“Devemos ter sempre em mente que é arrogância achar que sabemos como salvar a Terra: nosso planeta cuida de si próprio. Tudo o que podemos fazer é tentar nos salvar.” James Lovelock.

Conceituadas organizações ambientalistas e órgãos de imprensa, empresas, governos, campanhas de mídia, publicações e autores respeitados têm usado a expressão “salvar o planeta”. Uma busca rápida na internet mostra vários exemplos desse uso.

No sentido religioso, salvar é livrar das penas do Inferno e obter a salvação eterna. Salvar tem o sentido de livrar de ruína, pôr-se a salvo de algum perigo ou risco iminente. Numa escala restrita e limitada, um médico, um socorrista, um bombeiro ou a defesa civil podem salvar vidas em desastres e catástrofes, como terremotos e tsunamis, enchentes e deslizamentos de encostas.  Numa escala mais ampla, pode ser que o desenvolvimento da ciência e da tecnologia, nos torne capazes de desviar corpos celestes em rota de colisão com a terra, evitando megadesastres. Mas este dia ainda está longe de nós.

Salvar também tem o sentido de preservar o status quo, de conservar, manter, preservar, conservar intato, salvar um determinado estilo de vida e modo de vida que está em risco.

Diz James Lovelock, o criador da teoria de Gaia, referindo-se às mudanças climáticas com as quais nos defrontamos que “a Terra real não precisa ser salva. Pôde, ainda pode e sempre será capaz de se salvar, e agora está começando a fazê-lo, mudando para um estado bem menos favorável a nós e outros animais. O que as pessoas querem dizer com o apelo é ‘salvar o planeta como o conhecemos’ e isto agora é impossível”.

A vida humana está presente numa fração mínima da história da Terra. O homo sapiens surgiu há apenas 150 mil anos. Há 50 mil anos, o sucedeu o homo sapiens sapiens, uma espécie que sabe que sabe. A vida humana entrou em cena já no final da era cenozóica, a era dos mamíferos, que se iniciou depois da última grande extinção, e dura até nossos dias. A era mesozóica, quando imperaram os dinossauros, durou entre 245 e cerca de 65 milhões de anos atrás. Terminou devido a uma catástrofe que pode ter sido causada pelo choque de um asteróide com a Terra. Nosso planeta tem mais de quatro bilhões de anos, e nele a vida se desenvolveu há milhões de anos.

O uso da expressão em português pode ser o resultado de tradução mal feita do inglês, língua na qual o verbo to save tem o sentido de guardar (nos computadores, salvar um texto ou arquivo é guardá-lo). Em inglês, to save pode significar poupar, economizar (savings = poupança). Faz sentido poupar os recursos naturais do planeta, evitar seu mau uso ou desperdício. Mas como em português o verbo salvar não é usado com tal significado, a expressão soa inapropriada.

A expressão salvar o planeta envolve, portanto, ou uma má tradução, ou uma dose de presunção. Em qualquer desses casos, precisa ser evitada.

A comunicação e a expressão corretas de pensamentos e ideias ajudam a promover a compreensão e a construção da consciência ecológica. O cuidado com o significado das palavras e com seu uso apropriado ajuda a promover a necessária ecoalfabetização.

* Maurício Andrés Ribeiro é autor de Ecologizar e de Tesouros da Índia. www.ecologizar.com.br – Email: [email protected].