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Vaza Jato e o Estado Democrático de Direito

por Patrícia Kalil com ilustrações de Laerte Coutinho* – Lula ainda tem apoio popular e uma renomada equipe de defesa interessada no caso que tem importância histórica e repercussão internacional.

Atualizado em 28/06/2019 às 13:06, por Patrícia Kalil.

por Patrícia Kalil com ilustrações de Laerte Coutinho* –

Lula ainda tem apoio popular e uma renomada equipe de defesa interessada no caso que tem importância histórica e repercussão internacional.

Mas, e as lideranças indígenas e quilombolas ameaçadas? E as mulheres do campo? E os pobres, moradores de periferia e favelas? E a comunidade LGBTI? E os ambientalistas e jornalistas em ações independentes nesse país?

Podem todos contar com essa justiça em caixa baixa?

Mesmo antes dos vazamentos divulgados pelo jornal online  The Intercept Brasil , já sabíamos que o Ministro Sergio Moro e colegas burlaram as regras do jogo para marcar gols.  Nossa cara de tacho é porque o mundo agora repercute o que foi colocado embaixo do tapete com o consentimento de muitos. Para refrescar nossa memória e refletirmos a partir de uma base de fatos, listo dez momentos marcantes em que a nossa Constituição foi ignorada:

  Moro divulga conversa presidencial obtida de maneira ilegal em março de 2016  e ajuda a  acelerar o impeachment de Dilma  (ago/2016); ministro  Teori Zavascki (STF) considera a divulgação inconstitucional  Moro alega que o conteúdo era mais importante que vazamento ;

 Espetacularização de mais de mil mandados de busca e apreensão, mais de duzentas conduções coercitivas e outras duzentas prisões preventivas feitas sem amparo legal e com “negociações escuras” em 176 acordos de delação premiada;

  “Publicidade opressiva veiculada pela mídia brasileira” destroça não só a reputação de políticos e empresários como também imagens de empresas brasileiras – a opinião pública fica cada vez mais desacreditada da “velha política”;

  Moro acelera despacho e  decreta prisão de Lula  (abril/2018), ano eleitoral , antes de transitar em julgado (antes de esgotar possibilidade de recursos sobre falta de provas)

  “Censura prévia” impede Lula de dar entrevistas  até  abril de 2019;

 Lula é proibido  de receber visitas que não fossem da família e advogados;  Lula é proibido de  gravar vídeos da prisão;

 Já este ano, depois das eleições, a substituta de Moro juíza Carolina Lebbos  proíbe Lula de ir ao enterro do irmão ;

 Lula também  é proibido de falar com a imprensa no velório do neto  onde permanece por duas horas; Lula é  advertido por PF por “acenar” ao público;

 Juiz e procuradores da Lava Jato tentam  abocanhar R$ 2,5 bilhões da Petrobrás para criação de fundação particular;

  Vaga no STF é negociada entre Moro e Bolsonaro  (declaração de compromisso é feita pelo próprio presidente).

O país aceitou tudo isso. Muitos ficaram quietos por não gostarem do PT e outros por receio de serem confundidos com petistas. Tínhamos informações suficientes para saber que o juiz Moro, sua substituta Carolina Lebbos, a juíza Gabriela Hardt, policiais federais ligados à operação, os procuradores da Lava Jato e até ministros de STF, talvez movidos por violentas emoções, deram passos fora da lei e praticaram abusos de poder e autoridade.  Argumentar que a importância do combate à corrupção, a grandiosidade e popularidade da Lava-Jato asseguravam tais irregularidades é esquecer-se que outras tristes e importantes passagens da história mundial também valeram-se de meios autoritários e apelo popular para fazer o que fizeram.   O que as revelações das conversas entre eles acrescentam até agora são novas evidências do  uso do Judiciário para fins políticos .

Os diálogos divulgados pelo jornal online  The Intercept Brasil revelam  que Moro  ajudou a acusação com contatos de testemunha , que  o coordenador da Lava-Jato não tinha certeza de provas contra Lula , que Moro orientou  mudança na ordem das operações , que Moro  incentivou Dallagnol a escrever carta do MP à imprensa para atacar a defesa de Lula , que Moro e procuradores do Ministério Público escolhiam alvos para a operação ter ares de imparcialidade mas com o cuidado para não  “melindrar alguém cujo apoio era importante” , que pessoas ligadas à mulher de Moro tentaram  extorquir US$ 5 milhões Tacla Duran  (ex-advogado da Odebrecht) para ele não ser preso; e que aceleraram o julgamento e condenação de Lula para tirá-lo da corrida presidencial, com consequência direta na eleição do ano passado.

Defender as táticas da operação Lava-Jato e da participação da grande imprensa nisso tudo é não entender o Estado Democrático de Direito. O cumprimento da Lei deve ser causa máxima do povo brasileiro, não estratégia de direita ou de esquerda. Sem isso, estamos concordando com um estado de tirania.  A Constituição existe em defesa dos nossos direitos, sem distinção de raça, cor, sexo, religião, origem social, opção política ou sexual. São as regras do jogo, se perdem a validade ou a importância, estamos aceitando o salve-se quem puder. Lula ainda tem apoio popular, uma renomada equipe de defesa interessada no caso que tem importância histórica e repercussão internacional. E as lideranças indígenas e quilombolas ameaçadas? E as mulheres do campo? E os pobres, moradores de periferia e favelas? E a comunidade LGBTI? E os ambientalistas e jornalistas em ações independentes nesse país? Podemos todos contar com essa justiça em caixa baixa?

A Justiça deve ser cega como ideal de imparcialidade , mantendo-se equidistante da defesa e da acusação para fazer seu julgamento. A Justiça não é para ser vingativa, é para ser justa. O juiz “dar-se-á por suspeito se for amigo íntimo ou inimigo capital de qualquer das partes” e “se tiver aconselhado qualquer das partes” ( art 254, i e iv do Código de Processo Penal ).  A imprensa livre e imparcial é fundamental para a saúde da democracia . A grande imprensa, por censura ou por omissão, há muito deixou de cumprir seu papel. Essa reflexão vai muito além de #LulaLivre, mas é  um alerta de urgência constitucionalista pela união em defesa do Estado Democrático de Direito .

Operação Lava Jato: retrospectiva ilustrada e comentada pelas minas!

 

Vamos lembrar de 2014, o ano que começa a operação Lava Jato? Brasil perde da Alemanha por 1 a 7 em casa. É ano eleitoral. O espetáculo da Lava-Jato ganha força na Globo e  o Jornal Nacional passa a atuar como sócio da operação em um reality show editado para mandar o PT e toda a esquerda para o paredão . O JN inflamava fase de apuração e pré-condenava investigados para formar a opinião pública.

 

As fases 1, 2, 3, 4, 5, 6 e 7 da Lava-Jato foram todas em 2014 e tinham como meta esfarelar o PT antes das eleições . Para isso, de maneira inconsequente ou não, destruía a Petrobrás, Odebrecht e outras grandes empresas brasileiras.

No caso da estatal, vale lembrar que quatro anos antes a  Petrobrás dava início à produção comercial do pré-sal e que Lula comemorou o feito como ‘a Independência do Brasil’ . A partir de 2014, como resultado das divulgações da Lava-Jato, fornecedores começaram a quebrar, estaleiros e refinarias fizeram demissões em massa. A desconfiança do investidor crescia. Balanço do ano: a Petrobrás registrou  um prejuízo histórico de R$ 21 bilhões (as perdas com corrupção foram de R$ 6 bi) .

 

No caso da Odebrecht, a operação também levou o conglomerado empresarial de capital fechado à bancarrota, fazendo o país amargar com mais uma grande perda de expertise e tecnologia nacional.  O único resultado palpável dessa campanha pública de difamação empresarial foi a demissão em massa de funcionários de empreiteiras –mais de 200 mil perderam empregos–, em um país que já estava e ainda está com a economia à deriva, sem boia e sem socorro . Em qualquer caso de corrupção, deve-se multar e punir os executivos envolvidos, mas preservando a reputação das empresas tão importantes para a economia do país (como acontece no mundo todo).

 

Antes de questionar a  imparcialidade jurídica na condenação de Lula pela operação Lava-Jato no ano passado com consequência direta na eleição presidencial , vamos falar de outras aberrações sem amparo legal praticadas por procuradores e por juízes. Uma série de conduções coercitivas de investigados e negociações com delações premiadas. Aberrações essas que ainda não tem nada a ver com o conteúdo vazado pelo jornal online The Intercept.

 

Reinaldo Azevedo, um comentarista de direita e assumidamente antipetista, é enfático em lembrar que  a operação Lava-Jato tem sido uma “máquina de destroçar reputações” . E com apoio da mídia de massa, em especial da Rede Globo, que praticamente publicou durante quatro anos todos os releases divulgados pela Lava-Jato sem se dar ao trabalho de ouvir e dar o mesmo espaço às partes acusadas.  “A imprensa comprava tudo” ,   declarou a jornalista Christianne Machiavelli, ex-assessora de imprensa da operação.

 

Acontece que mesmo com o esforço da parceria Moro-Mídia em 2014, Aécio não venceu as eleições. Se pelas vias democráticas a direita não voltou ao poder, agora era necessário criar outro caminho para tirar Dilma do Planalto e  tirar também o petróleo do Brasil . O  agro já não queria mais a esquerda  com a agenda clara de expansão em terras da União. Os  bancos muito menos , pois já se sentiam pressionados a baixar os juros desde o primeiro mandato do governo Dilma. Os  empresários da classe média também se uniram em torno de projeto neoliberal  contra os direitos trabalhistas e sociais.

 

Para continuar levando multidões às ruas e dar a letra para o povo decorar,  a pegada moral costurava o uniforme dos cidadãos patriotas de bem e fragilizava, dia a dia, a diversidade, a liberdade e a democracia .

 

Em dezembro de 2015, o processo de impedimento contra Dilma foi aberto com a denúncia de  pedalada fiscal e crime de responsabilidade. Ninguém sabia o que era isso.  O que o povo conseguia entender a essa altura depois de dois anos de massacre midiático diário era que a Lava-Jato estava limpando o país, que o PT (também) estava envolvido no maior escândalo “já revelado” da Petrobrás e que Dilma não conseguia mais governar.

 

Em agosto, assistimos à falta de preparo da nossa classe política nas  sessões de julgamento de Dilma que resultaram na chegada de Temer à presidência . Os discursos pobres e vazios de nossos deputados não são uma boa memória. É até hoje vergonhoso saber que esse é o nível de nossos representantes federais.

 

O governo  Temer, que se definia como a ponte para o futuro neoliberal, mostrou-se como a escada para a extrema direita subir ao poder.  A operação Lava-Jato afundava a esperança do brasileiro em um mar de lama. A defesa de Lula alegava a falta de provas (algo que foi apresentado em conversa no Telegram entre Dallagnol e Moro), mas isso parecia desculpa esfarrapada de petralhas.

 

Sem demora, em 2017  a pré-campanha eleitoral aquecia os tambores com a compra de informações privadas de 87 milhões de brasileiros usuários de redes sociais. Todos os dados foram passados para uso da Cambridge Analytica , que construiu estratégia personalizada de distribuição de mensagens para a campanha Bolsonaro.

 

Não bastasse a  epidemia de notícias falsas contra toda a esquerda em disparos pagos de propaganda política,  vazamentos da Lava-Jato também eram usados sem moderação nesses pacotes.  Moro aparecia como superherói em memes viralizados nas redes sociais .

 

O Brasil fica doente. Parentes e amigos brigam por causa de política. A violência cresce nas ruas. Lula é preso e Lava-Jato tenta tirá-lo de cena até o fim das eleições. Para isso, a Justiça proíbe que Lula dê entrevistas para qualquer jornal antes das eleições. Sabíamos disso sem precisar ler as revelações do The Intercept. O que as conversas revelaram é que a proibição de entrevistas era por medo de enfraquecer a campanha de Bolsonaro.

 

Logo depois de vencer as eleições, Bolsonaro convida Moro para ser seu superministro da Justiça e Segurança Pública. Sem pensar duas vezes, o juiz pede demissão para se preparar para a nova fase de sua carreira.  Acontece que como ministro do governo suas deficiências começam a aparecer. Até sua falta de domínio de português formal causa estranheza. Um juiz que fala “congê”?

 

Pois é como superministro que Moro empurra seu pacote anticrime no qual dá licença para matar. Mostra que não tem jogo de cintura para conversar sequer com deputados.  Casos e casos de influência de milicianos começam a pipocar na família Bolsonaro, mas Moro agora parece ignorar toda e qualquer corrupção a sua volta.

 

Se os vazamentos do Intercept viraram escândalo internacional, este é o momento de todos os brasileiros questionarem as táticas da Lava-Jato e as consequências da operação para a história do país. Precisamos  que as instituições democráticas recuperem sua credibilidade.  Precisamos entender que todos nós estamos vulneráveis quando permitimos que a Justiça não puna um juiz que usou a toga para calar, promover agenda política e interesse pessoal.

 

*IMAGENS PUBLICADAS PELO JORNAL FOLHA DE S. PAULO, GENTILMENTE AUTORIZADAS PARA REPRODUÇÃO PELA AMIGA DE LUTA LAERTE COUTINHO

*A jornalista Patricia Kalil é colunista da Agência Envolverde

 


Patrícia Kalil

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