Querem aprovar uma lei fora da lei para Alter do Chão

Por Miguel Azulino –  Uma lei municipal não pode contrariar a Constituição Federal.

Atualizado em 05/10/2017 às 19:10, por Dal Marcondes.

Por Miguel Azulino – 

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Uma lei municipal não pode contrariar a Constituição Federal. Acontece que corre na Câmara Legislativa de Santarém uma proposta de lei complementar para modificar o parcelamento, uso e ocupação de Alter do Chão, abrindo o vilarejo para a invasão de prédios, passando por cima dos moradores tradicionais, dos direitos constitucionais indígenas, da proteção da microbacia hidrográfica do Lago Verde, rasgando a convenção internacional 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) das Nações Unidas e tentando anular a proteção já estabelecida pelo município em 2012 (PL 007/2012). A ideia de mudança na lei tenta se adiantar à finalização e publicação do novo Plano Diretor da cidade e fere não só a lei máxima do país e acordos internacionais, como também deixa escancarada a influência de setores privados no governo

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Vista aérea mostra vila de Alter do Chão hoje

Em Alter-do-Chão não se sente dor
Tem um povo pobre, mas acolhedor
Por Deus foi criada a sua beleza
Suas praias lindas são da natureza
O seu lago verde é de admirar
A toda essa gente que vem visitar
Alter do Chão

(Recolhido por: Maestro Wilson Fonseca e Emir Bemergui)

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A antiga vila amazônica de Alter do Chão conta, só no calendário oficial, mais de 356 anos, sem somar na idade sua ancestralidade e presença de povos nativos, com sítios arqueológicos na região datando 10 mil anos. Entre Santarém e Belterra encontra-se a maior concentração de sítios arqueológicos de terra preta de índio da Amazônia, patrimônio cultural imaterial protegidos pelo IPHAN. A vila está com processo de demarcação da Terra Indígena TI Borari que teve início em 2003 e se arrasta há 14 anos, com documentos engavetados sem publicação desde 2009, quando o relatório técnico com os limites territoriais da TI foi entregue à FUNAI. Dado que nenhuma terra indígena em estudo pode ser alvo de especulação (Constituição Federal art 231 e 232 – dos Índios), a proposta de mudança da lei já é ilegal mesmo antes de apresentada.

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Além da demanda por demarcação indígena, a vila guarda características suficientes para ser tombada por sua história no período pós-cabraliano, como aconteceu em Paraty, no Rio de Janeiro há mais de meio século. Em Alter, famílias de pescadores tradicionais vivem em harmonia com as águas, a flora e fauna locais, guardando ainda rituais religiosos como o Çairé que são marcas das missões jesuíticas amazônicas que precisam ser preservadas.

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Nas ruas de Alter qualquer morador ou turista encontra pés de caju, carambola, jambo, manga, murici, jutaí, cupuaçu, jenipapo, urucum e por aí vai. Além de árvores nativas à vista em qualquer caminhada, uma extensa fauna silvestre circula livremente pela vila, com aves amazônicas, macacos e bichos-preguiças podendo ser vistos diariamente.

As casas antigas contam histórias pelas paredes. Com a maioria das construções térreas avarandadas e cercadas de árvores, os moradores antigos normalmente sentam-se na frente de suas moradias para conversar e contar histórias. Todos se conhecem e de um modo particular se defendem.

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A vila ainda têm uma grande Área de Proteção Permanente – APP, com a microbacia do Lago Verde e dezenas de igarapés, igapó e nascentes. Tanto o Código Florestal como a Lei das Águas estabelecem normais federais para a preservação dessas florestas e demais formas de vegetação nativa, bem como da biodiversidade, do solo, dos recursos hídricos e da integridade do sistema climático, para o bem estar das gerações presentes e futuras.

No âmbito de proteger ainda mais os povos tradicionais e cultura local, a população lutou para a criação de uma Área de Proteção Ambiental – APA. Em 2003, Alter virou uma unidade de conservação, seguindo as categorias do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC).  Seu Plano de Uso, amplamente discutido pelos comunitários em 2012,  limita a urbanização da vila e a preservação desse paraíso ecológico.

Em reuniões, um pequeno grupo de engenheiros e arquitetos forçam a mão para a liberação de prédios de 19m. Ignoram o fato que o debate é muito mais profundo que definir uma altura mínima de qualquer empreendimento. A proposta deles, além de ilegal, não é de desenvolvimento da área, que precisa sim de atenção pública em obras de saneamento básico. A proposta do setor imobiliário trata da descaracterização da vila histórica e indígena,  da destruição da fauna e da flora, dos corredores ecológicos e dos mananciais. (Envolverde)

 

 

 


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