Pesquisadores ouvidos pela reportagem lamentaram a extinção dos institutos — ainda que quase todos concordem com a necessidade de renovação e de uma maior integração entre eles.
“Claro que o conhecimento vai ser aproveitado, mas as instituições deixam de existir”, lamentou João Paulo Feijão Teixeira, pesquisador do Instituto Agronômico de Campinas (IAC) e presidente da Associação dos Pesquisadores Científicos do Estado de São Paulo (APqC). “Minha expectativa não é positiva. Você não junta pesquisadores de áreas diferentes para criar novas linhas de pesquisa tão facilmente assim; não vemos isso como algo real.”
Há décadas a APqC vem denunciando o abandono dos institutos públicos de pesquisa do Estado (são 19 no total, vinculados às secretarias de Meio Ambiente, Agricultura, Economia e Saúde, incluindo o Instituto Butantan e o Instituto Adolfo Lutz, por exemplo), com cortes sucessivos de investimentos e uma perda expressiva de recursos humanos. O último concurso para contratação de pessoal foi há 18 anos (em 2003), e o número de pesquisadores encolheu 25% nos últimos cinco anos em função de aposentadorias e transferências, segundo Teixeira.
“Esse carro não quebrou agora; ele já está sem manutenção há bastante tempo”, diz o pesquisador e ex-diretor do IF, Luis Alberto Bucci, referindo-se (numa analogia) ao “enfraquecimento institucional” causado pela falta de contratações e de investimentos nas últimas duas décadas. A perda de recursos humanos atinge não só a área de pesquisa, mas também os quadros de apoio técnico e administrativo — prejudicando o próprio funcionamento dos institutos, e não apenas a sua produção científica. “Tenho esperança de que, com a fusão, as coisas possam melhorar, principalmente na parte administrativa”, afirma Bucci, que em julho completará 40 anos de serviço público no IF.“Temos que fortalecer o que já temos e lutar por concursos; porque está todo mundo indo embora, essa é a realidade.”
O diretor do IBt, Luiz Mauro Barbosa, também enxerga a fusão com um mix de apreensão pelas mudanças e de expectativa por melhorias, principalmente na parte administrativa — para permitir que “pesquisador faça pesquisa e gestor faça gestão”. “Porque hoje o pesquisador tem que fazer tudo”, explica Barbosa. “Não sei se tudo vai correr como eu estou esperando, mas a necessidade de mudança é premente. Deixar do jeito que está é o verdadeiro desmonte; não dá para continuar.”
Uma proposta alternativa, apresentada ao governo em setembro de 2020, por um grupo de pesquisadores que integram o conselho consultivo do Sistema de Informação e Gestão de Áreas Protegidas e de Interesse Ambiental do Estado de São Paulo (Sigap), era a criação de uma Agência de Pesquisa e Inovação em Meio Ambiente (Apima), que atuaria para integrar e reorganizar o portfólio de pesquisas dos três institutos debaixo de um grande guarda-chuva temático, que seria o enfrentamento das mudanças climáticas globais.
“A ideia era fortalecer os institutos, não acabar com eles”, diz o biólogo Marcos Buckeridge, professor e diretor do Instituto de Biociências da USP, que trabalhou 20 anos no IBt antes de se transferir para a Universidade, em 2006. A proposta da Apima está detalhada no
Relatório 2020
do conselho do Sigap, do qual ele é vice-presidente, e foi elaborada em conjunto com outros quatro pesquisadores: Gerd Sparovek, Alexandre Turra e Ricardo Rodrigues, da USP, e Carlos Joly, da Unicamp. “Vemos que a extinção de institutos ou a desarticulação da Fundação Florestal com os institutos, em particular o IF, pode ser desastrosa para o Estado. O melhor caminho seria, ao invés da extinção, o de implementar rapidamente ações para fortalecer os institutos criando mecanismos de articulação entre eles, deles com a FF e com as universidades paulistas”, diz o relatório do grupo.
Apesar de bem fundamentada, a proposta não foi contemplada pela secretaria, segundo Trani, porque a criação de uma agência seria extremamente complexa, do ponto de vista jurídico e administrativo, e “anacrônica” ao espírito da Lei 17.293, de enxugamento da máquina pública.
Para Buckeridge, a opção de criar um novo instituto tem chances de dar certo, se ele for gerido da forma correta. “O sucesso vai depender muito da gestão; tem que ser uma gestão de pesquisa forte”, avalia. “Dá para fazer uma coisa muito boa, mas ainda assim é lamentável a perda dos institutos.” Ele ressalta que os quadros de pesquisa dos institutos são muito qualificados e podem produzir ciência de alta qualidade, se forem dadas as condições e as diretrizes necessárias para isso. Mas faz um alerta: “Não vai funcionar de jeito nenhum se não houver contratação de novos pesquisadores”.
A perda de recursos humanos é uma preocupação constante dos institutos. Muitas linhas de pesquisa foram abandonadas nos últimos anos por causa de pesquisadores que se aposentaram sem ter ninguém para substituí-los. Para Teixeira, da APqC, da forma como está sendo proposta, a fusão poderá levar a uma desorganização de todo o sistema de pesquisa ambiental do Estado. “Independentemente dos ajustes que precisariam ser feitos, desestruturar tudo com um projeto feito em gabinete não parece ser uma boa solução”, disse. “Falam que é um processo de modernização, mas não enxergamos modernização na forma como está sendo feito.”
Paulo César Fernandes da Silva, pesquisador do IG há quase 30 anos, questiona não só a lógica como a viabilidade — técnica, financeira e operacional — da fusão. “Considero que esse novo instituto já nasce com problemas congênitos, que o condenam à morte”, afirma o geólogo, especialista em geologia de engenharia e ambiental. Desde o início, segundo ele, o projeto foi elaborado às pressas, de forma pouco participativa, sem o devido planejamento técnico e sempre guiado por uma “lógica economicista”, que reduz a importância da ciência a um segundo plano. “As atividade meio superam em muito as atividades de pesquisa”, avalia Silva. “Não vejo como isso possa alavancar uma estrutura de pesquisa capaz de responder às necessidades do Estado.”
“Não estamos brigando por salário, estamos brigando pela continuidade dos serviços que o instituto presta à sociedade”, ressalta Silva. Entre muitas funções, o IG atua como um braço técnico da Defesa Civil no Estado de São Paulo, atuando na prevenção e monitoramento de desastres. Também exerce um papel fundamental em processos de licenciamento ambiental e elaboração de planos de manejo para áreas protegidas. Além disso, é quase que autossuficiente do ponto de vista financeiro, graças a receitas próprias oriundas de direitos minerários e serviços prestados. “Eu diria que estão fechando uma unidade de negócios rentável e eficiente”, afirma Silva.
Ricardo Rodrigues, professor e coordenador do Laboratório de Ecologia e Restauração Florestal (Lerf) da Esalq-USP, em Piracicaba, concorda que os institutos precisavam de uma “reciclagem”, mas considera “muito ruim” a maneira como o governo optou por conduzir o processo, “de cima para baixo”, sem um debate amplo e transparente com a comunidade científica afetada pela processo. “O resultado é que os pesquisadores estão completamentedesestimulados”, afirma Rodrigues, que também integra o conselho consultivo do Sigap. Ele assinou tanto a proposta de criação da Apima quanto a moção do Proam, condenando a extinção dos institutos. “O governo perdeu uma ótima oportunidade de renovação”, diz. “O ideal seria fazer uma estrutura fortemente ligada às universidades, o que seria um benefício enorme para ambos.”
Na falta de investimentos do Estado, muitos pesquisadores dos institutos passaram a depender de recursos das agências de fomento (como Fapesp e CNPq) para desenvolver suas pesquisas, o que acabou, também, direcionando esses projetos mais para o campo da pesquisa básica, que é o foco de atuação dessas agências. “Como eles estão praticamente abandonados há muito tempo, muitos desses pesquisadores fizeram suas carreiras dentro de linhas de pesquisa que eram financiadas pelas agências, mas não respondiam necessariamente às demandas da secretaria”, avalia o professor Carlos Joly, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), especialista em biologia vegetal, biodiversidade e serviços ecossistêmicos.
Joly também reagiu com tristeza à extinção dos institutos, que historicamente desempenharam um papel essencial na pesquisa e conservação do meio ambiente no Estado. “O ideal seria preservar a identidade dos institutos, mas passar a ter uma coordenação integrada, com uma agenda de prioridades”, como era a proposta da Apima, avalia Joly.
“Estamos falando de instituições centenárias e com reputação internacional; isso você não troca por dinheiro, é inegociável”, critica a oceanógrafa Yara Schaeffer-Novelli, professora sênior da USP, especialista em ecologia de manguezais e outros ecossistemas costeiros, que assinou a moção do Proam. “Não podemos assistir a esse desmonte.”
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*Texto atualizado em 17 de maio, com a inclusão de comentários de diretores e pesquisadores dos institutos de pesquisa.