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O turismo e seus impactos na biodiversidade costeira do Nordeste

Por Adriana Pimentel para o Eco Nordeste –  São muitos os casos em que o turismo desordenado leva prejuízos aos moradores da área visitada.

Atualizado em 08/02/2022 às 08:02, por Redação Envolverde.

Por  Adriana Pimentel para o Eco Nordeste – 

São muitos os casos em que o  turismo desordenado  leva prejuízos aos moradores da área visitada. Essa falta de ordenamento, somada à especulação imobiliária e à ocupação irregular acumuladas ao longo dos anos, podem ocasionar  tragédias  como a que ocorreu na primeira semana deste 2022 em cânions do  Lago de Furnas , município de  Capitólio , em  Minas Gerais , onde parte de uma rocha soltou e atingiu embarcações que navegavam no local. Dez pessoas morreram e 27 ficaram feridas. É importante lembrar que em novembro de 2020 o  desabamento de uma falésia  matou uma família na  Praia de Pipa , em  Tibau do Sul , no  Rio Grande do Norte .

Essas ocorrências dão ênfase à necessidade de entendermos melhor as dinâmicas naturais, respeitarmos seus limites e fazermos escolhas mais conscientes e seguras. Na ânsia de lucrar com atrativos naturais, muitas vezes limites são cruzados, o que pode por em  risco  a integridade de  ecossistemas , de  populações locais  e dos próprios  visitantes .

Nos últimos dias de 2021, por exemplo, uma festa irregular nas piscinas naturais da  Praia de Marceneiro , município de  Passo de Camaragibe , no litoral norte de  Alagoas Área de Proteção Ambiental (APA) Costa dos Corais   pode ter causado impactos irreversíveis ao  ecossistema marinho , já que muitas espécies usam esses locais para descanso, interação e reprodução.

Segundo Miguel Mies, coordenador de pesquisas do  Projeto Coral Vivo , entre os problemas associados com o turismo predatório em  ambiente recifal , estão a  poluição , com resíduos sólidos que podem parar no trato digestório de corais e vazamento ou despejo de combustível, óleo, metais pesados e outros poluentes por embarcações; pisoteamento por turistas que podem gerar danos e morte; ancoragem de barcos sobre os recifes, de maneira a quebrar e destruir corais; interferências na cadeia alimentar, já que as pessoas frequentemente alimentam os peixes.

O turismo sem gerenciamento pode causar severos danos às populações de corais e outros organismos recifais. Em alguns casos, pode dizimar o recife inteiramente. É importante reforçar que o turismo em regiões recifais é uma coisa boa ao gerar  desenvolvimento socioeconômico  na região. “No entanto, se for devidamente gerenciado, fiscalizado e sustentável ambientalmente”, ressalta Mies.

Felizmente há, no  Nordeste , iniciativas turísticas que oferecem um outro tipo de relação com o meio ambiente e as comunidades locais, não baseada no olhar dominante e explorador que enxerga a natureza apenas como fonte inesgotável de recursos a nosso serviço.

Formação para o mergulho


Para incentivar o uso responsável nos ambientes recifais, o Projeto Coral Vivo prepara uma formação para condutores de mergulho em Unidades de Conservação | Foto: Projeto Coral Vivo

O Projeto Coral Vivo, por exemplo, com o objetivo de incentivar o  uso responsável nos ambientes recifais , prepara uma formação para condutores de mergulho em  Unidades de Conservação , tendo como foco temático norteador a  Década dos Oceanos para o Desenvolvimento Sustentável . “Essa formação objetiva alcançar uma transformação nas práticas cotidianas de profissionais do mergulho, com a busca de resultados positivos para o  uso sustentável dos ambientes recifais brasileiros ”, explica Fábio Negrão, coordenador de Sensibilização do Projeto Coral Vivo.

Mies destaca três frentes importantes neste processo:  pesquisa científica  e  sensibilização  desenvolvidas conjuntamente servem na identificação dos impactos enfrentados pelos corais, e também para orientar políticos, gestores ambientais e outros tomadores de decisão sobre o que fazer para preservar ambientes recifais. A  Educação Ambiental  forma jovens que se tornam defensores dos  ambientes marinhos . E, por meio da  Comunicação , são informados todos os diferentes setores da população sobre as atividades para divulgar as ameaças e boas práticas.

O Coral Vivo faz parte da  Rede de Conservação da Biodiversidade Marinha (Rede Biomar) , uma parceria de projetos com atuação marinha patrocinados pela  Petrobras , por meio do  Programa Petrobras Socioambiental , com o objetivo de juntar esforços em prol da conservação marinha no Brasil. Atualmente fazem parte da Rede Biomar os Projetos: Albatroz, Baleia Jubarte, Coral Vivo, Golfinho Rotador, Meros do Brasil e Tamar.

Golfinhos de Noronha


O desenvolvimento de pesquisas, a Educação Ambiental e a Comunicação têm sido as principais formas de atuação do Projeto Golfinho Rotador para a proteção da espécie em Fernando de Noronha | Foto: Projeto Golfinho Rotador

No  Arquipélago de Fernando de Noronha , localizado no litoral de  Pernambuco , o  conhecimento científico  tem sido uma das principais ferramentas para a sensibilização dos usuários, tanto moradores quanto turistas, para serem  protetores da biodiversidade . Assim, podem colaborar para a adequação das  políticas públicas para a conservação  e desenvolver ações conjuntas entre instituições, setor privado, público e organizações sociais. Neste contexto, desde sua origem, em 1990, o  Projeto Golfinho Rotador  participa intensamente de conselhos, grupos de trabalho e outros fóruns locais, nacionais e internacionais voltados para a conservação da biodiversidade marinha, com os  golfinhos-rotadores  como foco e espécie motivadora das abordagens.

Mas, ainda é preciso avançar na criação de alternativas e minimizar os impactos negativos do turismo náutico, por exemplo, para os golfinhos-rotadores em Fernando de Noronha. A rotina da espécie durante o dia é de descanso, reprodução, cuidados de filhotes e principalmente a interação social em áreas onde a visitação é intensa, como a Baía dos Golfinhos, Baía de Santo Antônio e Ilhas secundárias.

Segundo Flávio Lima, biólogo, professor da  Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN)  e coordenador institucional do Projeto Golfinho Rotador, “é durante essa fase que ocorrem os passeios de barco para observar os golfinhos. A passagem de embarcações de diferentes tipos pelas áreas de concentração durante essa fase do dia interfere nos comportamentos naturais, podem causar divisão de grupo, redução do tempo de descanso e afugentamento dos animais das áreas. Ao longo dos anos tem sido constatada a alteração do tempo de permanência dos golfinhos nas áreas de concentração em Noronha, assim como a alteração dessas áreas. Eles estão passando menos tempo concentrados na Baía dos Golfinhos e usando novas áreas de concentração”.

Trabalhar na proteção dos golfinhos rotadores quando eles são um dos principais atrativos turísticos de Noronha não é tarefa fácil, mas o Projeto Golfinho Rotador, como integrante da Rede Biomar, tem como base a conciliação entre o desenvolvimento sustentável, a conservação da natureza e da cultura e o bem-estar social.

“Seguindo esta perspectiva, trabalhamos a proteção dos golfinhos-rotadores por meio da ampliação do conhecimento científico sobre a ecologia e comportamento da espécie, assim como sobre os impactos causados pelas atividades de turismo. Estas informações são para a proposição de políticas públicas de controle do fluxo de turistas em Fernando de Noronha, adoção de normas de conduta para as abordagens das embarcações e sensibilização dos moradores e visitantes quanto à importância dos golfinhos para a sustentabilidade local”, ressalta Lima.

Comunidades costeiras do Ceará


O turismo comunitário tem sido incentivado há décadas, no litoral do Ceará, pelo Instituto Terramar como forma de manter uma relação mais saudável entre visitantes, natureza e comunidades locais | foto: Instituto Terramar

“Eu só queria que você fosse um dia ver as praias bonitas do meu Ceará. Tenho certeza que você gostaria dos mares bravios das praias de lá”. A Música de Carlos Barroso, conhecida na voz do cantor Raimundo Fagner, destaca as belezas do litoral cearense e é justamente sobre elas e as comunidades tradicionais costeiras que está estruturado, há quase três décadas, o trabalho do  Instituto Terramar , uma Organização Não Governamental, sem fins lucrativos, de caráter socioambientalista.  Justiça Ambiental  na Zona Costeira do Ceará é o foco do trabalho para a garantia de direitos coletivos e individuais, em especial os direitos ao meio ambiente, ao território, à diversidade cultural, ao trabalho e ao exercício político.

Os desafios são muitos, principalmente em relação à voz e representatividade das comunidades que em muitos casos não são ouvidas e nem consultadas sobre implementação de empreendimentos que geram problemas ambientais, sociais e, principalmente, que não respeitam os conhecimentos ancestrais dos moradores e nem seus direitos e necessidades.

“Essas questões estão associadas a um outro desafio estrutural que é a alta demanda dos setores produtivos da carcinicultura, do turismo, da indústria portuária, de energia, por terra para exploração econômica externa aos modos de vida tradicionais e portadoras de altos riscos socioambientais”, conta Cristiane Faustino, coordenadora de Processos Internos do Terramar.

Mesmo diante do cenário desafiador da luta por direitos, Faustino destaca conquistas importantes como a constância da organização comunitária em defesa dos ecossistemas e da biodiversidade e dos modos de vida; a conquista de duas  reservas extrativistas  (Batoque e Canto Verde); o fortalecimento da capacidade política e organizativa das comunidades que mantêm os territórios, apesar dos conflitos e das perdas de direitos.

E ainda o fortalecimento da pauta ambiental articulada aos direitos humanos; o empoderamento das mulheres e das juventudes e, mais recentemente, a visibilidade da população LGBTQIA+ nos territórios; o  Turismo Comunitário  que hoje está consolidado em muitas comunidades, o desenvolvimento de tecnologias sociais; o autorreconhecimento da importância das comunidades locais para conservação ambiental e manutenção da diversidade sociocultural.

Turismo comunitário