EIMA 8: Água não distingue limites entre países

Diretor-presidente da ANA fala sobre gestão de recursos hídricos e comenta sobre a participação da Agência no EIMA 8.

Sabe-se que 12% a 14% da água potável do mundo é gerada em território brasileiro e 20% na Bacia Amazônica. Mesmo assim, ainda vivenciamos problemas relacionados ao abastecimento e à infraestrutura hídrica. Como diretor-presidente da Agência Nacional de Águas (ANA), quais são as suas perspectivas em participar do EIMA 8, como anfitrião da plenária sobre gestão dos recursos hídricos? O que a ANA vem realizando ou pretende realizar para mitigar e solucionar esses problemas?

Vicente Andreu: Antes de mais nada, como contribuição em termos de informação, o Brasil gera por volta de 12% da disponibilidade hídrica superficial do planeta em seu território e 18% se for computada a contribuição das águas que fluem dos países andinos na Bacia Amazônica. No Brasil, a Bacia Amazônia é detentora de 73,6% da disponibilidade de recursos hídricos superficiais. O EIMA é um evento de grande importância e nos permite a oportunidade de debatermos temas relevantes para a Rio+20, relacionados a água no contexto da economia verde, da erradicação da pobreza e da estrutura institucional do desenvolvimento sustentável. Para contribuir com as temáticas da Rio+20, a ANA está oferecendo um conjunto de propostas ao processo de consolidação da contribuição do Brasil para a conferência, relacionadas à transferência de renda entre setores e segmentos da população tendo como referência algumas experiências de programas do governo brasileiro no tema de água.

Quanto à questão do abastecimento de água e de infraestrutura, cabe mencionar que a ANA é uma agência que atua na regulação do uso da água, por meio de uma gestão que proporcione o seu múltiplo uso e a conservação desses recursos. Logo, a implementação de infraestrutura está condicionada à autorização do direito de uso da água, que tem como objetivos assegurar o controle quantitativo e qualitativo dos usos da água (saneamento, indústria, transporte aquaviário, geração hidrelétrica, irrigação, pecuária, dentre outros). Para subsidiar esse processo de regulação, a ANA participa de colegiados do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos e desenvolve uma série de estudos e planos. Por exemplo, a ANA desenvolveu um estudo denominado Atlas Brasil de Abastecimento Urbano de Água. Esse estudo aponta as vulnerabilidades em todas as regiões metropolitanas e todos os municípios do país, ao levantar as condições dos mananciais e dos sistemas de produção de água, concluindo que há necessidade de investimentos prioritários que ultrapassam R$ 20 bilhões para ofertar água até 2025 no Brasil, e que, caso não sejam realizados até 2015, pode faltar água em muitos desses municípios. Esse é um planejamento desenvolvido pela ANA para subsidiar o setor de saneamento na instalação de infraestrutura mais adequada do ponto de vista da gestão dos recursos hídricos.

No Conama10 realizado em Madri, em 2010, o senhor foi nomeado representante da delegação brasileira para encaminhar os “temas prioritários”, que foram selecionados pelo público e direcionados à organização da Cúpula da Terra (Rio+20). Entre eles, destacaram-se o acesso universal a água e alimentação, além da pertinente preocupação com o combate à pobreza. Como o senhor inclui a desigualdade social e os valores da economia verde nas discussões acerca dos recursos hídricos? Como enxerga a infraestrutura no Brasil atualmente e quais perspectivas tem para a próxima década?

VA: Bem, primeiro gostaria de informar que, no dia 1º de dezembro de 2010, os “temas prioritários” que emanaram no Conama10 foram entregues ao então presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, na Cerimônia de Atos e Anúncios da Área Ambiental, no Palácio do Planalto, que contou também com a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira. Quanto à economia verde, temos abordado o tema no contexto do desenvolvimento sustentável e da erradicação da pobreza, ou seja, uma economia em base ambientalmente sustentável e socialmente justa, ou ainda, uma “economia verde inclusiva”, que incorpore pessoas à economia, com consumo de bens e serviços em padrões sustentáveis e viáveis. Nesse sentido, pelo fato de a água ser um tema transversal, essencial à vida e ao desenvolvimento econômico, a sua inserção na temática de uma “economia verde inclusiva” é bastante diversa.

O Brasil avançou consideravelmente na implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos e na estruturação do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos nos últimos 14 anos, criando um ambiente institucional propício a uma “economia verde includente” do ponto de vista dos recursos hídricos. Todos os Estados da Federação possuem suas políticas de recursos hídricos instituídas e Conselhos em funcionamento, o Conselho Nacional de Recursos Hídricos emitiu mais de 120 Resoluções desde o início de suas atividades, em 1998, são mais de 170 Comitês de Bacias em funcionamento (24% do território nacional com atuação dos Comitês), mais de 173.800 outorgas do direito de uso da água emitidas (correspondentes a 5.800 m3/s), mais de R$ 108 milhões oriundos da cobrança pelo uso dos recursos hídricos em 2010, o Plano Nacional de Recursos Hídricos aprovado em 2006, e revisto em 2010-2011, mais de 4,5 milhões quilômetros quadrados de território (54% do território brasileiro) abrangido com planos de recursos hídricos em bacias interestaduais e 20 Estados (74% dos Estados) com seus planos de recursos hídricos elaborados ou em elaboração. Essa ambiência permitiu focar em estudos e programas como contribuição para uma “economia verde inclusiva”, como por exemplo o estudo do Atlas Brasil de Abastecimento Urbano de Água, mencionado anteriormente, o Programa Produtor de Águas que tem como foco o pagamento por serviços ambientais para produtores rurais que se proponham a adotar práticas e manejo conservacionistas em suas propriedades, com vistas à conservação do solo e da água, o Prodes – Programa de Despoluição de Bacias Hidrográficas, que remunera estações de tratamento de esgoto (ETEs) pela redução comprovada da carga poluente dos esgotos domésticos, em conformidade com metas de desempenho pré-estabelecidas em contrato. Enfim, a ANA atua em um ambiente de regulação do uso dos recursos hídricos, visando aos múltiplos usos e à conservação desses recursos em prol de uma “economia verde inclusiva”.

Em sua opinião, das estratégias de gestão praticadas nas cidades e áreas rurais brasileiras quais são consideradas mais eficientes para reduzir a demanda e, ao mesmo tempo, aumentar o abastecimento de água? Como alinhar a Política Nacional de Recursos Hídricos, federal, com as políticas municipais? Ao seu ver, qual é o maior desafio para alinhar as políticas de recursos hídricos com as demais políticas socioambientais?

VA: Talvez um dos maiores desafios atuais, em termos de governança da água, esteja ligado aos complexos problemas de desarticulação entre políticas, planos e programas afeitos aos setores usuários de recursos hídricos, de cooperação federativa para a gestão “nacional” de recursos hídricos e de implementação dos instrumentos da Política de Recursos Hídricos de maneira integrada. O alinhamento da Política de Recursos Hídricos com as políticas municipais também faz parte desse desafio. Na implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos, os Poderes Executivos dos municípios devem promover a integração das políticas locais de saneamento básico, de uso, ocupação e conservação do solo, e de meio ambiente, com as políticas federal e estadual de recursos hídricos (Lei 9.433/97, Art. 31). A ANA busca contribuir nesse processo de diversas maneiras, seja oferecendo os resultados de estudos, como o Atlas, para orientar a infraestrutura, no caso de saneamento, desenvolvendo planos de recursos hídricos de bacias hidrográficas, fomentando a criação de Comitês de Bacias Hidrográficas para a promoção da articulação entre políticas setoriais no âmbito dessas bacias, enfim, buscando atuar na promoção da articulação entre atores relacionados aos recursos hídricos.

Na questão da articulação federativa, a ANA está estruturando um conjunto de metas relacionadas às condições de entrega da água (quantidade e qualidade) em seções de controle interestaduais, no âmbito de um Pacto Federativo das Águas e, também, estratégias para maior articulação entre os planos de recursos hídricos no país, e desses com os planejamentos dos setores usuários de água, promovendo ganhos sinérgicos advindos de propostas convergentes e alinhadas com o alcance de metas estratégicas nacionais.

O Pnuma (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente) aposta nos programas de “gestão integrada de recursos hídricos”, em que diversos setores e instituições devem se concentrar, objetivamente, nas especificidades de cada ecossistema ou bacia hidrográfica. Considerando que as duas maiores bacias hidrográficas da América do Sul situam-se parcialmente em território brasileiro, qual é a sua opinião sobre os mecanismos de estímulo à cooperação regional entre Estados ibero-americanos? Existe alguma iniciativa ou parceria que tenha sido realizada neste sentido? Como realizar eficientemente as etapas de elaboração das políticas, planejamento e de implementação?

VA: A cooperação regional entre Estados ibero-americanos é essencial para os recursos hídricos. A água não distingue limites entre países e nem os efeitos das mudanças do clima fazem essa distinção. Temas de envergadura regional e global, portanto, demandam governança mais ampla do que no âmbito dos países. Nos últimos 30 anos, os países da região elevaram a integração regional ao nível de prioridade em suas estratégias de política externa e desenvolvimento nacional. Para o Brasil, a integração sul-americana é uma prioridade consagrada na Constituição como um dos princípios norteadores da inserção internacional do país (Art. 4º, parágrafo único, CF/1988). O exercício dessa prioridade se dá por meio da política externa, desde a fundação do Mercosul (Mercado Comum do Sul), mas sobretudo após a Primeira Cúpula de Presidentes Sul-Americanos de 2000. Sendo a água um insumo do desenvolvimento e um caminho para a cooperação, pode ocupar um papel central na política internacional sul-americana e, nesse sentido, percebe-se um ambiente favorável para a elaboração, debate e deliberação conjunta sobre uma Estratégia Comum para a Gestão de Águas Fronteiriças e Transfronteiriças na América do Sul. Existem diversos acordos e tratados no âmbito regional que têm relação com a água e, certamente, iniciativas como a da Conferência dos Diretores Ibero-Americanos da Água (Codia) contribuem para prover um ambiente de estímulo à cooperação regional, que favoreça a efetiva execução dos tratados e acordos.

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