Diversos

A agonia da imprensa verde e independente

por Samyra Crespo – 

Quando era estudante de História na USP nos idos dos 70, uma das minhas primeiras pesquisas documentais foi no Arquivo Edgard Leuenroth. Este arquivo- localizado em Campinas – reúne o maior acervo de registros sobre os anarquistas no Brasil, a maioria espanhóis e italianos desembarcados em Santos nos finais do século XIX, início do XX.

Ali me debrucei sobretudo sobre os jornais que publicavam – onde é possível obter informações vívidas sobre estes artesãos e operários que recorriam a doações da própria comunidade, para manter escolas próprias e disseminar suas ideias – o que chamamos hoje de financiamento coletivo?

Alguma semelhança?

O certo é que todo grupo social e político, minoritário sobretudo – que contrasta sua ideologia ou visão do mundo com a do establishment – precisa de instrumentos de comunicação para se fazer ouvir.

Gramsci – intelectual comunista italiano que se opôs ao Fascismo – escreveu em seus Cadernos, escritos no cárcere, que são os “pequenos intelectuais” (os únicos a conseguir capilaridade) e os intelectuais orgânicos – constituídos por professores, jornalistas, artistas, escritores e ativistas, que sedimentam uma nova base ideológica – que muda uma mentalidade que não nos serve mais. Por isso a escola e a imprensa são tão importantes para movimentos progressistas.

Sem este exército e sem os meios culturais não é possível resistir às investidas de um Estado autoritário nem ao status quo.

Estas reflexões e a lembrança dos ensinamentos de António Gramsci (1891-1937) me vêm à mente quando verifico a tremenda dificuldade porque passam as revistas e o que poderíamos chamar de imprensa verde, independente.
Periódicos como Página 22, onde está a competente Amália Safatle recorre depois de anos ao formato online para sobreviver. A Revista Eco21, a mais antiga, editada pelos heróis da resistência Lúcia Chayb e René Capriles apela ao crowdfunding e às assinaturas de adesão. As Revistas Plurale (Sônia Araripe) e Ideia Sustentável enfrentam o mesmo cenário: as agências de publicidade recorrem aos algoritmos e desprezam a imprensa nanica, independente. Anunciantes escassos, custos altos de circulação.

Agências de notícias como a Envolverde, onde milita o incansável Dal Marcondes lutam por sobrexistir.
Os sites interneticos serão a única saída para manter nossa imprensa?

A terra sem lei da internet foi o que nos restou?

A Rádio Eldorado – anos a fio um reduto de ambientalistas confiáveis vai se tornar mais uma rádio “profetica” pentecostal. A Rádio MEC ameaçada, provavelmente deixará de existir no formato AM no final do mês.

Estamos entendendo os sinais?

Em agosto próximo haverá um grande congresso de Jornalismo Ambiental em São Paulo. Acredito que estará no centro do debate a sobrevivência da imprensa verde – a que comunica nossas idéias e nos defende do tratamento da mídia oficialesca – aquela que fala da “histeria” ambiental e que não resiste às investidas do Capital.

Há uma nuvem densa de interrogações sobre o futuro.

Temos que nos antecipar e debater sobre nossa necessária sobrevivência.

Parafraseando a Zélia Gattai eu diria que “Somos Ambientalistas, graças à nossa compreensão de como GAIA funciona”.

Busquemos sem demora alternativas a este tsunami de destruição dos meios de comunicação independentes.

Este texto faz parte da série que venho escrevendo desde março para o site Envolverde/Carta Capital, sobre o ambientalismo no Brasil.

Samyra Crespo é cientista social, ambientalista e pesquisadora sênior do Museu de Astronomia e Ciências Afins e coordenou durante 20 anos o estudo “O que os Brasileiros pensam do Meio Ambiente”.