Recorde de investimentos em países do Sul, mas a que preço?

Por Kanya D’Almeida, da IPS –  Nações Unidas, 12/6/2015 – O investimento na infraestrutura de 139 economias em desenvolvimento alcançou o recorde de US$ 107,5 bilhões em 2014. Desse total, 73% se concentraram em Brasil, Colômbia, Índia, Peru e Turquia, segundo novos dados publicados pelo Banco Mundial.

Atualizado em 12/06/2015 às 10:06, por Redação Envolverde.

As grandes obras energéticas e de infraestrutura logística no Brasil são conhecidas por seus atrasos, como acontece com a maioria de suas ferrovias, estradas, centrais elétricas e seus portos. Foto: Darío Montero/IPS

Por Kanya D’Almeida, da IPS – 

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Nações Unidas, 12/6/2015 – O investimento na infraestrutura de 139 economias em desenvolvimento alcançou o recorde de US$ 107,5 bilhões em 2014. Desse total, 73% se concentraram em Brasil, Colômbia, Índia, Peru e Turquia, segundo novos dados publicados pelo Banco Mundial. No dia 9, a atualização dos dados do Banco Mundial revelou que os projetos com participação privada nos setores de água, energia e transporte chegaram a US$ 51,2 bilhões no primeiro semestre de 2014, contra US$ 41,7 bilhões em igual período de 2013.

Baseados em uma análise do investimento realizado em mais de seis mil projetos em 139 países de rendas baixa e média entre 1990 e 2014, os dados confirmam que o setor energético teve a maior quantidade de projetos, mas que o transporte recebeu mais investimentos, no valor de US$ 55,3 bilhões, ou 51% do total. Cerca de US$ 28,5 bilhões foram investidos em 33 projetos de construção de estradas, com quatro dos cinco maiores no Brasil e o restante na Turquia. Cinco projetos aeroportuários receberam US$ 13,2 bilhões em compromissos de investimento.

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Impulsionada em grande parte pelo auge da infraestrutura no Brasil, Colômbia e Peru, a América Latina e o Caribe concentraram 55% do investimento mundial, com US$ 69,1 bilhões no ano passado. Esses megaprojetos incluem 11 grandes empreendimentos, oito deles no setor energético, que somente no Peru chega a mais de US$ 8 bilhões. O maior deles, a linha 2 do metrô de Lima, recebeu US$ 5,3 bilhões.

Mas o investimento na infraestrutura não cresceu em todas as regiões. Na China e na Índia caiu, respectivamente, para US$ 2,5 bilhões e US$ 6,2 bilhões no ano passado. No caso chinês, foi a menor quantia investida desde 2010. Na África subsaariana o investimento caiu de US$ 9,3 bilhões, em 2013, para US$ 2,6 bilhões em 2014, embora o aumento da atividade na infraestrutura de Gana, Quênia e Senegal possa indicar que essa tendência de baixa durará pouco tempo.

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O Banco Mundial calcula que o gasto em projetos de infraestrutura no ano passado representa 91% da média investida no quinquênio 2009-2013. “É a quarta maior quantidade de compromissos de investimento registrada, apena superada pelo nível registrado entre 2010 e 2012”, segundo comunicado do Banco Mundial divulgado no dia 9. Os dados revelam que o consenso mundial em apoio às parcerias público-privadas (PPP) para os megaprojetos está dando seus frutos.

Quase todos os grandes organismos internacionais, desde a Organização das Nações Unidas (ONU) até os bancos multilaterais de desenvolvimento, acreditam que reforçar as redes de estradas, energia e transporte é fundamental, já que mais de um bilhão de pessoas não tem acesso a caminhos transitáveis durante todo o ano, 783 milhões vivem sem fornecimento de água potável e 1,3 bilhão não estão conectadas a uma rede elétrica.

Porém, um olhar mais atento para esses enormes projetos de infraestrutura e seus planos de financiamento sugere que a injeção de milhares de milhões de dólares em estradas e represas no Sul em desenvolvimento não só enriquece os setores mais ricos da população como também ameaça empobrecer mais os mais pobres e agravar a desigualdade mundial.

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O especialista em megaprojetos mais citado do mundo, Bent Flyvbjerg, da Universidade de Oxford, na Grã-Bretanha, concluiu que somente um em cada mil desses projetos é terminado no prazo, dentro do orçamento estabelecido e com a capacidade de prestar os serviços prometidos. A imensa base da dados que Blyvbjerg acumulou sobre o assunto revela que aproximadamente 90% dos projetos de grande escala superam seus custos, frequentemente em mais de 50% do orçamento estabelecido, algo que acaba sendo pago pelos contribuintes.

Nancy Alexander, diretora do Programa de Governança Econômica da Fundação Heinrich Böll, da Alemanha, assegurou que esses projetos chegam a custar “milhares de milhões e trilhões de dólares, por isso podem devastar o orçamento nacional de um país quando superam o orçamento e os prazos. Alexander apontou à IPS que, embora exista uma real necessidade de melhorar a infraestrutura, sobretudo nos países em desenvolvimento, também há uma necessidade igualmente urgente de adaptar esses empreendimentos para os que mais se beneficiam com seus serviços

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“Seja na educação, no saneamento, na água ou eletricidade, os projetos realmente devem ser de uma escala adequada para alcançar suas metas. Mas o conceito de escala adequada foi apagado do discurso político, porque agora em lugar do ‘pequeno é bonito’ o lema passa a ser ‘grande é melhor”, afirmou Alexander. Parte do motivo dessa mudança, segundo os especialistas, é a pressão para usar o investimento em infraestrutura para financiar o desenvolvimento, em particular o fortalecimento da colaboração público-privada.

Uma pesquisa realizada pela Fundação Heinrich Böll revela que o grupo das 20 maiores economias do mundo busca financiar a chamada brecha de infraestrutura recorrendo aos cerca de US$ 80 trilhões em fundos de pensão, planos de seguro e outros meios de financiamento institucional privado de longo prazo, mediante a criação de infraestrutura como se fosse um “tipo de ativos”.

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Com esse modelo, os governos empreenderão PPP e as instituições financeiras venderão produtos financeiros “que ofereçam aos investidores de longo prazo uma participação em uma carteira de PPP”. Segundo a Fundação, “quando os especuladores controlam parte da infraestrutura física, esta fica sujeita aos caprichos de hordas de investidores e poderia desatar a instabilidade na prestação dos serviços básicos”.

A falta de provas sobre o êxito das PPP sugere que o ritmo atual do investimento na infraestrutura com participação privada é, com sorte, uma aposta, e, no pior dos casos, uma receita para o desastre.

Em uma amostragem de 128 PPP financiadas pelo Banco Mundial, 67% das correspondentes ao setor de distribuição de energia haviam fracassado, bem como 41% das referentes ao setor da água. Essas são as conclusões do próprio grupo de avaliação independente do Banco Mundial (IEG). Outras investigações indicam que os megaprojetos raramente levam a melhorias no acesso aos serviços básicos, já que muitos são feitos para atender a demanda mundial, não a local.

Os países destacados nos últimos dados do Banco Mundial têm péssimos antecedentes na gestão de seus megaprojetos. As grandes iniciativas de infraestrutura energética e logística no Brasil, por exemplo, são conhecidas por seus atrasos, enquanto a maioria de suas ferrovias, estradas, centrais elétricas e de seus portos tem vários anos de atraso. Envolverde/IPS


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