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Meio ambiente: inimigo a ser abatido

Por Liszt Vieira* – publicado na revista Eco21 – 

Todas as religiões que acreditam num Deus transcendente afirmam que o homem foi criado à imagem de Deus para cuidar de seu semelhante e da casa comum, a natureza. E as tradições religiosas com visão imanente de Deus também defendem a proteção do meio ambiente numa visão integrada do homem com a natureza.

Grandes líderes religiosos se destacaram na defesa da proteção ambiental. Por exemplo, o Dalai Lama e, principalmente, o Papa Francisco, com sua extraordinária Encíclica Laudato Si.

A ruptura dessa visão integrada homem-natureza deu-se, depois do Renascimento, pela forte influência do cartesianismo a partir do Século 17 em diante. Descartes afirmou que o homem é o senhor e mestre da natureza.  O homem é o sujeito, a natureza o objeto. A visão antropocêntrica moderna trouxe avanços científicos notáveis com o “desencantamento do mundo”, na expressão de Max Weber, mas abandonou a visão holística que existiu na Antiguidade Grega desde os pré-socráticos. O homem e a natureza eram vistos como um conjunto inseparável, a Physis.

Essa visão integrada do homem com a natureza da Grécia Antiga transformou-se, na Modernidade, numa visão mecanicista e reducionista. O modelo de Ciência daí decorrente predominou até o Século XX e acabou se esgotando por suas próprias limitações. Hoje, a teoria dos sistemas, a física quântica, a termodinâmica e o pensamento complexo abriram perspectivas para uma nova forma de Ciência que reaproxima o ser humano da natureza. O ponto de vista sistêmico da antiga Physis grega e das tradições religiosas ressurge nos sistemas ambientais.

A Questão Ambiental surge a partir da Revolução Industrial e seu impacto na natureza. Mas não foi percebida no Século 19. Os grandes pensadores que influenciaram as ideologias que predominaram no Século 20 – o liberalismo, o utilitarismo empirista e o socialismo – como Adam Smith, David Hume/Stuart Mill, e Karl Marx, principalmente, não analisaram o meio ambiente como uma questão em si.

O Século 20 esteve ocupado com duas Guerras Mundiais, a Primeira Guerra de 1914 a 1918, e a Segunda Guerra de 1939 a 1945. Só na segunda metade do século é que a destruição ambiental foi percebida como um problema real. Ainda assim, foi rejeitada pelos partidos políticos, de direita ou esquerda, que não aceitaram a existência de uma questão ambiental, pois só enxergavam o problema econômico ou social desligado de seu impacto ambiental.

Essa visão holística é retomada a partir da influência de pesquisadores científicos e movimentos sociais de defesa da natureza que denunciaram os desastrosos impactos ambientais da produção econômica, capitalista ou socialista. A noção de sustentabilidade adquiriu força com o apoio das Conferências Internacionais de Meio Ambiente – desde a Conferência RIO-92 até os Acordos de Paris de 2015 – que mostraram a catástrofe iminente da crise climática e da perda da biodiversidade.

O órgão da ONU sobre a crise climática, denominado Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (conhecido por IPCC, na sigla em inglês), calcula que o aquecimento global está hoje em torno de 1,5 graus, o que provoca graves perturbações no clima, como secas, inundações, calor extremo etc. A tendência é chegar breve a 2 graus, o que agravaria os desastres climáticos. Acima disso, será um desastre, se não houver mudanças drásticas para evitar as emissões de gases de Efeito Estufa, principalmente pelo desmatamento de florestas e pelo uso de combustível fóssil. E existem previsões pessimistas de que o aquecimento global pode chegar a 4 ou 5 graus, o que seria catastrófico.

No caso do Brasil, quase metade das emissões de gases de Efeito Estufa vem do desmatamento. Em 2020, haverá um aumento de 10 a 20% nas emissões, o que é muito grave, tendo em vista a redução da atividade econômica pela pandemia.

Segundo dados de 2018 do SEEG (Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa) e do Observatório do Clima, a Agropecuária, Mudança no Uso da Terra e Energia são os maiores vilões.

Fonte: Seeg/Observatório do Clima

As emissões per capita brutas no Brasil – 9,3 toneladas/ano em 2018 ainda são mais altas do que a média mundial – 7,2 toneladas/ano. A intensidade de carbono da economia brasileira também é maior: enquanto o mundo gerava US$ 1.484 por tonelada de CO2 emitida em 2015, o Brasil gerava US$ 970.

A devastação das florestas contribui com cerca de 45% das emissões de gás carbono, reduzindo os canais de umidade, chamados de rios voadores, que trazem umidade da Amazônia para o Sudeste, contribuindo fortemente para o regime pluviométrico que impede o Sudeste brasileiro de tornar-se um deserto, como Atacama no Chile, na mesma latitude.

De consequências igualmente desastrosas é a perda da biodiversidade pela destruição da fauna e flora. O Brasil é um dos países mais ricos em biodiversidade do mundo. É um dos dezessete países que, juntos, possuem 70% da biodiversidade do Planeta. O conjunto dos biomas terrestres (Mata Atlântica, Amazônia, Cerrado, Caatinga e Campos do Sul) abriga 20% das espécies do Planeta, constituindo 20% da flora global. O Brasil tem mais de 55% de cobertura vegetal nativa e 15% da água doce do Planeta.

Um Grupo de Trabalho da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) publicou em 2018 um Diagnóstico Brasileiro sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos. Entre as conclusões, destacamos as seguintes:

– O Brasil abriga a maior diversidade biológica do Planeta e a economia do país depende do uso sustentável dos recursos naturais;

– O uso da biodiversidade não é revertido em melhorias socioeconômicas e a pobreza persiste em várias áreas urbanas e rurais no país;

– A diversidade química e biotecnológica associada à megadiversidade é subaproveitada no desenvolvimento de fármacos, alimentos, cosméticos e patentes;

– As populações indígenas e tradicionais detêm conhecimentos importantes sobre a biodiversidade e seu uso sustentável que são insuficientemente reconhecidos, retribuídos e utilizados pela sociedade;

– A conversão de habitats naturais em sistemas agrícolas é a maior causa de perda de biodiversidade e serviços ecossistêmicos, seguido pelo uso não sustentável e a invasão por espécies exóticas;

– A perda da biodiversidade no Brasil põe em risco a segurança alimentar, hídrica, climática e a saúde humana;

– As mudanças climáticas se agravarão como fator de impacto negativo sobre a biodiversidade e os serviços associados ao longo deste século. Os sistemas naturais são muito vulneráveis e o aumento de eventos extremos já causa perdas humanas e impactos socioeconômicos;

Além disso, o Diagnóstico da SBPC mostrou ser o Brasil o quarto país no ranking dos que mais possuem espécies em perigo de extinção. Dos seis biomas terrestres brasileiros, a Mata Atlântica e o Cerrado estão entre os 35 hotspots mundiais de biodiversidade: nesses domínios vivem mais de 75% dos brasileiros. A Amazônia abriga metade da área florestal tropical do mundo e um terço das espécies da Terra. Cerca de 50% do bioma está dentro de áreas protegidas e terras indígenas, mas 40% da população vive em situação de pobreza; A Caatinga perdeu mais de 50% de sua cobertura original e apenas cerca de 1% encontra-se protegida em Unidades de Conservação de Proteção Integral.

Outra questão importante assinalada pelo Diagnóstico foi a existência de pontos de desertificação e bolsões de pobreza. Cerca de 1.250.000 km2 (65%) da área naturalmente recoberta por Cerrado já foi convertida em áreas agrícolas, de pecuária ou silvicultura. Restam aproximadamente 800.000 km2 (35%), dos quais apenas 150.000 km2 estão protegidos com o agravante de ampla invasão por gramíneas exóticas.

O desmatamento diminuiu de 2005 a 2015, agora há uma tendência de crescimento contínuo, apontou o engenheiro florestal Tasso de Azevedo, do projeto MapBiomas. O desmatamento recrudesceu, principalmente em relação à Amazônia e Mata Atlântica. Isso significa enorme perda de biodiversidade, com destruição de espécies vegetais e animais, muitas ainda desconhecidas. E um grande prejuízo econômico e social para o país.

Diante dessa realidade, a política anti ambiental do atual Ministro Contra o Meio Ambiente é criminosa. Com o apoio do Presidente, está “passando a boiada” para destruir florestas, transformadas em pastos para gado e áreas para soja, bem como para suprimir manguezais e restingas a fim de favorecer a especulação imobiliária.

Com o avanço do desmatamento na Amazônia e o Pantanal devastado pelos incêndios, ambos com o apoio nem tão discreto do Governo, o Presidente, intoxicado pelas fake news que se acostumou a espalhar, declarou que seu Governo devia ser elogiado pela proteção do meio ambiente. Falou para seu público interno, mas não enganou ninguém.

O atual Governo tem uma visão militar do meio ambiente. É o inimigo a ser abatido. Bolsonaro já cometeu vários crimes de responsabilidade que justificariam o impeachment. Mas permanece de pé, destruindo o Brasil, porque, além de sua fanática torcida de 25 a 30%, que alguns chamam de “gado”, conta com o apoio do mercado, dos militares, dos evangélicos e dos parlamentares “fisiológicos” e corruptos do Centrão. Resta saber até quando o Brasil aguenta esses exterminadores do futuro.

Imagem de destaque: Lorenzo Quinn Building Bridges – Foto: David M.

*Coordenador do Fórum Global da Conferência RIO-92, Presidente do Jardim Botânico do RJ de 2003 a 2013. Autor de Cidadania e Globalização e Os Argonautas da Cidadania – A Sociedade Civil na Globalização.

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