro das ideias de Calvino. Para ele, a rapidez permite poupar o leitor de determinados detalhes em favor do ritmo da narrativa. É o nó de uma rede de correlações invisíveis no texto e a ferramenta essencial para a continuidade da narrativa, permitindo que o leitor transite com maior naturalidade entre as ideias contidas na história.

Além da rapidez, percebe-se que os microcontos se constroem também a partir de outras características. A concisão é, desse modo, uma das principais. Um texto conciso não quer dizer necessariamente um texto breve. A concisão está no ato de escolher as palavras certas para contar aquilo que se quer, assim como valorizar os sinais gráficos e de pontuação e os silêncios presentes nos textos. Carlos Drummond de Andrade já dizia que “escrever é cortar palavras”, Hemingway sugeriu: “Corte todo o resto e fique com o essencial”. Winston Churchill deu certa vez um sábio conselho: “Das palavras, as mais simples. Das simples, a menor”. Escrever de modo conciso é um trabalho árduo e que exige técnica e tempo. Exemplo disso é a célebre carta de Pascal, em que termina dizendo: “Fiz esta carta mais longa porque não tive tempo de fazê-la curta”.

Outra característica em que se apoiam é a narratividade. Se não há uma história clara atrás daquelas palavras, não há um microconto. Isto é o que os diferencia de um haicai, de um poema-pílula ou de um aforismo. Enquanto estes se preocupam mais em descrever uma cena, trabalhar a palavra de forma lírica ou propagar uma ideia, os microcontos têm de contar uma história. Mais que narrar uma trama completa (com começo, meio e fim) as palavras de um microconto devem sugerir. O que está escrito representa apenas 10% da narrativa, o resto deve se formar na imaginação do leitor, permitindo assim novas e múltiplas interpretações.

Assim, Julio Cortázar em Alguns Aspectos do Conto tece uma reflexão que aproxima o gênero da fotografia e que pode ser estendido para os microcontos: “(…) o fotógrafo ou o contista se veem obrigados a escolher e limitar uma imagem ou um acontecimento que sejam significativos, que não apenas tenham um valor em si mesmos, mas que sejam capazes de funcionar no espectador ou no leitor como uma espécie de abertura”.

Seguidores

Partindo desses preceitos, a cada dia novos e já consagrados escritores postam seus microcontos dentro dos 140 caracteres do Twitter, um espaço não só de divulgação, mas também de contato direto com os leitores. Vale então ser um seguidor dos perfis: @marcelinofreire (de Marcelino Freire), @microcontos (de Carlos Seabra), @semruido (do Coletivo Sem Ruído), @tfmoralles (de Tiago Moralles). Bons exemplos de como a literatura breve e a estética da síntese funcionam em conformidade com as novas tecnologias.

Não cabe aqui discutir o valor literário que os microcontos têm ou possam vir a ter. Vale, contudo, ressaltar o papel importante que podem ocupar no aprendizado da boa escrita. Numa época em que os textos breves são cada vez mais usados, o poder de síntese que trazem é um bom exemplo de que textos com poucas palavras podem ser eficientes, criativos e repletos de significados. De leitura rápida e instigante, os microcontos podem ainda ser uma dose de literatura diária, e um convite para que os que não têm a leitura como hábito se interessem mais por ela. Aos poucos, formam-se novos leitores e novos escritores.

* Samir Mesquita é escritor e autor dos livros de microcontos Dois Palitos e 18:30.

** Publicado originalmente no site da revista Carta Capital.