O Rio de Janeiro é o primeiro Estado brasileiro a criar um cargo executivo para tratar exclusivamente da implantação de políticas públicas que apoiem a Economia Verde. É a subsecretaria de Economia Verde, ligada à Secretaria Estadual de Meio Ambiente, dirigida desde sua criação, em 2010, pela ambientalista Suzana Kahn, pesquisadora ligada à Coppe (UFRJ) e ex-presidente do Comitê Científico Brasileiro de Mudanças Climáticas, uma espécie de IPCC nacional.
Nesta conversa com o jornalista e também ambientalista Vilmar Berna, um dos poucos brasileiros a receber o prêmio Global 500 da ONU, Suzana conta como é o desafio de trabalhar dentro do governo para implantar bases sólidas para uma economia verde. Comenta também as oportunidades que o Brasil e o Rio de Janeiro em particular terão sendo sede da Rio+20. Segundo ela, há uma série de interesses e discussões com relação à economia verde e sustentabilidade, muitos associados à questão de comércio internacional. Para Suzana, não devemos estagnar na discussão de como calcular emprego verde, ou dizer em tentar definir o que é verde e o que não é. “É mais importante que cada país trabalhe para encontrar seu caminho nessa nova economia, e então, assumir suas próprias metas em função daquilo que faz”, explica.
Confira a entrevista.
Vilmar Berna: Que políticas públicas podem estimular a economia verde?
Suzana Khan: Antes de definir as politicas públicas necessárias, é preciso entender o que está acontecendo. É nesse estágio que estamos: avaliando o que vem a ser a economia verde e como valorar os recursos ambientais. Para, então, traçar as políticas com potencial para corrigir as falhas de mercado que, por exemplo, desconsidera a questão ambiental, social e os custos associados à poluição, à perda de paisagem ou de biodiversidade. São coisas muito intangíveis, estamos trabalhando na valoração, ou seja, quanto vale um recurso natural? Não estamos tratando de todos, porque é muito complexo.
VB: E nem tudo no meio ambiente é capital, certo?
SK: Exatamente! Essa disfunção é muito interessante já que há uma resistência em relação à economia verde. Como esse é um conceito ainda abstrato, cada um dá o “tom de verde” que melhor preferir. Com a proximidade da Rio+20, que tratará do tema economia verde, tem havido resistência à adoção de critérios mais objetivos. Isto se dá porque muita gente ainda acha que é um modismo, que mudamos do “desenvolvimento sustentável” para um novo nome. Essa má compreensão precisa ser resolvida para fazer com que as pessoas apostem na economia verde.
VB: A economia verde não substitui o conceito de desenvolvimento sustentável?
SK: Não substitui. É um meio para se chegar ao desenvolvimento sustentável. Aliás, não é só isso, é uma forma de criar e promover ferramentas para chegar lá. Na economia tradicional quando são calculadas as metas, por exemplo, o PIB (produto interno bruto), a taxa de desemprego, não é considerada a questão ambiental, não é considerado o recurso natural, muito menos a qualidade de vida. Na economia tradicional a qualidade de vida não tem peso. Por exemplo, quando você gera uma receita para um município ou um estado, não são avaliadas as formas como essa receita foi gerada. Seja consumindo mais gasolina, causando congestionamento, etc.
VB: Beneficia o município, mas…
SK: Está aumentando o produto e, no entanto, é péssimo para a qualidade de vida da população, não permite a mobilidade adequada nas cidades. Não se captura essas questões quando a métrica usada é a da economia convencional. Da mesma forma, quando se tem derramamento de óleo na Baia de Guanabara é bom para economia antiga, porque é preciso gastar dinheiro, as pessoas precisam trabalhar para despoluir, enfim, mas isso é bom?
VB: Se cair um avião aqui, o PIB cresce.
SK: Cresce porque terão de comprar um novo avião. É isso que a gente tem que deixar evidente. Uma vez que isso for evidenciado pelos tomadores de decisão, todos verão que não é uma questão apenas para o meio ambiente. Economia, desenvolvimento humano e recursos naturais são parte da mesma equação.
VB: O conceito de economia verde ainda é algo vago, mesmo para os economistas.
SK: Enquanto não houver a percepção da importância desse conceito, a tomada de decisão política fica prejudicada. Tanto o Brasil quanto o Rio de Janeiro têm um capital natural muito grande só que não está valorado. A gente não dá valor a isso, e se o comércio degradá-lo pode até continuar tendo crescimento, mas estaremos matando a galinha dos ovos de ouro, já que nosso estoque natural estará indo embora. Este é o desafio aqui na Secretaria: construir um senso comum entre todos os secretários, tomadores de decisão, etc. Com isso será possível dar incentivos para os setores que vão beneficiar mais o estoque de capital natural. Temos de criar incentivos e desoneração, não para diminuir a receita do Estado, mas para reorientar os processos de produção e de serviços.
VB: A economia tradicional deve ajudar a economia verde. De que maneira isso pode ser feito?
SK: É perceber que o recurso natural é importante, que ele tem um valor. É valorizar atividades que antes eram pouco remuneradas e fazer com que pessoas que não estavam sendo incluídas nessas atividades possam ter oportunidades. O caso da pesca é um exemplo. O Brasil tem um litoral enorme, mas a pesca e a manutenção dos recursos pesqueiros não estão sendo devidamente valorados. O fato de ter ambientes naturais bonitos, como parques, é importante. Mas, quanto se paga para visitar parques? Nada, então o parque não é mantido porque não tem recurso para isso. Você não visita um parque nos Estados Unidos sem pagar. Não só nos Estados Unidos, no Quênia (África) também tem parques lindíssimos, muito bem mantidos, com vigilância e pessoas trabalhando ali.
VB: Estamos falando, então, de usar e pagar pelos serviços ambientais?
SK: A gente não dá valor, por exemplo, para o turismo. O Brazil nunca foi ao Brasil, porque a gente não valoriza. Você visita o Pantanal e a Amazônia e encontra vários estrangeiros e poucos brasileiros. Tem grupos que gostam de viajar pra ver pássaros, no Brasil ninguém presta atenção a isso, a gente não dá valor. É preciso estimular o turismo interno e a economia criativa.
VB: O que é economia criativa?
SK: Economia criativa está muito associada, por exemplo, à moda, ao teatro, ao audiovisual. Essa economia também impacta pouco em recurso natural a não ser a criatividade. A cultura também. Pode gerar muito recurso para o Rio de Janeiro, com pouquíssimo uso de recurso natural. Não precisa simplesmente fazer aço, o Estado pode ganhar muito dinheiro direcionando o seu crescimento mais criativo.
VB: Quais exemplos de economia verde, em projetos e ações, que são importantes para a realidade brasileira,?
SK: A indústria farmacêutica baseada em produtos agrícolas, fitoterápicos, tem um grande potencial, mas atividades que possam estimular a vida fora das grandes cidades também têm um impacto muito positivo. O cidadão das metrópoles é um voraz consumidor de energia e de transportes. Também estamos trabalhando para ampliar a oferta de energias limpas no Rio de Janeiro. É preciso estimular as indústrias da cadeia produtiva das energias limpas e gerar mais empregos verdes.
VB: Quem vai financiar?
SK: A economia tradicional tem que financiar a mudança. E isso já acontece com, por exemplo, os royalties do petróleo e da mineração. A indústria do petróleo paga uma certa quantia em royalties e no caso do pré-sal existe um fundo. Existe, também, o fundo clima, que é para promover iniciativas que visem redução na emissão de carbono. E, no Estado do Rio, tem o Invest-Rio. As agências de fomento, existem, é preciso ter uma direção.
VB: Como fazer com que outros órgãos do governo compreendam essa direção?
SK: Idealmente, a questão da economia verde deve estar em todas as instâncias de governo. Pensando em economia e em desenvolvimento, é preciso que todas as atividades, como a agricultura, a cultura, esporte e lazer, turismo e, principalmente, a economia, estejam alinhadas. Isso aconteceu quando como Plano Clima, que também ultrapassa as fronteiras ambientais. Agora no plano de economia verde deve acontecer da mesma maneira.
VB: Como a economia verde está relacionada com a comunicação ambiental e a educação ambiental?
SK: Acredito que educação ambiental não é simplesmente ensinar o que é um bioma, o que é ecossistema, etc. É preciso focar na mudança de hábitos de consumo, porque o país está crescendo e quando as pessoas passam a ter renda maior, tendem a copiar uma forma de consumo insustentável. Quando se fala da nova classe média, é o momento de trabalhar para que esse novo grupo consumidor entre no mercado com ideias e com hábitos de consumo mais sustentáveis. Eu vejo a geração dos meus filhos muito mais educada do que a minha. Devemos seguir essa trilha de mudança de hábito, de reaproveitamento de água, de energia, enfim, vejo um grande potencial na educação ambiental.
VB: Com relação à Rio+20, será uma oportunidade para o Brasil ser vanguarda de uma nova economia?
SK: Oportunidade tem, não sei se vamos ter sucesso (risos). Há muitos interesses e discussões com relação à economia verde e sustentabilidade, muitos associados à questão de comércio. O que é mais interessante para a Rio+20 é muito mais o entendimento desse conceito, de cada país, de acordo com as suas especificidades, assumir suas próprias metas em função daquilo que faz.
VB: Estamos melhor do que há 20 anos sob o ponto de vista da economia verde?
SK: Eu acho que sim. Quantas pessoas falavam de aquecimento global? Pouquíssimas, era um debate meio intelectual, acadêmico ou de relações internacionais. Hoje em dia qualquer criança fala de aquecimento global, todo mundo sabe desse assunto, todo mundo entende. O primeiro passo para resolver qualquer coisa é reconhecer: temos um problema. Se você não reconhece o problema não pode fazer nada. Da mesma maneira fazendo uma analogia, se não tem uma métrica, um indicador para medir a economia verde, não se pode traçar nenhuma política.
VB: O Brasil precisa ter um cargo de governo específico para economia verde?
SK: Ah! Sou muito entusiasmada, eu acho que é sempre bom a gente renovar, abrir um espaço e provocar uma discussão, um debate, acho que isso me motiva.
VB: Será que o exemplo da Secretaria de Economia Verde do Rio será multiplicado para o resto do Brasil?
SK: Eu espero que sim. Quanto mais a gente divulgar, procurar realmente espalhar essa ideia, melhor. A Rio+20 é um palco para para dar mais destaque a essa questão.
* Vilmar Sidnei Demamam Berna é escritor e jornalista, fundou a Rebia (Rede Brasileira de Informação Ambiental) e edita, deste janeiro de 1996, a Revista do Meio Ambiente (que substituiu o Jornal do Meio Ambiente) e o Portal do Meio Ambiente. Em 1999, recebeu no Japão o Prêmio Global 500 do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente e, em 2003, o Prêmio Verde das Américas.
** Conteúdo produzido pela Envolverde e publicado originalmente no suplemento Carta Verde, na revista Carta Capital.