por Samyra Crespo – Ilustração de Aline Lemos – 

Não estou nada surpresa e a indignação gastei quase toda no período Bolsonaro.

Amigos ‘in box’ reclamam meu posicionamento diante dos últimos acontecimentos que configuram um ataque cerrado – mas não de surpresa – à pauta e agenda ambiental do atual governo, que coincide em grande medida (não totalmente) com os meus interesse de ativista ambientalista. Agenda de Lula restaura esperanças. A frente ‘ampla’ e mal ajambrada, e ainda pouco azeitada, coloca bastante dúvidas numa visão otimista sobre o curto prazo.

Hesitei em escrever nos últimos meses qualquer texto que parecesse uma avaliação precipitada de uma política que precisava de tempo para deixar de ser retórica (música para nossos ouvidos) e se tornar real, palpável.

Como alguém que já trabalhou em Brasília, no MMA por seis anos consecutivos, sei bem que uma nova estrutura não se põe de pé antes de seis meses.

Então dei e ainda dou crédito a Lula e sua proposta de erradicar os males das ações bolsonaristas em várias áreas, e principalmente na ambiental.

O que está acontecendo, e a gravidade é tremenda, já estava enunciado lá atrás, antes mesmo de Bolsonaro. O impedimento da Dilma foi só o começo.

Que o Congresso é refém de lobbies, não é novidade nenhuma. Que os ruralistas tomaram assento e gosto por desmontar a pauta progressista que abrange meio ambiente, agricultura familiar, reforma agrária e demarcação de terras indígenas também não é novidade.

Gostaria muito de bater um papo com os parlamentares que criaram e fomentaram a tal ‘Frente Parlamentar Ambientalista’ que em seus melhores dias, reunia 230 deputados. Eles apareciam para os cafés da manhã, faziam discursos simpáticos ao meio ambiente, tomavam conhecimento de nossas estratégias e depois se esfumavam. Em matérias de nosso interesse a tal da frente comparecia com uns cinquenta e poucos votos, no máximo. Nunca atendeu nossas expectativas.

Lembro-me de conversas dramáticas que tivemos no gabinete da então ministra Izabella Teixeira, por conta do Código Florestal, no primeiro mandato da presidente Dilma. Ela estava estarrecida com a agressividade da bancada ruralista e nos anunciava que a coisa poderia piorar muito no futuro próximo. Aquele futuro próximo é o presente.

Eles, os deputados e senadores ruralistas, odiavam o CONAMA, o IBAMA, o ICMbio e naturalmente tudo o que pudesse parecer restrição à expansão agrícola em áreas do cerrado e do bioma amazônico.

O que vimos acontecer durante o mandato do Bolsonaro não foi um surto coletivo, mas o destampar de uma panela que cozinhava a fogo lento uma reação aos avanços dos ambientalistas.

Portanto, que a tentativa de enfraquecimento da estrutura e dos instrumentos de proteção do meio ambiente continue, não considero surpresa.

O que está posto agora não é só uma queda de braço entre o Congresso e o Executivo. Nem a legitimidade de Lula pode ser abalada se ele não conseguir demover os parlamentares dessas aberrações propostas de amputação do MMA.

Ele não é um ditador e o Congresso foi eleito também.

O que estamos vendo é o que o Gabeira chamou, apropriadamente, de ‘Presidencialismo de Confusão ‘ – nosso sistema mostrando suas principais características e limites funcionais.

Se estamos desgostosos com as medidas que o Congresso está tomando, reações devem surgir e não creio que judicializações possam sanar o estrago. O buraco é mais embaixo.

A sociedade deve mostrar o seu descontentamento, inicialmente utilizando suas instituições e organizações.
Não se pode cobrar de Marina se não a sua já provada coragem e substantiva lucidez.

Não se pode cobrar de Lula se não o que ele já mostrou que sabe fazer: buscar a governabilidade.

Quem achou que seria moleza, mais um vez se mostrou ingênuo e despreparado.

Ainda vem muito mais por aí.

Como disse Marina, do alto de sua experiência de 16 anos como senadora: ‘É uma semana de resistência e não de desistência ‘.

Nem sempre ganhamos. Mas resistir é preciso.

E mais, o passado está se fazendo presente, mas o futuro está a nosso favor.

Sigamos. O primeiro tempo do jogo não terminou ainda.

Samyra Crespo é cientista social, ambientalista e pesquisadora sênior do Museu de Astronomia e Ciências Afins e coordenou durante 20 anos o estudo “O que os Brasileiros pensam do Meio Ambiente”. Foi vice-presidente do Conselho do Greenpeace de 2006-2008.

Ilustração de Aline Lemos