carbonoO Planeta buscava um substituto para o petróleo. Parece ter encontrado: o gás de xisto e o carvão mineral. O crescimento da produção norte-americana do gás de xisto mudou o panorama da geração de energia. Esse gás substitui a cada dia mais carvão, cujo excedente é exportado para Europa a baixo preço. Isso derrubou o preço do carvão em todo o mundo, principalmente na Ásia. O mundo se prepara para trocar um combustível fóssil por outro, mais abundante e barato. E fossiliza conquistas ambientais.

As termoelétricas europeias a carvão mineral aumentam seus lucros. Sobra carvão e com preços tão baixos, empresas como a norueguesa Statkraft, a alemã E•ON, a checa CEZ e a britânica SSE fecham e hibernam centrais a gás, incluindo plantas moderníssimas. Os lucros caíram mais de 90% no primeiro semestre de 2013, em usinas com ciclo combinado de gás. A RWE, maior geradora da Alemanha, obtém 62% de sua produção do carvão mineral e incrementou a produção em 16% em 2012. A Xstrata, a maior empresa exportadora de carvão mineral, baixou em 17,3% seus contratos para a geradora Tohoku do Japão. Depois de Fukushima, o Japão substitui a energia elétrica atômica pelo carvão. O adicional de emissões de CO2, tanto no Japão como na Alemanha, pelo fechamento das usinas atômicas, é enorme. Pouco se comenta sobre isso.

O uso do carvão aumentou as emissões de CO2 na União Europeia (UE), tão engajada no discurso ambiental. Os países europeus não cumpriram as metas de redução de CO2, previstas no Protocolo de Kyoto, apesar da crise econômica e da substituição de sua produção industrial pela China. A importação de carvão estadunidense pela Europa cresceu 23% e atingiu 66,4 milhões de toneladas em 2012. Nos 27 países da UE, a geração de energia a partir de carvão ultrapassou o gás e atingiu seu nível máximo dos últimos 17 anos. E o máximo das emissões de CO2.

O chamado mercado de carbono, essencialmente europeu, veio abaixo. Sobram quotas de carbono e ninguém se interessa. Em Abril, o Parlamento Europeu votou uma sentença de morte ao mercado de carbono: rejeitou limitar as autorizações de emissões CO2 proposta pela Comissão Europeia. Uma tonelada de CO2 valia 30 Euros em 2008. Caiu para 2,75 Euros, seu nível histórico mais baixo. Para completar, a European Union Emissions Trading Scheme envolveu-se em escândalos, como roubo de licenças de emissão de CO2 e fraudes fiscais. O descrédito do mercado de carbono freou investimentos em alternativas de geração de energia. A UE aliviou as exigências ambientais para a indústria, face à crise econômica. Ocorre uma renacionalização da política climática e o abandono da política de Bloco.

No futuro, os EUA exportarão gás em volume suficiente para mudar o panorama mundial. A reserva estadunidense é suficiente para abastecer o mercado por mais de 100 anos, segundo cálculos da Administração de Informação sobre Energia. O avanço tecnológico na extração do gás de xisto prossegue. Segundo os técnicos, ele reduzirá diversos problemas ambientais, como contaminação hídrica e emissões de metano. Quando?

As 48 reservas de gás de xisto estão em 28 Estados dos EUA e 26 estão em exploração. Na Pensilvânia, Nova York, Ohio e Virgínia Ocidental, há 6 mil poços em operação, só na formação geológica Marcellus. O gás de xisto, menos poluente, deslocará o carvão na geração de energia elétrica no EUA, onde metade da eletricidade ainda é gerada em térmicas a carvão. Em 2012, ele gerou US$ 238 bilhões, cerca de 1,7 milhão empregos e US$ 62 bilhões em impostos, além de efeitos indiretos obtidos pela redução dos preços de eletricidade, gás e produtos químicos.

O gás de xisto já substitui o diesel em ônibus e caminhões. São poucos postos com o combustível nos EUA, mas a rede de gasodutos tem 38 mil quilômetros. O gás será um combustível cada vez mais competitivo e, ao levar ao túmulo o mercado de carbono, talvez carregue junto o sonho do etanol como commodity internacional, destinando-o a ser, basicamente, um produto de consumo interno nos países produtores. Se tanto.

Como essa nova realidade interfere na política brasileira de produção de biocombustíveis? E no mercado internacional de etanol? Uma equipe da Embrapa Gestão Territorial estuda seus impactos na agroenergia, mas o alcance da mudança pode ser muito maior. Devido à produção crescente de gás de xisto nos EUA e seu baixo preço, companhias brasileiras já suspenderam projetos de construção de hidrelétricas na América Central. Em outras situações, a energia hidrelétrica poderá perder competitividade com a termoelétrica. Qual será a conta ambiental de todo este processo?

O gás de xisto pode afetar o futuro Pré-Sal. Já é real a fuga de investimentos produtivos no setor petroquímico do Brasil para os EUA, onde o preço da matéria prima e da energia é menor. Apesar de a Agência Nacional do Petróleo ter marcado o primeiro leilão de blocos de gás de xisto para o fim de Outubro, ainda falta o país conhecer e dominar a tecnologia envolvida nessa exploração e avaliar seus riscos ambientais.

Muitos no agronegócio brasileiro discutem combustíveis renováveis, redução das emissões de CO2, pegadas de carbono, agricultura de baixo carbono e propõem programas ambientais em cenários ultrapassados. A era da energia fóssil está longe de acabar. Esses cenários viraram carvão. O Brasil está destinado a compensar e fixar o carbono emitido pela China e países desenvolvidos? Deve renunciar ao Pré-Sal e à exploração de suas reservas de gás de xisto? Os carbonários do carbono ignoram os impactos desse gás e das novas tecnologias e mudanças associadas a ele?

A surpreendente emergência do gás de xisto ilustra o quanto é fundamental a inovação tecnológica e desafia o planejamento nacional. Ao ser alertado sobre o possível esgotamento das reservas de petróleo pela intensidade de sua exploração, uma autoridade saudita declarou: a prioridade é vender as reservas antes da emergência de novas tecnologias.

A Idade da Pedra não acabou por falta de pedra.

Evaristo Eduardo de Miranda é doutor em ecologia e pesquisador da Embrapa.

** Publicado originalmente no site Eco21.