Luiz Cláudio Castro, diretor de sustentabilidade da Companhia Siderúrgica do Atlântico (TKCSA), empresa acusada de crimes socioambientais na zona oeste do Rio de Janeiro, afirma que os problemas da região são decorrentes da falta de investimentos e políticas do poder público. “Na prática, ela ficou abandonada pelo governo durante anos e anos a fio”, diz ele.
São várias as críticas feitas por moradores e especialistas ao empreendimento, entre elas os impactos na saúde da população, no meio ambiente e na atividade pesqueira da Baía de Sepetiba, como mostra este vídeo produzido pelo Ibase.
Em defesa da empresa, Castro alega que o fim da pesca artesanal é uma realidade anterior à instalação da siderúrgica e garante que os padrões de qualidade do ar são seguidos à risca, apesar do excesso de poeira e fumaça. “Apenas uma questão de percepção”, acrescenta, comparando o caso da CSA ao da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), quando esta se instalou em Volta Redonda e emitia grandes quantidades de poluentes na atmosfera.
Há mais de 32 anos na área ambiental, o diretor traz experiências na CSN, na mineradora Vale, em órgãos ambientais e na atuação internacional de empresas brasileiras. Veja abaixo a entrevista concedida ao Ibase.
A sua chegada à TKCSA coincidiu com a fase mais crítica da emissão de fuligem. Como foi?
Comecei a fazer a mediação principalmente com o governo, em um ambiente bastante tenso, e foi bem complicado. Ao longo desse período, fui convidado a montar a equipe, como consultor, de uma diretoria de sustentabilidade. Até então, era apenas uma obra e as relações que se estabeleciam eram entre obreiros e comunidade. Agora você tem os trabalhadores da estrutura já erguida chegando, é um outro nível de relações. São pessoas que vêm para instalar uma fábrica, operação de longuíssimo prazo.
Montei a diretoria e então me convidaram para assumi-la. Aceitei como um desafio porque tem gente vinda de fábricas do Brasil inteiro, algumas já com a cultura da siderurgia e outras não. Achei um desafio interessante no sentido de partir do zero e deixar uma fábrica com uma cultura montada de sustentabilidade nas relações sociais, ambientais e econômicas de longo prazo.
Como foram identificadas e convidadas as lideranças das comunidades que participaram do Programa de Comunicação Social e Educação Ambiental (Procea) da CSA?
Em 2009, a CSA fez um censo social na Av. João XXIII que virou documento-mestre para as nossas decisões. A condução do censo foi da ONG Bola pra Frente, do ex-jogador de futebol Jorginho (Jorge de Amorim Campos), que na época tinha uma atuação social em Guadalupe e estava abrindo uma segunda frente de trabalho em Santa Cruz com patrocínio da Nike. A CSA se aproximou dessa organização, que precisava fazer por sua conta o censo. A lógica do Instituto Bola pra Frente é futebol, mas o trabalho é de reforço escolar e cidadania, com o foco no mercado de trabalho formal. O censo começou com um mapeamento social e atuou em 19 comunidades na vizinhança da CSA.
E o que identificaram?
Percebemos um tropeço de planejamento. A região era, inicialmente, uma área rural, e foi transformada em um distrito industrial. Havia ainda uma área urbana que começou a ser ocupada na década de 1950 por remoções de atingidos por enchentes, o que resultou em construções de conjuntos habitacionais que funcionam isoladamente e têm dificuldade de comunicação. Falta, por exemplo, uma federação de associações de moradores que congregue lideranças e crie um tecido social único para você estabelecer os vínculos. Algumas lideranças são antigas, tradicionais, geralmente são os filhos ou os descendentes dos agricultores, dos pescadores que estavam lá desde as origens.
Estas lideranças tradicionais são as mais críticas sobre os impactos na região?
Os estoques de pesca, desde as décadas de 1960 e 1970, estão absolutamente deprimidos. Se você perguntar aos pescadores mais antigos da região, vai ouvir que a grande causa do declínio dos estoques foi a sobrepesca, a pesca durante o defeso, a entrada de grandes embarcações na Baía de Sepetiba, o uso de malha fina. Na década de 1960, o sistema de geração elétrica e distribuição de água para a região metropolitana construído no Rio Guandu também afetou a atividade, pois alterou as características ambientais da baía. O Guandu era um filete e passou a ser um rio despejando mais água doce na baía e alterando sua salinidade. Com isso, algumas espécies perderam o seu habitat e a situação piorou para os pescadores.
Então eles começaram a se juntar em pequenas associações. A mesma desarticulação das associações de moradores está presente. Ocorre de uma associação de pescadores ser inimiga de outra, de uma associação de moradores detestar a terceira, e assim por diante. Não existe uma liderança estruturada. É um ambiente efetivamente complicado. Sem contar que esses conjuntos habitacionais foram quase um depósito de gente. A infraestrutura é péssima, as pessoas foram simplesmente lançadas ali. Na prática, aquela região ficou abandonada pelo Estado, pelo governo, durante anos e anos a fio.
Então, neste contexto, como é que foram selecionadas as lideranças? E como foram feitos os convites para as audiências públicas?
A seleção foi trabalho da Agenda 21 e eu não acompanhei. Com relação às audiências públicas, sinto-me culpado, pois fui um dos que as conceberam lá atrás, na década de 1980, e hoje fico triste ao ver no que se transformaram. Primeiro, a audiência pública passou a ser palco de um processo de barganha e, segundo, existe uma incapacidade de compreensão dos estudos apresentados nela, sempre muito complexos. Nas três audiências públicas da CSA que participei como ouvinte, uma parte pequena do tempo era dedicado a apresentar os impactos ambientais clássicos sobre o ar e a água para uma turma sonolenta e a maior parte do tempo tinha como foco recursos humanos, ou seja, “quantos empregos vão ser?”, “onde eu coloco meu nome?”, “como é que vai ser o curso?”, “vai ter curso?”, “quantas horas?”. O que se criou nas três audiências foi um palco para discussão das oportunidades de emprego que estavam vindo para a região.
A questão da poeira foi colocada na audiência pública?
Sim, mas ninguém deu atenção.
Então esse impacto havia sido previsto pelo EIA-Rima e foi falado na audiência pública?
Uma das coisas apresentadas no EIA-Rima, enfadonhamente, foi o modelo matemático de dispersão de poluentes na atmosfera. A conclusão é: teremos mais poeira, mas nenhuma violação dos padrões de qualidade do ar. Isso se mostrou verdadeiro, inclusive nos episódios mais críticos de agosto e dezembro, quando houve um pouco mais de poeira sem violação do padrão. O que aconteceu foi que gerou incômodo. Já trabalhei em Volta Redonda, e lá a população convivia com poeira e fumaça diariamente, 365 dias por ano, 24 horas por dia. Você perguntava para os taxistas quantas vezes eles lavavam o carro, e a resposta era em torno de quatro vezes ao dia. Mas, depois da instalação de um conjunto de filtros, qual é a visão da comunidade? Melhorou, nossa, como melhorou! O mesmo taxista vai responder que lava o carro apenas três vezes por semana. Vamos trabalhar para melhorar essa percepção (sobre a CSA).
Mas a CSA colocou esses filtros?
Não, não. É mais do que isso. É a geração moderna. Ou seja, hoje em dia, do ponto de vista da ThyssenKrupp como fabricante de aço no mundo, as instalações do Brasil são as mais modernas, as mais estruturadas quanto ao controle de poluição.
A qualidade do ar na região, ela já é considerada ruim. Houve alguma análise de qualidade do ar anterior à implantação da empresa?
Sim, durante quatro anos.
Então a CSA não está adotando práticas que não seriam aceitas na Alemanha?
Não, muito pelo contrário. Para você ter uma ideia, um dos países que brigou pela presença da CSA foi a Alemanha, por meio do sindicato. O sindicato da Alemanha não queria que o projeto viesse para cá de jeito nenhum, queria os empregos.
E como é a relação com os pescadores da Baía de Sepetiba?
Recentemente, tive uma reunião com as 12 associações de pesca com as quais a gente trabalha e as brigas entre elas ficavam claras. Um dizia “Luiz, você já trabalha nessa região há muito tempo, sabe que a pesca vai acabar em dez anos”, e outro rebatia “coisa nenhuma, em cinco anos acaba”.
Eu questionei: “Vocês vão viver do quê quando a pesca artesanal acabar?”, o que causou espanto, pois todos esperavam que eu dissesse que a pesca artesanal não vai acabar.
E continuei: “Existe um projeto de governo associado à região da Baía de Sepetiba que envolve um porto do Eike, um porto da Usiminas, um porto da CSN, um terminal de contêineres, uma base do pré-sal da Petrobras, uma siderúrgica nova da CSN, o submarino nuclear da Marinha. Quer dizer, tem um conjunto de coisas aí que é o resultado de um grande programa de governo, sem entrar no mérito de se é bom ou ruim, mas é o programa que se colocou e que vai estabelecer zona de exclusão de pesca para tudo que é lado. Vocês vão ter dificuldade. E aí, vão fazer o quê? Todas as linhas de financiamento do Ministério da Pesca vão ser direcionadas para duas coisas: educação técnica de pesca, as tecnologias de pesca, e piscicultura. Como é que eu posso ajudar vocês? Comprando pescado, como tá no nosso contrato? Porque eu tenho que comprar pescado, mas um dia acaba e não tenho mais obrigação de comprar. Se vocês quiserem repactuar o contrato e montar um grande projeto, fazer uma cooperativa de associações de pesca para trabalharmos, junto com o governo do Estado e o Ministério da Pesca ou BNDES, na implementação de uma grande área de piscicultura para vocês produzirem peixe, trabalharem juntos e manterem o sustento das suas famílias com o peixe, estamos dispostos a isso, a ajudar vocês”.
Eu queria que você falasse um pouco mais detalhadamente sobre os sistemas e os procedimentos de controle ambiental, os planejados e os em execução.
Do ponto de vista do controle ambiental, a usina tem a melhor tecnologia. Os equipamentos são de segunda ou terceira geração, isto é, já são melhorados em relação aos anteriores. Hoje em dia eu tenho, para controle de poluição do ar, equipamentos em todos os processos da siderúrgica. Ou melhor, falta em um processo, mas estamos desenvolvendo e vai ser o primeiro do mundo, que é o do poço de emergência. Vai ser o primeiro poço de emergência do mundo com sistema de controle. Aliás, diga-se de passagem, sistema de controle que a gente desenvolveu. Enfim, fizemos o que deu, o que tinha de possível.
O que estão esperando para a instalação do poço de emergência?
Acertar com o Instituto Estadual do Ambiente (Inea), porque aquele solo é muito mole e tem um aterro por cima, então a espera é normal. Temos acompanhado que o terreno como um todo está cedendo, temos as medidas disso. Quando ele chegar a um determinado ponto de estabilidade, aí sim, teremos como planejar o caimento dos canais, a sua profundidade e as cotas de um sistema de controle para a água de chuva. Isto deve acontecer em mais ou menos quatro anos. É a última coisa que falta instalar do ponto de vista do controle.
Como é garantida a impermeabilização de reservatórios para armazenamento de efluentes (substâncias líquidas, com predominância de água, produzidas pelas atividades humanas – esgotos domésticos, resíduos líquidos e gasosos das indústrias, etc.) e quais as estruturas para evitar inundações ou transbordamentos?
Na realidade, o que funciona hoje em dia como reservatório são as redes de canais, que são enormes. Se tem algum tipo de vazamento, bloqueamos o canal e o líquido fica contido e depois é levado para tratamento. Então, na prática, temos um controle bom, mas provisório ainda.
No caso, evitaria o transbordamento?
Isso.
E no caso da infiltração no solo?
O próprio sistema de concreto veda isso.
Existe a possibilidade de emissão de benzeno?
Olha só, as coquerias convencionais têm o que a gente chama de pressão positiva, ou seja, eu tenho uma pressão interna e ela vaza para fora. A coqueria da TKCSA tem pressão negativa, ou seja, quando abre a porta, o ar entra. Além disso, ela queima todo o gás sujo em uma temperatura de 1.100, 1.200 graus. Os arcobenzênicos são destruídos à temperatura de 800, então, com isso, o que que eu tenho? Uma queima total desses gases, gerando no final um gás limpo que é extremamente quente e serve para uma térmica a vapor. O enxofre residual também é limpo, e o gás da chaminé tem CO2, evidentemente, que é produto da queima mais umidade. Há o controle total, tanto de partículas, quanto de benzeno.
Então não tem a menor possibilidade de emitir benzeno?
Não tem nenhuma possibilidade de emitir benzeno. Quer dizer, você vai ter algum benzeno medido em área por conta do tráfego de automóvel, da gasolina, né? Agora, da coqueria propriamente, não.
Quais são os produtos que usam benzeno?
Carvão, em que um volátil é o benzeno, todo carvão mineral tem isso, carvão vegetal também, cigarro, mato queimado, tudo isso tem benzeno. Esse carvão vai para a coqueria e ela não libera benzeno. Então o carvão é o único produto que eu tenho que tem alguma carga de alguma coisa. Minério de ferro. Minério de ferro é basicamente dióxido de ferro, ferro com oxigênio. É o terceiro material mais presente na natureza, tem no solo… Ferro é aquele negócio, se fizesse mal, mineiro estava machucado. Em Minas Gerais o solo é riquíssimo em ferro, tem ferro presente, e aqui também, para tudo quanto é lado. Eu também uso calcário dolomítico e calcário calcítico. Isto é basicamente carbonato de cálcio, carbonato de magnésio. No minério de ferro vem alguma sílica também que aí poderiam falar em silicose, mas não, porque depois de passar pelo forno o resultado será cimento ou brita. Então, na realidade, estes silicatos se unem com o cálcio e com o magnésio e se tornam produtos vendáveis. Existe uma fábrica de cimento da Votorantim que recolhe toda a escória de alto forno.
Qual é a estimativa da quantidade de efluentes líquidos e resíduos sólidos que serão produzidos quando a empresa estiver funcionando a 100%?
Olha, todos os processos são fechados, então o efluente líquido que eu tenho é chamado de água pluvial, ou seja, a água da chuva é o que sai. Todas as áreas onde você tem pátio, pilha ou com algum tipo de produto que possa ser lavado pela chuva, levamos para uma canaleta. Por enquanto, estamos tratando na canaleta, como eu expliquei. No futuro, para cada área dessa, eu vou ter um sistema de tratamento, reservatórios onde faremos algumas reações químicas para tirar e remover aqueles produtos de dentro, algumas reações físicas também de sedimentação. E aí aquele material que fica, ele é produto, ele volta para a pilha.
* Publicado originalmente no site Agência Ibase.