por Sergio Andrade* –
Por transição justa refiro-me ao que está previsto no Acordo de Paris, com mudança do atual modelo baseado em combustíveis fósseis para fontes de energia renovável, a fim de garantir que essa mudança seja socialmente inclusiva e economicamente equitativa. Isso implica não apenas a substituição das fontes de energia, mas também a criação de empregos decentes, o fortalecimento das comunidades afetadas e a promoção da justiça social e ambiental.
Rio Grande do Sul e os desafio da transição
No contexto do Rio Grande do Sul, a transição para uma economia mais sustentável é fundamental para enfrentar os desafios climáticos e promover políticas de desenvolvimento econômico adaptadas. Durante o processo de reconstrução, promover investimentos públicos e privados em energias renováveis e infraestruturas verdes é uma alternativa semelhante à praticada pelos Estados Unidos em tragédias como o furacão Katrina e para reerguimento da economia no pós-Covid. O campo também terá sua parcela de responsabilidade com reerguimento da agropecuária a partir de técnicas com menor impacto climático, porém com enorme potencial de inovação e renda, criando novas oportunidades econômicas para suas comunidades.
Porém, o paradoxo segue presente, o estado gaúcho possui diversas usinas termelétricas, fonte mais poluente e pouco competitiva, quando comparada às fontes renováveis ou geração distribuída, como afirmam os especialistas . Um estudo conduzido pelo Iema (Instituto de Energia e Meio Ambiente) apontou que as usinas Pampa Sul e Candiota III, ambas localizadas no município de Candiota (RS), encabeçam as listas de emissões e taxas de emissões de gases de efeito estufa a nível nacional, respectivamente. O que expõe a necessidade extrema de uma revisão na política ambiental do Estado.
Responsabilidade comuns, porém diferenciadas
Mas, como sabemos, o efeito das emissões é sistêmico. As medidas necessárias devem envolver o país como um todo e reforçar a máxima das responsabilidades comuns, porém diferenciadas, nas negociações internacionais. O principal responsável pelas emissões nacionais, o agronegócio, deve dar sua maior parcela de contribuição. Porém, setores como siderurgia, cimento, papel e celulose, além de petróleo e gás precisarão dar sua contribuição . Evidentemente,essa mudança não é simples e passa por políticas públicas de desenvolvimento econômico, semelhantes aquelas esboçadas no Plano de Transição Verde ou pelo recente plano de retomada da indústria, anunciados pelo Governo Federal.
Porém, pensando na perspectiva de Estados e Municípios, a transição justa para a economia de baixo carbono ainda engatinha. O Brasil tem uma grande vantagem comparativa já que a base da sua matriz energética é advinda em sua maioria de uma matriz renovável. Nosso país tem plenas condições de assumir o posto de potência ambiental que lhe cabe, com a geração dos chamados empregos verdes, que são postos de trabalho gerados por empresas com políticas sustentáveis consistentes, cientes do reposicionamento das cadeias de valor globais, mudanças de padrões de consumo e novas necessidades climáticas .
OIT estima criação de 18 milhões de empregos
Os números reforçam estas conclusões, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) estima que 18 milhões de novos empregos serão gerados pela transição para a economia verde até 2030. Levando em conta apenas o caso brasileiro, uma modelagem econômica desenvolvida pelo WRI Brasil e apresentada no relatório “Uma Nova economia para uma nova era: elementos para a construção de uma economia mais eficiente e resiliente para o Brasil” apontam que com o aumento de práticas sustentáveis e de baixo carbono é possível gerar um aumento de até R$2,8 trilhões no PIB até 2030. Um outro relatório conduzido pelo Fórum Econômico Mundial indica que com a criação de funções mais generalistas focadas em sustentabilidade, existe o potencial de serem criados 1 milhão de novos empregos.
Segundo dados de 2018 da FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura), o Brasil ocupa o terceiro lugar no ranking mundial de produção agrícola e é o segundo maior exportador de alimentos. Devido à grandiosidade desse setor, o agronegócio representa um terço dos empregos no país e contribui com 22% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro. Porém, a tragédia no Rio Grande do Sul terá um enorme impacto na produção agrícola nacional. O PIB agropecuário brasileiro pode recuar até 3,5% segundo a estimativa do Bradesco. O estado, que responde por 70% da produção de arroz do país, fez o preço aumentar e o Governo anunciou a importação do grão, temendo um impacto ainda maior na inflação.
Neste caso, a agenda de transição justa também pode significar oportunidades de médio e longo prazos Iniciativas que promovem práticas mais sustentáveis no agronegócio e na produção de alimentos têm um potencial significativo para aprimorar os indicadores socioeconômicos e promover inclusão, pois geram mais renda e postos de trabalho de maior qualidade, mais qualificados e estáveis.
O maior desastre da história do Brasil
Diante do maior desastre climático da história nacional, a transição justa emerge como uma resposta necessária e oportuna, permitindo que os planos de recuperação incorporem aprendizados também dos casos europeus, como o Green Deal. Este olhar específico para as políticas de desenvolvimento econômico locais do Estado também dos municípios, pode não apenas ajudar nas medidas de mitigação, adaptação e resiliência climática,, mas também promover uma recuperação econômica mais inclusiva e diversificada. .
Para alcançar esses objetivos, é crucial inovar nas políticas de desenvolvimento econômico, criando estruturas de governança local entre governos, empresas, organizações da sociedade civil e trabalhadores. Para dar certo, as políticas aplicadas precisam ser adaptadas às condições e às necessidades setoriais específicas e principalmente levar em conta as necessidades dos trabalhadores e da população local, conforme prevê o Acordo de Paris..
Essa transição justa acontece quando há uma conjunção de fatores que unem estruturas robustas de planejamento, implementação, monitoramento e governança multissetorial. Somente por meio de uma ação coletiva e planejada, o novo padrão econômico com impactos de baixo carbono irão nos deixar mais protegidos, ou menos vulneráveis aos eventos climáticos extremos cada vez mais frequentes.
*Sergio Andrade é cientista político e mestre em administração pública pela FGV/SP, coordenador da Plataforma de Transição Justa e Missão 2030 e diretor executivo da Agenda Pública, uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) que atua há 15 anos na mediação de diálogos entre setor privado, sociedade e governos, visando o desenvolvimento sustentável e aprimoramento do serviço público.