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Sabe quando sei que sustentabilidade não é para valer?

Ricardo Voltolini* –   Como de costume há seis anos, compartilho com o leitor algumas “pérolas” recolhidas ao longo de 20 anos como consultor em sustentabilidade empresarial. A uma primeira olhada, as 13 aqui apresentadas podem soar caricatas. Mas, asseguro, correspondem a situações reais enfrentadas no dia a dia do meu trabalho.

Atualizado em 17/11/2018 às 12:11, por Dal Marcondes.

Ricardo Voltolini* –  

Como de costume há seis anos, compartilho com o leitor algumas “pérolas” recolhidas ao longo de 20 anos como consultor em sustentabilidade empresarial. A uma primeira olhada, as 13 aqui apresentadas podem soar caricatas. Mas, asseguro, correspondem a situações reais enfrentadas no dia a dia do meu trabalho.

Ao reuni-las numa lista, revista e ampliada com a experiência mais recente de 2017, espero juntar munição suficiente para responder à pergunta provocativa do título deste artigo. A ideia é chamar a atenção, sem ser chato ou professoral, para o desafio importante de equiparar a prática com o discurso de sustentabilidade empresarial, quase sempre imerso em terreno arenoso e encoberto por névoas de desconfiança. É um desafio de cada profissional que trabalha com o tema. Mas, sobretudo, de líderes.

Sei que sustentabilidade não é para valer …

1)  Quando um alto executivo me diz, sem corar de vergonha, que sustentabilidade é importante, mas as ações para inseri-la na gestão do negócio podem ficar para o ano que vem, quem sabe daqui a dois ou três anos, já que a empresa não se encontra “preparada” para as mudanças necessárias. Ao tentar explicar o que significa “preparada”, os argumentos são tão frágeis quanto a sua noção sobre o conceito ou a sua convicção sobre sua aplicação prática. Mal conseguem encobrir o que importa: não há interesse efetivo no encaminhamento do “assunto” e pronto.

2)  Quando a responsabilidade pelo “assunto” é transferida a um profissional júnior, escondido num departamento meramente funcional, sem qualquer poder na organização, que só conhece o CEO por fotografia. A diferença entre sustentabilidade “para valer” e “para constar” está em quanto o tema se encontra mais próximo de quem toma decisões.

3)  Quando um executivo afirma que sustentabilidade “está no DNA” da empresa e que, portanto, ela não precisa fazer nada para ser sustentável. Esta afirmação um tanto mítica se baseia na retórica desinformada de que um tema contemporâneo – como é a sustentabilidade – já venha sendo praticado pela empresa há 50, 80 ou 100 anos, porque seus fundadores eram “visionários.”

4)  Quando um alto executivo resolve “comunicar” a sustentabilidade “para fora”, sem ter construído a sustentabilidade “para dentro”. A pressa se deve em parte à impaciência na condução de processos de mudança (inclusive de modelo mental) em parte à ansiedade de colher benefícios pontuais de imagem da mensagem de sustentabilidade, antes da ou por causa da concorrência. Se a empresa não consegue convencer os mais próximos de que se preocupa, de verdade, com a sustentabilidade, como espera persuadir os consumidores e a sociedade?

5 ) Quando o CEO cria um comitê de sustentabilidade e não aparece nem na primeira reunião para deixar claras suas crenças e expectativas. Este tipo de atitude revela que (1) sustentabilidade não é um tema suficientemente importante para o líder investir nele o seu precioso tempo;  (2)  enquanto não sabe o que fazer com sustentabilidade, cria uma instância interna para dar a impressão de estar preocupado com o tema. Uma pena. Comitês de sustentabilidade, quando bem liderados, podem ser extremamente úteis e efetivos. Mal conduzidos, servem para o debate de boas intenções.

6)  Quando pergunto a um diretor se a empresa tem uma estratégia de sustentabilidade integrada à estratégia de negócio e ele responde que sim, claro, mas só faz enumerar uma lista de projetos pontuais, periféricos e… completamente descolados da estratégia de negócio.

7 )  Quando existe um discurso bonito sobre inovação em sustentabilidade mas, na prática, nenhuma evidência de ambiente favorável que valorize as contribuições vindas dos colaboradores, fornecedores, clientes e comunidades.

8)  Quando o CEO diz já investir o necessário em sustentabilidade. E que só o fará mais quando houver métricas “confiáveis” que assegurem o retorno para o negócio. A objeção “científica”, neste caso, esconde, quase sempre, um desinteresse pelo tema.

9)  Quando o CEO recém-empossado decide interromper as ações de sustentabilidade do antecessor, utilizando argumentos velhos conhecidos de guerra como “reduzir custos”, “resgatar o foco” e “concentrar energia no essencial. Pior: recebe aplausos do chefe da matriz que elogiava os programas de sustentabilidade e o “espírito contemporâneo” do antecessor.

10)   Quando mesmo depois de ser apresentado ao conceito de diversidade, o executivo continua achando que isso não tem nada a ver com a “lógica” do negócio. É o mesmo que diz em público que sustentabilidade está na “estratégia do negócio”, e no privado, afirma que ela representa só custo e desvio de foco. Em público, faz às vezes de embaixador da diversidade. No privado, emite comentários preconceituosos contra mulheres, negros e homossexuais.

11 ) Quando, antes de uma reunião com o CEO, meu zeloso interlocutor resolve fazer um alerta sobre o que ele “gosta ou não gosta” de ouvir sobre sustentabilidade. Encerrada a missa, pede-me para que não ultrapasse 15 minutos de apresentação, já ele não tem muita “paciência” para assuntos que não sejam “do negócio”.

12 ) Quando a executiva de RH da empresa recita em fóruns externos a importância de criar cultura de sustentabilidade nas organizações, mas, em sua própria empresa, aceita fácil a ideia de investir o mínimo básico necessário em programas de desenvolvimento de pessoas para o tema, esquece os valores de sustentabilidade nos processos de recrutamento e seleção e os ignora por completo na perspectiva de carreira das pessoas.

13 ) Quando os interlocutores diretos na empresa se apoiam no discurso de ética, diálogo franco e transparência, valores que constituem a sustentabilidade, mas interrompem processos sem explicação, dialogam com os parceiros só e quando conveniente e se apropriam de ideias sem remunerar os autores.

*Ricardo Voltolini é consultor, escritor, palestrante, diretor-presidente de  Ideia Sustentável: Estratégia e Inteligência em Sustentabilidade , idealizador da  Plataforma Liderança Sustentável  e autor, entre outros, de  Conversas com Líderes Sustentáveis  (Senac-SP),  Escolas de Líderes Sustentáveis  (Elsevier), e  Sustentabilidade como Fonte de Inovação  (Ideia Sustentável)